PANDEMIA E NEUROSES ATUAIS

“Com a determinação de isolamento social para conter a disseminação do novo coronavírus as pessoas tiveram que mudar seus hábitos e suas rotinas. Para muitos a permanência em casa durante muitos dias, tanto longe do trabalho quanto das atividades de lazer pode trazer consequências psicológicas.” (Matéria TV Record, 24/03/2020)

A Pandemia do coronavírus é a notícia constante há mais de dois meses nas mídias televisivas, com campanhas e determinações em âmbito Nacional para o isolamento social. Em todo o mundo, este foi e ainda é, o melhor caminho para evitar o crescimento desse inimigo invisível. Porém, tão silencioso quanto o vírus, são as doenças psíquicas que surgem ou emergem sorrateiramente, acometendo, muitas pessoas que não conseguem lidar com o isolamento social, a ansiedade ou depressão intensificada pelo medo potencializado com a falta de perspectiva.

Esta realidade, inesperada, altera toda ordem social e reforça sobremaneira os conceitos freudianos sobre as concepções da neurose atual. A neurose é um dos pontos principais da psicanálise freudiana. Tem como base a análise de angústias, sofrimentos e experiências que ficam submersos no inconsciente. Esses sentimentos e desejos censurados que são recalcados, buscam meios de se manifestar, constituindo o sistema neurótico. A neurose passa a ser uma máscara para que o ego, parte consciente da nossa psiquê, passe a se proteger. Foram subdivididos em: neuroses atuais (resultantes de impedimentos da satisfação sexual), neuroses de transferência (mecanismo de defesa, como histeria ou fobia) e neuroses narcísicas (quadros psicóticos).

Para elucidar melhor o tema, o foco se fará nas neuroses obsessivas, fóbicas e atuais. Fazendo uma analogia com aspectos sociais da atualidade, a relevância de uma pandemia intensiva e um quadro de crises econômicas e políticas em que o Brasil vive, é comum encontrarmos pessoas com algum tipo de neurose ou a combinação de mais de um tipo de neurose.

Partindo deste cenário, outro ponto a ser analisado seria: de que maneira os acontecimentos externos podem tornar as pessoas neuróticas, já que não foram diagnosticadas anteriormente com essa patologia? Quais os fatores primordiais que se tornaram um gatilho para essas manifestações? Essas neuroses seriam temporárias ou se tornariam um complexo estado do ser que deverá ser reprogramado para novas adaptações?

As constantes orientações sobre os cuidados com esse vírus letal e os bombardeios de informações recebidas por diversos meios de comunicação, faz com tenhamos comportamentos obsessivos por limpeza, com rituais previamente estabelecidos para limpeza de mãos, ambientes e coisas como uma forma de defesa para reduzir os riscos de contaminação, além de fobias associadas ao medo premente de ser diagnosticado com tal vírus e a percepção óbvia de como a vida é fugaz.

Com o isolamento, muitos desejos são reprimidos, e encontramos, muitas vezes, no alimento excessivo, o resgate de um afeto materno para ter uma sensação de acolhimento. Outro aspecto potencializado pelo afastamento social e que se enquadra nas neuroses atuais é a angústia que apresenta sintomas físicos, sensações de medo e que em muitas situações pode levar ao pânico. Em muitos relatos apresentados pela mídia e de vários profissionais de psicologia, esses sintomas físicos de muitos pacientes, algumas vezes são percebidos por eles como sintomas da Covid. Acreditam que têm a doença, indicando um quadro de hipocondria.

Além da crise na saúde, outros aspectos levam a desequilíbrio das emoções e atos impensados e conflitantes. A crise econômica que veio como efeito cascata em consequência do isolamento social e da própria Pandemia, agravada por crises políticas, leva muitas pessoas a comportamentos de intolerância e revolta, chegando a situações de violência física e verbal. Na teoria Freudiana, esse comportamento também se relaciona com as neuroses atuais e seria um possível quadro de neurastenia.

Outro conceito freudiano e ligado ao aparelho psíquico seria a pulsão de vida e de morte. Essas duas pulsões residem em nós em constante conflito. A pulsão é uma necessidade que nos dirige a um determinado fim. Na pulsão da vida temos demandas internas que nos levam à busca de prazer; e na pulsão de morte tendemos a buscar o isolamento, a estagnação, destruição e morte. A questão é, se estamos isolados e impedidos de realizarmos nossos desejos em função do momento de preservação da vida, como lidar com a pulsão de morte?

As neuroses estão adstritas ao momento que vivemos e não importa as ideologias ou as experiências individuas do passado, não podemos dissentir que atualmente todas as neuroses estão presentes, em níveis e em graus diferentes para cada um de nós. O que fazemos do ócio, do medo, da ansiedade para controlar o nosso estado psíquico e preservar o nosso nível de consciência, para a nossa sobrevivência em tempos de isolamento social forçado, vai delinear o quadro da “nova” sociedade após Pandemia.

Essa mudança brusca de nossa realidade e a constante busca pelo equilíbrio emocional, aproxima as pessoas em suas dores em uma corrente de ajuda mútua. Talvez, seja uma oportunidade única de uma autoanálise e repensar sobre o nosso papel social, bem como o autoconhecimento e autoaceitação. Logo, as neuroses podem representar aspectos sensíveis da nossa personalidade, mas também podem ser controladas pela racionalidade das nossas emoções.