o ser ético no pensamento de Emmanuel Levinas

O ser ético no pensamento de Emmanuel Levinas.

Iremos abordar neste artigo a reflexão no campo da ética, tendo como foco a visão do filósofo lituano Emmanuel Levinas, pensador contemporâneo com um profundo comprometimento com a relação que estabelecemos com nosso próximo.

Em sua obra de maior destaque: “Totalidade e infinito”, partindo de uma crítica ao ser heideggeriano, onde este é visto como fundamento último da realidade, é contraposto a questão da ética sendo esta sim a realidade primordial, ou seja, é a questão filosófica de maior relevo. Nesta concepção é analisado o conceito de infinito, sendo que há a participação infinita no finito, assim há uma revelação, sendo tirado o véu finito aparece o infinito. O filósofo faz um estudo e paralelo entre o talmude e a filosofia, pois ao mesmo tempo em que percebe a relação do Deus Criador, dialoga com os pensadores metafísicos, segundo suas palavras: “O infinito não pode deixar de englobar todas as relações”. 145(...) “A idéia do infinito ultrapassa os meus poderes”. Esta percepção do absoluto o enche de veneração, como quando estamos diante do mar e não vemos seu fim admiramos a grandeza que nos deixa exaltados, o pensador relaciona esta ideia de infinito com a relação com o outro. Para esta questão o rosto do ser humano se torna o ponto fundamental, pois nada pode abarcá-lo, definí-lo ou colocá-lo em “moldes”, pois a face com suas histórias, afetos, desejos, reflexões... não pode ser totalizada, sendo sempre transcendente, com isto é revelado o infinito, pois sempre ultrapassa os conceitos que o outro lhe dirige.

Tendo o rosto esta dimensão ética, devemos respeitar-cuidar e valorizar o outro, porque não posso fechar os olhos diante do outro que possui esta sacralidade, por ser tão especial, devemos sim ir ao encontro com responsabilidade, pois o mundo é feito nesta relação do eu com a face do outro.

Levinas faz uma análise minuciosa do rosto, em suas palavras: “Está presente na sua recusa de ser conteúdo”. Neste sentido, não poderá ser compreendido, isto é, englobado. Sendo assim, podemos analisar os entes, ou seja, cada coisa tem uma essência possuindo uma finalidade para sua existência, então o rosto em sua essência revela o infinito que está presente no finito, nada pode englobá-lo na situação do Mesmo.

Segundo Levinas “Outrem permanece infinitamente transcendente” infinitamente estranho, mas o seu rosto onde se dá sua epifânia e que apela para mim, rompe com o mundo que nos pode ser comum cujas virtualidades se inscrevem na nossa natureza e que desenvolvemos também a nossa existência.” (173).

Analisando o pensador, palavras como “Outrem”, “Rosto” e “Epifânia” têm um caráter transcendental, primeiramente analisaremos o Outro, este que não posso negar, tem imperativo categórico de me relacionar, de estabelecer comunicação e é neste que devemos exercer a percepção ética, pois como olharmos e percebermos o outro é que construiremos e estabeleceremos nossa vivência na casa comum, em seguida, o rosto, que adquire o aspecto infinito e que implicará nossas relações existenciais com nossos próximos, a qual voltará a estabelecer uma reflexão adiante, e a epifânia, ou seja, o aparecer o estar na luz, este que tornará claro quem é e como estabeleceremos nossa reflexão ética, pois como vejo o outro é que estabelecerá os valores, aspirações e motivações que impulsionam a nos sentirmos responsáveis pelo ser humano que está a nossa frente, nos olham nos olhos e com seu rosto estabelece os padrões éticos que vamos ter para com ele.

