Pouca ciência e muita polêmica, os males do Brasil são.

Pouca ciência e muita polêmica, os males do Brasil são.

05/06/2008 17h38

Nísia Maria de Sousa Cordeiro

Pedagoga / Extensionista Rural

Plagiando a memorável frase do grande mago das palavras, Mário de Andrade, na sua rapsódia escrita em 1928, Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, quando diz:"Pouca saúde e muita saúva, os males do brasil são", eu tento iniciar essa divagação que é muito mais um colóquio de mim para mim mesma, em relação às células-tronco embrionárias, do que um questionamento. Isso porque em país democrático a liberdade de expressão é a sua maior riqueza.

Tenho acompanhado muito em cima do muro toda essa confusão, todavia não sinto a posição cômoda, tenho a necessidade em expressar-me, necessidade essa que adiciono às vitais mais conhecidas. A partir daí tenho analisado, lido e acompanhado através da mídia todo o escarcéu que envolve o tema. Tenho recebido e-mails de adesão à causa contra, entre outros meios que independente de minha vontade me levam sempre à mesma circularidade que culmina numa decisão ontológica do assunto.

Ciência de um lado, religião do outro, pró ou contra o nome de Deus colocado ostensivamente e usado com tal propriedade que me provoca arrepios ao enveredar nesta exposição dos fatos. (Aqui faço um parêntese: é possível separar Deus da ciência, não é Deus a ciência pura e absoluta?). Então, se acreditamos no Gênesis e sabemos que Deus não é mágico, ilusicionista, resta-nos acreditar que ele é o Senhor da ciência e, como tal, nos criou à sua imagem e semelhança. Acredito, pois, que em nosso lento processo de evolução também se insere a caminhada em busca dessa ciência legítima. Com todo o poder do Criador, ciente do passado, presente e futuro da humanidade, quando ele nos conclama em sua célebre frase: crescei-vos e multiplicai-vos, estaria Ele se reportando ao dogma da multiplicação da espécia ou ia mais além? Os animais fazem isso institntivamente, não seria nada novo, nem haveria necessidade de tal lembrete, até porque a multiplicação da espécie está inerente na própria condição "animal" do homem. Não seria desejo d'Ele entretanto, que o ser humano fizesse a diferença na terra e buscasse a evolução do pensamento que o levaria às descobertas científicas, as quais tornariam a vida humana mais significativa? Tendo Ele o poder de gerar vida e arrematá-la ao longo das experiências transcritas em livros religiosos, principalmente o Novo Testamento que traduz os ensinamentos de Cristo, não seria a chave para incitar o homem às novas descobertas? Na época de Jesus os leprosos eram condenados ao exílio, Jesus, entretanto os curava. Os epilépticos eram seres endemoniados largados a uma vida de insanidade e Jesus o que fazia? Expulsava seus demônios. E os religiosos da época, o que fizeram? Crucificaram-no. Fica, portanto difícil basearmos em argumento que são postulados em idéias arbitrárias em relação ao real sentido da vida.

Jamais esqueci, quando recém saída da adolescência presenciei e fui protagonista de um fato que até hoje me causa espanto e agora transcrevo aqui: Aos vinte anos, concluinte do curso de Pedagogia, tive uma calorosa discussão com uma colega de trabalho sobre a questão da transfusão de sangue. Ela em sua postura contra, usava o nome Deus e eu, sem ver nada de errado, abençoava o homem por tal descoberta que vem salvando vidas ao longo dos séculos. Alguns anos mais tarde, talvez três, não lembro bem, foi minha colega, chamada pelo hospital em que estava uma filha sua internada e precisando com urgência de sangue, para autorizar o procedimento. Qual foi a posição da mesma? Autorizar, claro!

É aí onde minha consciência repousa o maior argumento: essa cura advinda das células-tronco embrionárias vai beneficiar a vida gerada através de uma outra que não teria mais chances de sobreviver. São centenas de embriões fecundados in vitro na tentativa de fazer gestar um útero que ansioso por aninhar uma criança, por haver inaptidão natural, lança mão da inseminação artificial. Esses mesmos embriões podem dirimir males que trazem sofrimento profundo e morte como o câncer, o mal de parkinson, alzheimer entre outras doenças degenerativas.

Resta-nos agora a preocupação com a ética e a garantia humanizada de tais procedimentos. Primeiro sabemos que por ser um processo que gera custos elevados, vem a primeira grande questão: quem vai ter acesso? Somente quem detêm o poder do dinheiro? A minoria abastada? Os ladrões do povo? Os financeiramente privilegiados independente das origens de sua fortuna? E o pobre, onde fica nessa história? Os trabalhadores? Os menos amados? Os que anseiam igualmente pela melhoria da qualidade de vida e não possuem o poder econômico para tal? Outro ponto é: Diante dessa miraculosa ação das células-tronco embrionárias (supondo-se o êxito da descoberta) não vai o homem gerar em ventres maternos uma vida para cerceá-la, pondo-lhe termo em nome da ciência? Não seria esse o caminho para a banalização do aborto? E um terceiro ponto seria o perigo da clandestinidade paralela ao trabalho sério de cientistas conscientes e responsáveis pelos resultados dos procedimentos realizados, mediante um estudo profícuo e sensato em prol do alívio dos males da humanidade.

Em suma, a discussão realmente produtiva para encetar o tema está sim voltado para os padrões éticos aceitáveis, do que para argumentações arraigadas em fanatismo e superficialidade. Eu me pergunto? Será que as pessoas que se dizem contra a utilização desses embriões já fatalmente rotulados como "lixo" de repente fossem acometidos por um mal desses que se espera resolver com a evolução desses estudos não gostaria de receber o benefício? Aqui eu lembro dos movimentos grevistas, os companheiros que não aderem à greve de uma ou outra categoria trabalhista, colocam-se contra o movimento por vários motivos e que defendem ardorosamente a não participação, por que, quando o resultado é benéfico, eles aceitam os ganhos pleiteados e adquiridos via mobilização de classe? Bem... mas, aqui é outra história...

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Nísia Maria de Souza
Enviado por Nísia Maria de Souza em 05/06/2008
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