Trabalho!

Nísia Maria de Sousa Cordeiro

Pedagoga / Extensionista Rural

Nas palavras do poeta árabe Kahlil Gibran: "o trabalho é o amor feito visível", elaborei minha relação harmoniosa com o trabalho. Essa expressão tem me motivado ao longo desses quase 28 anos de serviço público. O entusiasmo e a minha força interior me movem a favor da produção, do fazer, do construir, do transformar.

Muitas são as dificuldades e barreiras para quem objetiva a eqüidade e a justiça numa caminhada ao lado da honestidade e senso de responsabilidade com compromisso e respeito ao cliente.

Entretanto, ouço uma autodefesa inflamada, extremamente emocionante de um parlamentar que se dirige ao juiz num tom de profunda indignação e projeta em um rompante as agruras de sua profissão. É trabalho duro ser parlamentar, na voz do congressista, sabe lá o que é ir a um casamento de estranhos e abraçar cem pessoas que nunca viu na vida? Deixar de estar em casa para velar um eleitor que ousou falecer? Atender pedidos políticos exatamente no dia em que decidiu ir ao cinema com a esposa? E tantos outros infortúnios? É um sacrifício pessoal.

Querer comparar a isso a saga do trabalhador que ao raiar do dia tem que pegar condução coletiva lotada, fazer baldeação para chegar ao seu destino. Enfrentar sol forte, chuvas, cumprir uma jornada de oito horas de trabalho que somadas ao deslocamento chega a um total médio de dez horas. Ainda enfrenta o terror do desemprego pela falta de estabilidade. Falta de segurança e qualidade de vida no trabalho. Lazer? Só se for gratuito e disputado a muito suor nas filas intermináveis para a conquista de uma entrada. Se for cobrado alimento não perecível a barriga vai sofrer o transtorno mediante o desvio de mantimentos por um instante de lazer. Tudo isso é muito mais fácil que a vida de parlamentar.

Anos de estudo são mal remunerados, os melhores empregos são conquistados por meio de concursos nos quais a concorrência é absurdamente desleal, desumana e alienante. O cartão de crédito quando ultrapassa os limites do salário, recorre-se a empréstimos nas financeiras que cobram juros que não existem para a poupança e acompanham uma inflação inexistente apenas para o reajuste salarial. Plano de saúde? Privilégio de poucos. O jeito é ir se acostumando aos transtornos caóticos do serviço público de saúde. Noites intermináveis em macas dispostas em corredores apertados e expostos sem que lhe sejam preservadas a dignidade. Mas, querer comparar tudo isso à dureza do trabalho parlamentar é uma afronta.

Escola pública para os filhos que garantem a merenda e os livros e não garantem a qualidade do ensino. Acesso discriminatório à universidade. Peregrinação em busca de oportunidades. Sonhos? Talvez haja muitos, entretanto, a realidade é mais forte e crua. Não permite viagens lúdicas por esse universo quimérico, o dia a dia do nosso trabalhador. E se ele estiver na luta renhida do campo, à mercê das condições climáticas, condições do solo e na dependência da assistência técnica gratuita que muitas vezes lhe é negada, aí teremos assunto para mais um artigo. Mas, o que significa tudo isso em se comparando a vida dura de um parlamentar? Sem comentários, até porque há tanto a ser dito que é melhor calar um pouco e refletir mais.

Nísia Maria de Souza
Enviado por Nísia Maria de Souza em 01/06/2008
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