A dignidade humana

A cena chocante percorreu o planeta e causou perplexidade. O cadeirante enfermo é conduzido até a instituição bancária com o intuito de finalizar um empréstimo. Seria algo corriqueiro nesses casos, senão por um inacreditável detalhe: “Tio Paulo” encontrava-se sem vida. Sua cuidadora ainda tentou viabilizar a transação bancária, que obviamente foi interrompida ante a constatação de óbito do requerente. E o que mais impressiona, além de suscitar outros tantos sentimentos análogos, é a naturalidade dispensada ao idoso, não obstante a evidente ausência de sinais externos de interação com o ambiente onde fora introduzido. Ainda que seu estado de saúde tivesse se agravado durante o deslocamento até a agência bancária, é inadmissível a aparente indiferença da responsável, ciente do dever e do encargo anteriormente assumido em proporcionar-lhe bem-estar e proteção, enquanto visivelmente fragilizado pela moléstia.

Diante dessa lamentável demonstração de insensibilidade para com o ser humano, é interessante elencar alguns questionamentos pertinentes. Como alguém, presumivelmente em sã consciência, teria a capacidade em perpetrar um ato de tamanha desumanidade? O que leva uma pessoa a se submeter a esse tipo de situação, sabedora das consequências advindas desse feito insano? Quais valores morais carrega consigo alguém que ignora por completo a condição crítica do enfermo, ainda que a intenção maior seria supostamente destinar os recursos pleiteados para a melhoria de suas condições de habitabilidade? Mesmo que seja verídico o fato de que a protagonista sofreria de transtornos psicológicos, ficou evidente o propósito em concretizar a transação bancária. Esse indicativo sugere razoável capacidade de discernimento em relação ao verdadeiro estado de saúde do idoso, que obviamente foi negligenciado, diante do fatídico resultado.

O lamentável infortúnio do “tio Paulo” escancara sem disfarces, as nuances da iniquidade humana e suas consequências nos relacionamentos interpessoais. Nota-se que gradativamente, as pessoas estão deixando de lado a deferência pelos valores morais estratificados em uma sociedade. Integridade moral, retidão de caráter, bom senso, compaixão, altruísmo, benevolência, generosidade e tantos outros sentimentos que haveriam de ser considerados “de porte obrigatório” na vida de qualquer cidadão, deixaram de constar na lista de prioridades do cotidiano. A agitação desenfreada da vida moderna e as influências perniciosas do mau uso da tecnologia contribuem sobremaneira para promover a indiferença e o desapego aos limites há muito estabelecidos para a convivência em sociedade. A humanidade foi privilegiada pelo Criador com um invólucro terreno extraordinário, dotado de intelecto invejável, uma máquina perfeita de inteligência ilimitada, composto por corpo e alma. Portanto, todos merecem respeito e tratamento digno, no momento da derradeira viagem. É o mínimo a se esperar do semelhante.