O PORQUÊ DE DEUS NÃO EXISTIR

Comecemos de um modo bem didático. O que é existir? Existir é ser ou estar. E o que é ser ou estar? São verbos que unem dois ou mais conceitos. Quando digo: esta casa é nova, na verdade estou unindo dois conceitos, o de “casa” e o de “nova” numa mesma relação, dizendo que o conceito “casa” possui o conceito “nova”. Quando alguém diz: Deus existe, na verdade está dizendo que Deus ESTÁ fora de nós, que é, independente de nossas crenças e opiniões. Está unindo pelo verbo “estar” os conceitos “Deus” e “exterior a nós”. Existir é, então, estar fora de nós – não no sentido fisco, mas psicológico.

Quer dizer então que o que pensamos não existe? Existe sim, mas de um modo diferente do ser que existe realmente. Existe apenas enquanto abstração. O que impede então que todos os nossos conceitos mentais não sejam meras abstrações? É que existem duas categorias diferentes de conteúdos mentais (mas não me arrisco a dizer que há somente estes dois): os adventícios e os fictícios. Os adventícios são os que nos chegam de fora de nossa mente, que não causas de si mesmos. Os fictícios, como o próprio nome já diz, são os que são criados por nossa própria mente, mesmo que baseados em conteúdos adventícios. O que garante que os conteúdos adventícios não sejam também criações de nossa mente é que todos concordam quanto a sua existência de fato. Se toco numa chapa quente e logo em seguida retiro a mão porque me queimo, outra pessoa que toca-la também repetira o mesmo gesto que eu, numa forma de concordar que o que está fora de mim também foi percebido por outra pessoa. Sendo assim, esta impressão não é um fruto da minha mente.

Convém então diferenciar os dois seres existentes: um é o que existe-por-si-mesmo, o outro é o que existe-para-nós. O se que existe-para-nós é aquele que só existe enquanto abstração mental, como os números, os conceitos, os nomes, as idéias de justiça, coragem, bondade, amor... Ou seja, não encontramos estas coisas por ai. São “seres” desprovidos de existência concreta. Se todos os homens deixassem de existir imediatamente todas estas coisas também deixariam, uma vez que só existem dentro de nós e do ambiente-sócio político humano. Ao contrário, o ser que existe-por-si-mesmo não depende de nós para se afirmar no mundo. São seres concretos, reais. Isso porque têm uma coisa que aqueles não possuem: propriedades empíricas¹. Eu não preciso acreditar que esta parede existe, pois suas propriedades empíricas são mais forte que minha vontade de ignorá-la, elas me convencem de sua existência e eu, mesmo podendo negá-la, não posso ignorá-la. Já o ser que existe-para-nós pode muito simplesmente ser ignorado. Um animal pode viver tranquilamente ignorando idéias como justiça e liberdade, mas não pode ignorar uma parede e atravessa-la. Isto porque suas capacidades empíricas dão testemunho de sua existência de fato e convence animais racionais e irracionais disso.

Se homem deixasse de existir todos os conceitos abstratos também deixaria, pois estes só existem quando são pensados. Os outros não precisam ser pensados para que sejamos convencidos de sua existência de fato. Assim sendo, Deus está na categoria do ser que existe-para-nós, posto que não tem capacidades empíricas. Se o homem deixasse de existir Deus não teria como afirmar sua existência, sendo que só existe quando é pensado. Se eu não pensar em Deus ele não existe para mim, mas deixar de pensar na árvore que está na minha frente não vai faze-la desaparecer. Não quer dizer aqui que só existe o que é percebido, mas sim o que pode sê-lo. O fundo do oceano existe porque tem capacidades empíricas. Embora as células não possam ser vistas com o “olhômetro” – como dizia um antigo professor de física – não quer dizer que não possa ser vista de outro modo. Embora eu não possa ver o ar, posso senti-lo na minha pele. Embora eu não possa sentir esta árvore se eu morrer, outros poderão senti-la, e se não houver mais vida racional, os animais poderão senti-la. Já para que Deus exista é necessário que haja vida racional, pois a única forma de ele afirmar sua existência é enquanto pensamento. Os crentes querem que Deus exista de fato, mas excluem dele tudo que é necessário para isso...

1. Não confundir com "existir é ser percebido". Estou dizendo que o que existe PODE ser percebido, mas nem sempre o é.

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 05/07/2008
Reeditado em 02/09/2009
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