Jeitinho X Malandragem

Há uma tênue e sutil diferença entre ambos; só quem nasceu aqui vai identificar. Tento explicar para estrangeiros, que não entendem bem como surgiu o nosso "jeitinho". Sempre foi um país precário, com Estado ausente na maioria dos casos ( não acredite na história do "Estado inchado") .

O compadrio, a ajuda mútua entre vizinhos, mais próximo que a burocracia e ineficiência públicas. E há leis mal formuladas e burocráticas, feitas por quem está sempre longe do povo e da realidade.

Foi um país com 300 anos de escravidão, porém sempre houve a alforria , o "padrinho"; isso está arraigado em nossa cultura. E há o espertalhão, que quer viver folgadamente e burlar as leis, o chamado "malandro". Walt Disney tentou encarná-lo na figura de Zé Carioca, mas é uma caricatura; somos mais Macunaíma, mistura de povos e culturas, sem um caráter definido ainda, povo em formação, que lembra dos antepassados em outros países ou não sabe sua origem.

Mas há o jeitinho positivo, que conserta as coisas de casa ao invés de jogar fora, que improvisa, adapta, se vira, sobrevive em meio às dificuldades. Há a lei proibindo camelôs , mas estão por toda parte; ele tem a pilha barata, o adaptador de tomada, pois alguém lá em cima protocolou a tomada de três pinos, obrigando a trocar todas da casa, mas o vendedor resolve o problema, a mulher faz o pano de prato de saco de estopa. Isso não é exclusivo do Brasil, mas num país imenso como esse, é a regra.

Na Segunda Guerra os soldados brasileiros eram requisitados pelos norte-americanos, cheios de livros e normas, para desatolar os jipes. Na Copa do México, após um violento terremoto, o sistema de comunicações ficou abalado; todas as emissoras tiveram problemas para enviar as imagens, menos os brasileiros, acostumados a condições difíceis, deram conta do recado, como quando fizeram a primeira transmissão entre Rio e São Paulo, instalando antenas em Ilha Bela com telas de galinheiro.

De vez em quando esse país surpreende, como construir uma das maiores indústrias aeronáuticas do mundo, tudo porque um presidente pousou lá em São José por causa de um temporal e viu o que estavam fazendo. Ou então faz uma urna eletrônica melhor que a dos EUA, sendo que só nós e eles fazemos eleições totalmente informatizadas, mas damos o resultado no mesmo dia e eles não.

Mas aí essa criatividade é usada em todos os tipos de golpes, numa criatividade nociva, mesmo que o PIX seja uma coisa incrível, do mesmo modo que a página da Receita Federal. Aí às vezes você vê coisas erradas, atrasadas, que não mudam nunca. Tudo tem dois lados; espero que o jeitinho criativo e positivo prevaleça.