MAS VÓS, QUEM DIZEIS QUE EU SOU?”

“(...) e sereis minhas TESTEMUNHAS tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra”

(Destaque acrescido)

Atos 1:8.

Claudio Chaves

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Quanto mais os cristãos teocratas tentam – por esforços próprios – me convencer do poder de seu deus, mais dele eu desconfio.

No bojo das últimas pieguices – sempre embaladas pelo sensacionalismo demagógico de líderes religiosos hipócritas e mercenários, verdadeiros estelionatários da fé – surge a inusitada e iluminada ideia de cercear (por meio de abaixo-assinado) a produção satírica do programa humorístico Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo, na qual, (provavelmente pela enésima vez) Jesus é apresentado como Homossexual.

Em certo sentido – que acredito não tenha sido o que o comediante quis destacar –, considerando a homossexualidade (natural ou opcional) pecado, não há porque não dizer que Jesus se identifica, sim, com o homossexual, da mesma forma que se identifica com o prostituto o ladrão, o ébrio, o mentiroso, invejoso, assassino, incrédulo...; por que não?!

No entanto, ainda que o objetivo dos idealizadores da produção seja confundir os seguidores de Cristo, insultá-los ou, de alguma forma, atingi-lO, faz menos sentido ainda o sensacionalismo com o tal abaixo-assinado para censurar a produção. Na verdade, o que as pessoas que promovem esse tipo ridículo de espetáculo querem mesmo é exposição; explorar a ignorância gritante de milhões de crentes e, no fim, obter promoção pessoal, poder secular e dinheiro – como um grupo que já fala em multa, além da suspenção do especial.

Analisada de forma minimamente séria, não há, em aspecto algum, nada que bíblica ou constitucionalmente sustente essa patacoada.

Para evitar fadiga, vamos fazer, sem pormenores, apenas quatro considerações:

Historicidade X Dogmatismo: embora para os cristãos Jesus seja Deus, é perfeitamente compreensível que ele seja visto por quem quer que seja apenas como mais um entre tantos milhões de personagens históricos. Aliás, mesmo em sua época, assim (como apenas mais um profeta influente, o filho de um carpinteiro comum, um embusteiro, oportunista, charlatão em busca de promoção, etc.) ele foi visto por muitos. Não há (nem em registros oficinais nem na tradição), no entanto, evidência alguma de que ele ou seus seguidores tenham recorrido ao Estado para punir quem quer que seja que assim o tenha definido. Por mais que para os cristãos ele seja o Deus encarnado, além de não haver como provar isso, uma coisa não anula a outra; o fato dele ser divino não exclui o [outro] fato verídico de ser ele um personagem histórico e, como tal, sujeito a qualquer tipo de crítica – como qualquer outro personagem –, dos mais rasgados elogios aos mais ácidos sarcasmos, desdenho ou deboches.

Liberdade de expressão ou liberdade da minha expressão? A liberdade de expressão precisa – para ser constitucional, de acordo com o Estado Democrático de Direito – ser ampla, plural e inclusiva. Não se pode querer limitar a liberdade de expressão a “minha liberdade de expressão”. Diariamente, em seus templos, nas esquinas, nas praças, através do rádio, televisão e tantos outros meios de comunicação – e até de casa em casa –, cristãos brasileiros das mais diferentes confissões expressam livremente suas compreensões de mundo, demonizando, estigmatizando, condenando quem bem entendem (do macumbeiro ao incrédulo, do roqueiro ao travesti, homossexual, artistas, outros tipos de crentes...) – tudo em nome de Deus e para a conquista de almas para o Seu Reino. No entanto, não se tem notícia de artistas promovendo abaixo-assinado pra fechar igrejas, tirar programas religiosos do ar, impedir suas produções cinematográficas ou proibir os crentes de irem de casa em casa fazer o seu proselitismo costumeiro. O mundo é grande, e tem espaço pra todo mundo. Vença aquele cuja proposta maior poder de persuasão tiver, ora!

Testemunhas ou advogados? É, no mínimo, curioso que, sendo o próprio Deus, Jesus tenha sido insultado, humilhado, torturado, escarnecido, injuriado, caluniado e, por fim, assassinado e, mesmo depois de ressuscitado (com todo o poder do Céu), jamais tenha movido ao menos uma das pálpebras em sinal de repreensão dos seus algozes ou tenha feito qualquer insinuação no sentido de exigir qualquer reparação dos danos sofridos e, guardadas as devidas proporções, o mesmo pode ser dito de seus primeiros seguidores. Aliás, duas passagens bíblicas [para não ser tão enfadonho ao leitor], são emblemáticas quanto ao perfil desse Cristo sofredor, tolerante e obstinado em amor por sua humanidade caída. A primeira é a clássica de Isaías 53, que assegura que “(...) Ele foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca; como cordeiro foi levado ao matadouro; e, como ovelha muda perante os seus tosquiadores, ele não abriu a boca” (v. 7). Na segunda, em Lucas 23;34, pelos soldados que zombam de sua divindade enquanto o crucificam, Jesus roga: “(...) Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem (...)”. Como justificar (ou pelo menos explicar) tanta fúria, tanto ódio, tanta imprecação e desejo de vingança dos cristãos teocratas do século vinte e um contra os que desdenham de Cristo quando a única reação do Próprio foi apenas a intercessão junto ao Pai em favor de seus verdugos e caluniadores? Vale ainda ressaltar que, ao se despedir de seus discípulos (para voltar ao Pai), Ele disse “(...) e sereis minhas testemunhas”, não: “meus advogados de defesa” (“ou meus justiceiros, vingadores”...). Aliás, não seria mais sensato e convincente os cristãos apresentarmos à sociedade (principalmente aos incrédulos) um Deus que nos defenda em vez de um que precisa de nossa defesa?

“Mas vós, quem dizeis que eu sou?” Por fim, eu continuo a preferir entender que a minha relação com Jesus (que, pra mim, é Deus) – e, por conseguinte, o acerto de contas dEle comigo – está baseada não em como o Porchart, qualquer outro artista ou ser humano comum O vê ou crê quem Ele seja (o que seja ou como seja), e sim em como eu creio, como eu O vejo e, principalmente, como com Ele me relaciono. Pra mim, a pergunta final (no diálogo em destaque) não é casual (aliás, o que Ele fez que o é?). Pra mim, Ele está dizendo: “Tudo bem que eles (anciãos, escribas, fariseus...) pensem isso de mim. Mas a mim interessa saber de vocês, que são meus seguidores, minhas testemunhas: pra vocês quem eu sou?” E, como cristão, é apenas isso que, nesse particular, me interessa.