Obituário

Eu acho que todo mundo deveria ter o direito de escolher as últimas palavras no dia da morte. Quando vejo aqueles discursos “de político” nos velórios (já fui em alguns), ou então, aquelas palavras melosas nos jornais que fazem até diabético enjoar de doce, eu fico pensando: Mas será que realmente era aquilo que a pessoa desejava? Ser lembrada com aquelas idéias? Será?

Será que no final da vida, todo mundo se torna igual? Todos nós éramos santos e não sabíamos? Todos fomos bons filhos, bons maridos, boas esposas, pais, mães, filhas, amigos; não tínhamos um vício; um pecado que devesse ser cobrado? Será que não teve um bom filho que na verdade queria ser lembrado como um bom filho-da-puta?

Fique claro que eu não quero dizer que tem algum cidadão que queira ser lembrado como um merda, mas ao menos, ter a escolha de dizer quem ele realmente foi por ele mesmo, com a sua própria visão. Falar sobre seus erros, caso tenha algum (quem não tiver é porque sempre esteve morto e só foi oficializado o dia), dizer sobre seus medos, acertos, quem deixou como amor de verdade, quem odiou e nunca perdoou. Sei lá. Que falem apenas o que ele realmente achou que deveria ser dito.

Sinceramente, eu não quero acreditar que no meu enterro, quando estiverem aquelas pessoas (nem sei quem são aquelas, porque não vou poder ver) chorando, outros, quem sabe, rindo por dentro (caso não forem com a minha cara), todos vão estar ouvindo tudo o que já foi dito pra outro . Por favor, temos que mudar isso. Fazer algo diferente. Deixem que tenhamos o poder de escolher sobre o que vão falar sobre nós. Pensar sobre nós. Nem que seja só por aquele momento. Um momento só, porque depois, sem querer, o tempo se encarrega de que sejamos esquecidos.

Se me respeitam ou fingem me respeitar em vida, que me respeitem ou finjam me respeitar em morte. Eu não sou caderno de adolescente ou foto de menina de quinze anos que qualquer um vai lá, escreve o que bem entender, assina e fica por isso mesmo. E na maioria das vezes, tudo falsidade.

Dois exemplos de obituário:

Dos que me amam

Bom filho, amigo, companheiro, fiel. Não tinha vícios nem inimigos. Convivia bem com todos. Uma pessoa maravilhosa. Inteligente, rapaz íntegro e reto. Familiares convidam para a missa lá na ponte do Galo, no dia 30 de fevereiro às 8h.

Dos que me odeiam

Um bosta, desprezível, frívolo, que não é boa coisa pra ninguém. Um grosseirão que já fez muitos chorarem, magoou outra porção. Veio do nada e foi para lugar nenhum. Felizes estamos e convidamos para o churrasco no mesmo dia, horário e lugar.

P.S. Entrada: um litro de cachaça, só porque ele não bebia. Pra contrariar bem o defunto.

A primeira nem tão verdade e a segunda nem tão mentira. Mas nem de um modo ou de outro, gostaria de ser lembrado. Uma por ser muito clichê e cansativa, a outra por pouca criatividade em me xingar. Quem o fizer, que faça melhor que eu rirei melhor.

Sou eu que assino quem eu sou. Sou eu que vou dar a última palavra. E no dia que meu prazo de validade expirar, lá vão estar estas palavras escritas por mim mesmo: “Por trás duma grande muralha, poucos conseguiram escalar até o outro lado só para ver a nascente d´agua que lá existia”.

Na verdade, não quero nada disso. Foi só um ensaio pra saber o que eu mesmo acharia. Mas pensem como seria bom ter na própria lápide:

“Tanto dos que me amam quanto dos que me odeiam, é senso comum: ‘Nem que tenha sido uma única vez, Ele me fez sorrir...’ “

Delano Almeida
Enviado por Delano Almeida em 01/09/2008
Código do texto: T1155903