Crente desarmado

(Artigo publicado por ocasião do referendo do desarmamento)

Introdução. O Brasil convoca todos os seus eleitores para participarem do referendo a respeito da proibição de venda de armas no Brasil. No dia 23 de outubro de 2005, o eleitor deverá comparecer às urnas e responder à pergunta: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”. Para votar que NÃO deve ser proibido, deve-se teclar 1 na urna eletrônica; para se votar que SIM, que o comércio deve ser proibido, deve-se teclar 2.

O voto em nosso país é obrigatório para os eleitores maiores de 18 anos e menores de 70 e, facultativo para os analfabetos, para os maiores de 70 anos e para os jovens entre 16 e 18 anos. Nesse artigo, oferecemos alguns esclarecimentos especialmente voltados para o povo de Deus.

1. Participação do crente. De acordo com 1 Pe 2:13-17, todos os crentes devem participar dessa votação. “Sujeitai-vos, pois, a toda ordenação humana por amor do Senhor; quer ao rei, como superior; quer aos governadores, como por ele enviados... Porque assim é a vontade de Deus. Temei a Deus. Honrai ao rei”.

A participação do crente é compulsória; decorre de obediência a Deus. Participamos porque Ele deseja que, sendo livres, não ensejamos motivos para que falem de nós como desobedientes. Gl 5:1 - “Estai, pois, firmes na liberdade com que Cristo nos libertou e não torneis a meter-vos debaixo do jugo da servidão”. Rm 8:15 - “Porque não recebestes o espírito de escravidão, para, outra vez, estardes em temor, mas recebestes o espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai”. Não devemos dar motivos para que nos condenem de alguma forma. A pergunta chave para a nossa participação deve ser: há uma maneira de participar sem ferir os meus princípios espirituais? Se houver, devemos participar por esse meio. Somente na hipótese contrária de não haver um meio digno para o crente, é que devemos recorrer à prestação alternativa. No caso em questão, não votando,podemos optar por pagar a multa estabelecida pelo Estado. A esse respeito, temos um bom exemplo em Dn 6:4, 10-13. Naquela ocasião, havia um Decreto real determinando que, no espaço de 30 dias, todas as petições deveriam ser feitas somente ao rei, sob pena do infrator ser lançado na cova do leões. Isso atentava contra os princípios espirituais de Daniel e ele não cumpriu a ordem, temendo antes a Deus, ao qual fazia suas petições três vezes ao dia e entregando-se nas mãos dele, entendendo que se Ele quisesse livrá-lo, ele o livraria. Por causa disso ele foi lançado na cova do leões como mandava a lei e Deus o livrou porque antes de tudo lhe fora fiel. Mas, em tudo o mais, “os príncipes e os presidentes que procuravam achar ocasião contra Daniel a respeito do reino, não podiam achar ocasião de culpa alguma”.

Jesus também deu o exemplo na questão do tributo. Mandou que se desse a César o que é de César (Lc 20:25), ou seja, que se cumprisse a lei. Embora Mt 5:17 se refira à lei de Deus, o texto nos mostra que Jesus era um cumpridor da lei. E, em 1 Co 11:1 e Ef 5:1 somos orientados à imitação de Paulo, de Cristo e de Deus. Embasado nessas Escrituras, entendemos que o crente deve participar do referendo no dia 23 de outubro de 2005.

2. A favor ou contra a venda de armas. Nós estamos em um país democrático. Cada um deve decidir conforme a sua consciência. O crente pode ter uma arma. “Todas as coisas me são lícitas...” (1 Co 6:12, 23). Esaú tinha uma arma (Gn 27:40); Pedro também (Mt 26:52); e tantos outros. Mas devemos terminar de ler o versículo de 1 Co 6:12 e perguntarmos: é conveniente que eu tenha uma arma?

Nós gostamos muito de recitar o Salmo 91: “O que habita no esconderijo do Altíssimo e descansa à sombra do Onipotente...”. Esse salmo nos coloca no meio de situações complicadíssimas: entre flechas que voam para todo lado, gente morrendo à direita e à esquerda, pisando em cobras e na boca de leões. Mas em todas essas situações, não somos exortados a recorrermos às armas humanas, senão que apenas à confiança em Deus. Se confiarmos em Deus, não precisaremos de uma arma para nos defender, porque ele promete nos defender. Também Sl 127:1 – “Se o SENHOR não edificar a casa, em vão trabalham os que edificam; se o SENHOR não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela”. Ao revés, somos livres para tomarmos a nossa decisão. Nenhum irmão irá ser disciplinado da igreja porque possui uma arma de fogo legalizada. Estará em desobediência, no entanto, se a tiver de forma ilegal.

Por outro lado, ao tomarmos a nossa decisão, seja a favor, seja contra a venda de armas, no que estaria implícita a nossa disposição de um dia vir ou não a adquirir uma, devemos pensar nas reflexões que Paulo faz em Romanos 14. Ele diz estar certo “no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é de si mesma imunda, a não ser para aquele que a tem por imunda; para esse é imunda” (v. 14).Diz ainda: “É verdade que tudo é limpo” (v. 20). Repito: não há nada de errado no fato do crente ter uma arma e de usá-la para uma finalidade útil como para se defender, por exemplo. Todavia, para muitos crentes, o crente não precisa de uma arma. Se eles são fracos ou fortes porque pensam assim e nós somos fracos ou fortes porque pensamos o contrário, a orientação paulina é para que “sigamos as coisas que servem para a paz e para a edificação de uns para com os outros” (v. 19). Não devemos “fazer outras coisas” (v. 21) que possam fazer nosso irmão tropeçar. “Nós que somos fortes devemos suportar as fraquezas dos fracos e não agradar a nós mesmos” (Rm 15:1).

Conclusão. A conclusão deve ser a de Rm 14:13 – “Assim que não nos julguemos mais uns aos outros; antes, seja o vosso propósito não pôr tropeço ou escândalo ao irmão”.Se você é forte e entende que não precisa de uma arma, seja mais forte ainda e suporte o seu irmão que pensa o contrário. Se você é forte porque possui uma arma, suporte o seu irmão que prefere confiar apenas em Deus. Qualquer que seja a nossa decisão, respeitemos o nosso irmão. Em qualquer caso, sigamos “a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12:14).

A igreja não encabresta; a igreja orienta. E mesmo assim, quando alguém falar, sua fala deve ser julgada pelos demais antes de ser aceita (1 Co 14:29). Ninguém é orientado a seguir o pensamento dos outros cegamente, principalmente porque “cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus” (Rm 14:12). Além do mais, cada crente tem habitando em si, o Espírito Santo (1 Co 6:19) e Este é o verdadeiro guia que nos conduzirá à mais sábia decisão a ser tomada.

“Esta é a palavra do SENHOR a Zorobabel, dizendo: Não por força, nem por violência, mas pelo meu Espírito, diz o SENHOR dos Exércitos” (Zc 4:6). Temei vós mesmos a espada; porque o furor traz os castigos da espada, para saberdes que há um juízo (Jó 19:29). “Tomai também o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus” (Ef. 6:17). Que Deus nos ilumine!