POR ENQUANTO, EU FICO COM OS CANALHAS, OS BLASFEMADORES E OS ENERGÚMENOS

Aos que gritam a plenos pulmões que as performances artísticas que satirizam a demagogia e denunciam a hipocrisia da atualidade atrairão sobre nós as iminentes pragas apocalíticas, recomendo Pe. Antonio Vieira e Gregório de Matos Guerra.

Claudio Chaves

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Até a mais ingênua das criaturas é capaz de perceber que não há, jamais houve e nunca haverá total imparcialidade no jornalismo brasileiro – ou de qualquer outra parte do Planeta. E isso vale para qualquer outra área.

Especificamente sobre o poder e a responsabilidade do jornalismo profissional [deixando de fora as chamadas mídias sociais], dois casos não muito antigo são emblemáticos para a sociedade brasileira – tanto que se tornaram estudos de caso em vários cursos de Jornalismo, Psicologia e Direito, entre outros, em diversas universidades –: a cassação do deputado federal Ibsen Pinheiro (PMDB/RS) e a prisão dos proprietários da Escola Base (SP), ambos ocorridos em 1994.

À Época, grande parte da Imprensa brasileira, por vários dias, se ocupou especialmente de destacar que o deputado tinha em sua conta bancária 1 milhão de dólares (fruto de corrupção), quando, na verdade, tratava-se de apenas mil dólares. Já os proprietários da Escola, o motorista que transportava os alunos, uma professora e um fotógrafo (que não tinha nenhuma relação com a escola) foram acusados de molestarem sexualmente crianças de 4 anos de idade e, por isso, foram presos preventivamente; a Escola e principalmente a reputação, além da vida financeira e moral, dos envolvidos foram destruídos. Os proprietários da Escola morreram (ela, de câncer/2007; ele, de infarto/2014) sem jamais terem sido completamente ressarcidos, pelo menos financeiramente, de todos os danos sofridos. Todos foram inocentados por falta de provas. Mas a Imprensa, principalmente o grupo Globo, jamais se desculpou ou deu repercussão ao caso. Apenas noticiou que o processo foi arquivado.

As falsas informações, maciçamente veiculadas, foram determinantes em ambos os casos. Dez anos depois, quando uma das revistas responsáveis pelo enorme estrago à imagem do parlamentar resolveu fazer uma meia culpa, publicando uma reportagem de capa onde explicava a trapalhada lesiva e a falta de ética dos jornalistas da época, Ibsen se pronunciou, e disse que, apesar de todo o dano sofrido, a pior imprensa livre ainda é melhor do que a melhor imprensa censurada.

Doutro lado, o País (que nos últimos anos se acostumou a rompantes sensacionalistas, demagógicos e oportunistas tanto de políticos inescrupulosos quanto de líderes religiosos mercenários e hipócritas em busca de promoção a custo da demonização de outras pessoas e instituições), encerra o ano assistindo mais um espetáculo momesco (e grotesco) de crentes fazendo abaixo-assinado [e, com isso, dando mais visibilidade] pra censurar produção artística – além de tantas outras sandices similares protagonizadas por autoridades e outras pessoas totalmente desprovida de noção de realidade ao longo do ano –, enquanto outros, mais sem noção ainda, atentam contra o estúdio produtor da referida peça. Ainda bem que o ano chega ao fim – não haverá (neste) espaço pra mais tanta bizarrice!

E pra fechar com o Oscar da imbecilidade, o quadrúpede-mor classifica como energúmeno a maior referência em educação formal da história recente do País – e uma das maiores do mundo –, apenas como uma forma de exorcizar as frustrações de uma vida medíocre, inexpressiva e sem visibilidade e, por outro lado, alimentar com ódio, preconceito e mais estupidez, o já quase completamente ensandecido exército de devotos, que se comportam mais como uma grande manada sob o comando do vaqueiro do que como seres pensantes e independentes.

