Análise de A Prole do Corvo

A obra, objeto dessa resenha, A Prole do Corvo, foi publicada em 1978. A ação está situada, de um lado na Fazenda Santa Flora, onde vive a família do herói, Filhinho Paiva, e, de outro, nos campos de batalha, para onde ele vai. É sua trajetória que o narrador acompanha desde sua convocação para a tropa revolucionária, ao seu aprisionamento pelos soldados imperiais e posterior retorno à estância. Pela leitura é possível desenhar o perfil da guerra, a morte inútil, a falta de ideais, a opressão militar e a derrota inevitável. Os combates não são, portanto, o ambiente para os gestos heróicos, mas para a preservação da vida a qualquer preço. O valor mais alto é o da sobrevivência, e a luta que tenta promover o amadurecimento pessoal.

Sendo assim é importante a configuração psicológica de Filhinho. O apelido carinhoso assinala antecipadamente seu atrelamento e falta de maturidade, e sua amarração amorosa pela irmã apontando a atração edipiana, complementa um quadro de puerilidade. É convocado à revelia e enviado aos campos de batalha pelo pai que, não querendo perder mais cavalos, obriga-se a ceder o herdeiro às tropas de Bento Gonçalves. Sendo a vida militar a iniciação de Filhinho para a existência adulta, é igualmente o caminho para a derrota. A renúncia do abrigo maternal significa o contato com a realidade atribulada e a fatalidade. Em vista disso, sua aspiração é o retorno ao lar, o que consegue ao final, mergulhando nos braços da irmã.

A confrontação com o mundo não constitui um crescimento, o que releva a permanência da infantilidade de Filhinho. A guerra aparece na sua face cruel não apenas pelo sacrifício dos homens e propriedade a que enseja, mas porque não permite ao indivíduo qualquer tipo de elevação. É esta abordagem do envolvimento psíquico do herói que atribui a contemporaneidade ao texto, constatando as conseqüências de um processo histórico na esfera pessoal.

Trata-se de um romance histórico-ficcional que se desenvolve no último ano da Guerra dos Farrapos, analisando as várias confusões a que se implantam as personagens simultaneamente, onde todos são apresentados sem a arma da bravura, da raça guerreira, vivendo seu dia-a-dia em conflito, conforme suas próprias limitações.

Procede ao fato de uma interposição entre a obra ficcional de Assis Brasil e o contexto histórico oficial. Essa interposição, entretanto, se dá de maneira inversa, e a inversão se dá justamente no período em que a história oficial é caricaturizada pela parodização do texto-ficção em relação ao contexto histórico real.

Numa análise mais crítica, A prole do corvo , por meio da ficção, faz uma acusação satírica dos fatos inertes da história oficial, conferindo-lhes movimento e emoção. A leitura voltada para o indivíduo vê o romance como desnudamento da crueza da realidade.

Com relação ao narrador, a fábula é narrada em 3ª pessoa, sendo o narrador- onisciente. Percebe-se a apresentação clara desse na audição das palpitações dos personagens, ou como se o “eu” do narrador se mesclasse ao “eu” de “Filhinho”, protagonista.

A pluralidade dramática está simulada por uma cadeia de conflitos, enquanto os personagens têm seus diálogos intrinsecamente ligado ao conflito núcleo que é o fim da Guerra dos Farrapos, intervindo na vida de todos e têm sua história narrada pela relação entre os personagens e seus conflitos num modo desprovido sem fantasias, sem mitificação numa visão crítica da historiografia oficial.

A ambientação é natural e modelar, a ação passa-se em dois espaços: a estância Santa Flora, ambiente livre, aberto, meio rural, vida típica inserida no período histórico enfocado, quer dizer, o período colonial. O segundo espaço é formado pelo cenário dos acampamentos e das batalhas da Revolução Farroupilha, onde o personagem central, Filhinho, passa a entranhar-se no segundo momento da obra.

O tempo psicológico objeta-se ao cronológico por aparentar a experiência e não a natureza, vindo a ser a memória involuntária que se torna presente, entretanto a linguagem é regionalista, popular, recorrendo muitas vezes para a vulgaridade, abrangendo, desse modo, quase todos os tipos de diálogos, que passam a ser os elementos transmissivos de dramas e conflitos, demonstrando a finalidade de transformar, despir e conhecer.

A Revolução Farroupilha, no romance é enfocada como uma simples revolução, parecendo a um grande corvo que se nutre da carne decomposta de seus próprios filhos, os quais foram induzidos a uma batalha fratricida sob a caução de um idealismo incerto. As revoluções não se conformam com o sangue dos inimigos, porque geralmente terminam derrotando seus próprios filhos, a molde da eternamente comentada Revolução Francesa, que terminou levando seus líderes à decapitação.

No momento, na obra de Assis Brasil o personagem chamado Cássio, personifica o corvo, pela falta de sentimentos, princípios e enorme crueldade que o leva a assassinar o dono de uma casa comercial por motivo frívolo e ainda violentarem-lhe a mulher em avançado grau de gravidez.

A obra contribui na medida em que concebe a história com personagens mais humanos, sem relatos fatigantes, sem o tom de discurso e exaltação da história oficial, revelando os personagens sem a máscara do misticismo ideológico, quase sobre-humano, equipa o leitor com dados mais sólidos, mais tangíveis do nosso processo histórico colaborando ainda cultural e artisticamente por mostrar ficcionalmente uma época importante do nosso passado, com cores mais humanas, implantando os personagens e seus conflitos menores no centro do conflito maior e desvendando de forma aberta as influências daquela batalha bélica no dia-a-dia das pessoas e grupos sociais envolvidos na sua agitação ou nos seus arribardes.

Mestrando em Letras Adilson Barbosa
Enviado por Mestrando em Letras Adilson Barbosa em 20/09/2008
Reeditado em 21/09/2008
Código do texto: T1188173