QUEM ORIGINOU TUDO?

Dedicatória: Aos meus adversários – em idéias, é claro. Que leiam sem os olhos do preconceito e com a cabeça aberta para novas idéias.

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“Quanto mais penso menos posso pensar que este relógio não tenha relojoeiro”

(Voltaire)

Sempre que está acuado um crente diz coisas como “Afinal, quem ou do que originou tudo?” Com este pseudo-argumento vivem felizes da vida achando que sabem de tudo. No entanto é preciso fazê-los notar que a pergunta contém em si mesmo um erro interno, uma incoerência quanto aos objetos tratados. Este é o típico “argumento” comum na filosofia moderna, conhecido como o Argumento do Desígnio. Em suma é um argumento a posteriori, ou seja, baseado em fatos empíricos, mas também é um argumento analógico. O argumento diz que se eu encontrasse um relógio perdido teria certeza que este relógio não foi feito pelo acaso, que foi preciso um relojoeiro que tenha colocado todas as peças no lugar e dado corda para que ele funcionasse – no modelo moderno, porque os de hoje não necessitam disso. Em seguida concluem: ora, se ao ver um relógio tenho a plena convicção de que suas peças não foram juntadas ao acaso, mas sim por obra de uma mente inteligente, por que deveria pensar que o mundo, que é bem mais complexo que um relógio, teria surgido ao acaso?

Ele é falho nos dois sentidos, tanto no empírico quanto no analógico. Ele faz uma analogia entre coisas essencialmente distintas. É preciso fazer uma diferença entre o que é natural e o que é cultural. Cultura é tudo aquilo que é feito pelo homem ou modificado por ele. Natureza é o seu contrário, ou seja, tudo que não tem intervenção do homem. Um relógio é algo cultural e tudo que é cultural tem necessariamente que ter uma causa humana, isto é, precisa de um “criador”, ou de uma causa eficiente inteligente. Já o mundo é algo totalmente diferente de um relógio por ser natural. Esta analogia é imprópria, sendo que ambos têm essências diferentes. Deduzir por um relógio que o mundo também foi feito por uma mente inteligente é como tentar entender o comportamento humano estudando as pedras.

A outra aporia vem do empirismo. Esta corrente filosófica afirma que os sentidos são os fundamentos de todo conhecimento. Mas o conhecimento empírico se dá através da repetição de um estímulo, ou seja, se eu encontrar um relógio perdido terei a certeza de que este relógio foi feito por um homem por que todos os relógios que vi foram feitos por homens, então este não deve ser diferente. Tenho conhecimento das coisas culturais e sei que todas foram feitas por homens porque vi. Aqui este argumento trai o empirismo ao comparar um relógio com o mundo: eu nunca vi ninguém fazer um mundo, então não posso dizer que o mundo foi feito por alguém. Eu já vi relógios, casas, carros, livros e se eu vir alguma destas coisas por ai, saberei que foram feitas por homens, mas disso não posso deduzir que o mundo também teve um “feitor” por se tratar de uma coisa essencialmente diferente, é natural. Eu não precisaria nem ver alguém fazendo um mundo para deduzir que este também foi feito, só bastava que me provassem que alguma coisa natural, seja uma pedra, uma flor, uma árvore, foi feita por alguém para que eu deduzisse que todas as outras coisas da natureza também foram. Mas não há como fazer isso comparando com as coisas culturais. Seria, como disse David Hume, tentar aprender alguma coisa sobre o crescimento humano comparando-o com um fio de cabelo.

Por fim, a idéia de que o mundo e o universo precisa de alguém para faze-lo surge da comparação destes com coisas totalmente diversas. O homem olha para o mundo que ele mesmo construiu e deduz que o mundo que ele não construiu foi feito por alguém, tomando como semelhantes coisas inerentemente diferentes. Tudo que é cultural precisa necessariamente de um artífice, de um construtor, mas nada garante que as coisas naturais também precisem, por mais belas e complexas que elas sejam. O homem, como sempre egocêntrico, acha que somente uma mente maior que a dele poderia criar coisas melhores que as que o homem faz.

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 07/07/2008
Reeditado em 28/07/2008
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