Ateremos na questão do rosto, sendo um ponto fundamental para uma análise ética levinasiana: “A idéia do infinito, o infinitamente mais contido no menor, produz-se concretamente sob a aparência de uma relação com o rosto. E só a idéia do infinito mantém a exterioridade do outro em relação ao mesmo, no obstante tal relação. De maneira que se produz uma articulação análoga ao argumento ontológico: neste caso, a exterioridade em ser inscreve-se na sua essência. Só que assim não se articula um raciocínio, mas a epifânia como o rosto”. (175) Veremos que o rosto é o que transmite o caráter infinito tendo como pressuposto seu caráter de não violação e acima de tudo ética, pois em sua epifânia nos revela a essência do ser humano, ou seja, um ente plenamente especial com uma dignidade intransponível e infinito.

“A epifânia do rosto é ética” (178) Quando nos deparamos com o rosto está englobado o depararmos com a ética: a epifânia mostra este elo intransponível, partindo por uma análise etimológica da palavra ética, podemos encontrar o conceito de “casa,” “morada”, sendo assim, quando dizemos namorada, refletimos sobre o conceito do amor que é alguém que esta na morada do outro, tendo como ponto de partida a relação entre duas pessoas que se amam, o filósofo analisa este conceito de acordo com a relação que o casal estabelece com o filho, pois o amor transcende e este sentimento é transmitido aos filhos, com isto a responsabilidade é ponto fundamental para uma análise ética, pois é este ser responsável que não me deixa virar ou negar o rosto do próximo, ele participa do sagrado, todo ser humano tem uma centelha do divino e é infinito, ou como diz Leonardo Boff: “o ser humano é um projeto infinito”.

“A expressão que o rosto introduz no mundo não desafia a fraqueza dos meus poderes, mas o meu poder de poder”. (176) Com isto Levinas reflete sobre oque podemos fazer com o outro, pois temos o poder, porém, este não pode fazer o mal ao outro porque o meu poder é desafiado e nesta luta comigo mesmo devo ceder à nudez do rosto que me olha com olhar cintilante me revelando seu caráter infinito.

Como conhecedor profundo do Talmude, percebe as palavras bíblicas como um parâmetro para nos relacionarmos e vivermos de uma forma digna onde cada um encontra sua própria realização no viver com o outro, este que pode ser refletido nas visões de personagens bíblicas como viúvas, estrangeiros e aqueles discriminados, pois o modo que exerço minha hospitalidade para com os necessitados se revela as leis e o deus que conduz, ou nos mostra o caminho para a plena realização humana que é o acolhimento do infinito que quer se revelar no meu estar com o rosto do outro.

Partindo deste pressuposto, nos deparamos com a responsabilidade, segundo o teólogo Carmine di Sante interpretando Levinas: “A responsabilidade é entendida biblicamente é extra-histórica e extra mundana, no sentido de que ela não é nem pode ser o produto da história, da cultura ou da ‘natureza’, mas evento que provém do’além’ da história e do além mundo: o além da liberdade boa, da santidade ou da bondade, que é a interrupção e o julgamento da história e do mundo”.

Diante deste Deus que me convoca ao respeito e cuidado pelo outro podemos citar Levinas: “Não luto com um deus sem rosto, mas responda à sua expressão à sua revelação” assim Deus se revela no meu estar com o próximo. No shemá, (em hebraico, “ouça”) vemos Deus se dirigindo ao seu povo dizendo: “Ouça Israel: Javé nosso Deus é o único Javé. Portanto, ame a Javé seu Deus, com todo seu coração, com toda sua alma e com toda sua força. Que essas palavras, que hoje eu lhe ordeno, estejam em seu coração. Você as encucará em seus filhos, e delas falará sentado em sua casa e andando em seu caminho, estando deitado e de pé. Você também ás amarrará em sua mão como sinal, e elas serão como faixa entre seus olhos. Você as escreverá nos batentes de sua casa e nas portas da cidade. (DT 6,4 – 9). Quando Deus mostra seus preceitos, diante de um mundo que desde a gênese é um mundo bom, o fator responsabilidade se torna um chamado à plena realização tendo em vista que tudo que há no cosmos merece ser cuidado, como expressa Saint Exupéry: “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” e Deus sendo plenamente amoroso querem que coloquemos Seus preceitos em nossos corações para fazermos de nossas vivências “Oásis” onde o outro pode desfrutar e encontrar a Vida plena, somente diante do Outro que me olha nos olhos com a nudez do rosto é que poderemos exercer nosso amor e comprometimento com uma Causa Maior que revela o Infinito.

