Grito preso, sufocado que sai rasgado
Quantas vezes ensaiei escrever sobre isso, colocar para fora e ver se de alguma maneira deixa de ser como uma espada afiada e pontiaguda me perfurando. Nunca encontrei as palavras certas, ou como falar a respeito, por medo? Vergonha? Não saberei responder. Falar abertamente também não falarei. Mas, alguma coisa preciso dizer.
Sempre me recusei a falar e por anos guardei apenas para mim e fico pensando, quantas pessoas não passam pelo mesmo e fazem como eu, permanecem caladas, talvez por vergonha, medo, medo até de julgamentos, ou falta de apoio. Por tantos anos calei tudo dentro de mim e quando criei coragem para falar com alguém que deveria me apoiar, não obtive isso. Tive só que me refazer mais uma vez.
Naquela altura da vida, já havia aprendido juntar meus pedaços, sem que a outra pessoa enxergasse os pedaços caindo, disfarçar meus trincados.
Fui abusada sexualmente quando criança, quando adolescente e falar disso hoje, não é mais fácil porque os anos passaram.
Essas situações trouxeram muitas consequências, que fui obrigada a lidar com elas, sozinha.
Porque? Porquê uma criança de 7anos tem medo de falar, eu não sabia o que estava acontecendo, mas não gostava daquilo. Como adolescente o grito ficou preso na garganta, sufocado e teve o dia que ele saiu rasgado e me pediram para não falar.
Quando falei com quem deveria ser responsável por mim, ele tratou como se não fosse nada e a culpada era eu.
Só que as marcas dessa violência, ficaram.
Não acho tudo isso normal, não entendo o descaso das pessoas ao redor.
Não fiz terapia, a minha terapeuta foi a vida, aprendi a lidar com várias coisas, até não querer o toque de outra pessoa, aprendi a lidar sozinha.
E ainda hoje não vejo mudanças nesse cenário, quantas crianças caladas, adolescentes, mulheres por medo, por vergonha, por não receber apoio.
Porque na maioria das vezes, quem causa tamanha violência é um parente.
_Rê Ferry