Apenas a título de recordação – para os que gritam a plenos pulmões que as performances artísticas que satirizam a demagogia política e denunciam a hipocrisia religiosa da atualidade atrairão sobre nós as iminentes pragas apocalíticas e, por isso, têm que ser detidos a qualquer custo –, recomendo lerem (não nas redes sociais do seu Messias, mas nos livros), Pe. Antonio Vieira e Gregório de Matos Guerra, entre outros clássicos; e os lembro que há aproximadamente 30 anos, as músicas que embalavam os programas de auditório na tv nas tardes de domingo das famílias cristãs conservadoras brasileiras tinham letras que falavam de “suruba”, do “sabão cru-cru, não deixa os cabelos do saco enrolar com os do...”, “mete em cima e mete embaixo, e depois de nove meses, a gente vê o resultado” – isso tudo era cantado ao vivo, enquanto homens e mulheres disputavam a audiência dessas famílias conservadoras seminus em disputas nada pudorosas dentro de uma banheira a cata de sabonetes.

Nesse mesmo tempo, o Governo se desdobrava não para censurar a tv e a arte ou para criminalizar professores e pensadores contrários a si, mas para emplacar o Plano (Real), que tornar-se-ia o divisor de águas na história econômica do Brasil recente e, na esteira da estabilidade econômica (com o fim da hiperinflação), vieram outras conquistas, como a valorização do salário mínimo, melhora na distribuição de renda, Fundef e Lei de Responsabilidade Fiscal, entre outras.

Esses avanços continuaram nos 3 mandatos presidenciais (2003 -2014) seguintes – inclusive o combate à corrupção (de forma lenta e sob forte pressão da sociedade civil e da comunidade internacional, é fato). Não há como ignorar, porém, que foi nesse período que foram aprovadas leis como: Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei da Transparência, Lei da Ficha Limpa, Lei da Colaboração Premiada, Lei do Acordo de Leniência, além da independência do Ministério Público (chamado antes de engavetador público) e da Polícia Federal.

Vale ressaltar, ainda, que, enquanto esses mecanismos eram aperfeiçoados por um lado, por outro, o Brasil encontrava o petróleo no pré-sal, o Fundef virou Fundeb, trabalhadores domésticos passaram a ter direitos como os demais e o País praticamente atingiu o pleno emprego, e com a melhor distribuição de renda de sua história.

O cinema e as outras artes – além dos esportes olímpicos – jamais alcançaram patamares tão elevados, dentro e fora do País. Tudo isso foi feito sem que nenhuma grande empresa viesse a declarar falência, qualquer presidente cassado por ser impopular para o Congresso, o STF passasse a legislar em vez de julgar; a Imprensa nunca foi tida como inimiga do País, professores não foram criminalizados, a Bíblia não precisou substituir a Constituição nem o AI-5 foi invocado para se intimidar protestos de rua. Aliás, foi justamente a liberdade de manifestação popular que, em 2013 (pelos R$ 0,20 da passagem do transporte coletivo), desencadeou o processo que levaria ao poder exatamente os que hoje querem acabar com ela.

Coincidência ou não, a “limpeza” que começara pela apuração da corrupção política nas empresas públicas sinalizava que, nalgum momento não muito distante, chegaria em outros rincões, como instituições religiosas, Judiciário, militares e, principalmente, nas milícias, braço armado e financeiro de muitos governantes e parlamentares, suspeito de comandar até partidos inteiros.

Por essas, entre outras, é que, entre os políticos oportunistas de plantão, religiosos aliados do fascismo e do nazismo, governantes que defendem que a Terra é plana, o nazismo é de esquerda, o kit gay está em todas as escolas, quer regular as até vezes que o cidadão faz cocô e seus desafetos, por enquanto, eu fico com os canalhas (da Imprensa livre), os blasfemadores (que satirizam a demagogia dos políticos e a hipocrisia dos religiosos) e os energúmenos, principalmente o que tem mais de 40 títulos de Doutor Honoris Causa e foi palestrante ou professor convidado dos cinco continentes. Por enquanto, é só.