O mandamento bíblico: “não matarás” se baseia neste preceito, não podemos matar o outro porque não devemos negar seu rosto e sim nos responsabilizarmos com tudo que ocorre na vida. Levinas discorre sobre este preceito, sendo que não matar implica ser transformador de vida e de liberdade para o outro, este não é o Mesmo, sendo assim não devemos nos estender ao outro e sim perceber a condição do outro a qual não posso negá-lo, este transcende meus poderes por esta razão não é o Mesmo e sim Outro, plenamente Outro. Voltemos para a análise do filho na reflexão do filósofo, pois é este terceiro na relação que mostra um amor plenamente voltado para aquele que não é o pai e a mãe, mas estes devem aceitar que seu filho é um ser humano completamente diferente e que deve ser cuidado e merece todo respeito, pois o amar é poder perceber todo o caráter transcendental que o outro exerce sobre nossos julgamentos.

Diante destas análises éticas gostaríamos de fazermos um “panorama” percebendo os caracteres que norteiam a sociedade pós-moderna. Percebemos a violação ética ao se fazer tamanha reverência ao consumismo e ao capital, onde as relações se baseiam somente na base do lucro, onde tudo tem um potencial mercadológico, ao contrário do que vimos acima onde o outro tem um caráter transcendental, na atual relação social há uma “Coisificação” do ser humano onde segundo os dizeres do teólogo John Pawel: “Deus nos deu as coisas para usar e as pessoas para amar e não seu contrário, usar as pessoas e amar as coisas”. Mas o cotidiano revela este amor por tantas coisas que tentam preencher nossos vazios existenciais. O consumismo exacerbado reflete os valores, ou a falta deles na sociedade, parafraseando o filósofo Descartes “Consumo, logo existo”, e senão houver “enquadramento” dos padrões, acontece o lumpem, ou seja, um ente que não participa da sociedade.

O pensar ético de Levinas entra em conflito com este estilo social, pois nada pode rebaixar o ser humano, em linguagem metafísica (além do físico), como exemplo pode ver que uma estrela é muito maior em quantidade comparando-se com o homem, porém, este tem o valor qualitativo muito maior, pois ele pode questionar pelo sentido do universo e este aspecto faz dele um ente especial. A dignidade humana deve ser oque há de mais admirado e respeitado, o rosto do outro mostra esse caráter e o apelo transcendental que não pode ser produto. Um dos grandes pensadores no campo ético atual chamado Pawel Valedie diz que esta falta de valores, ou melhor, este “esconderijo” dos valores que estabelecem parâmetros para nossas vidas se encontra atrás de uma ideologia que mostra a felicidade unicamente na realização da lógica capitalista. As pessoas se sentem constrangidas ao responderem a questão “Oque farei com meu próximo”, como devo viver minha hospitalidade diante de tantos rostos que se sentem deixados de lado enquanto o olhar ávido de consumo nega o outro, mas não deixa o pseudo encanto pelos bens materiais fetichizados pelo ideal consumista.

Este aspecto gera uma indignação filosófica: “onde está o caráter transcendental do ser humano?”.

Diante de nossas reflexões podemos elaborar uma resposta a qual o apelo ético esta implícito no rosto do outro que revela sua transcendência, o ser humano não deve em hipótese alguma ser ridicularizado por nenhum evento ou ideologia totalizadora, pois o Infinito habita em seu âmago, assim como seu projeto é plenamente envolvido por vida e como salienta as palavras evangélicas: “vida em abundância”, assim finalizando nossa reflexão filosófica, queremos no nosso cotidiano olharmos para o próximo e “enxergarmos” o Infinito que no conclama a Irmos sempre além, procurando sempre o bem estar do Outro que nos convoca a vivermos ética e amorosamente nossa vida.

celofilosofo
Enviado por celofilosofo em 03/08/2008
Reeditado em 13/09/2020
Código do texto: T1111004
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