MOVIMENTO ESTUDANTIL E EDUCAÇÃO DESCAPITALIZADA: Limites e possibilidades.

Introdução

Dado o avanço do capital em detrimento do elemento humano tornou-se vital para a própria sobrevivência da humanidade a tomada de posição. Somente uma ação radical em favor da universalização do trabalho e da educação pode se contrapor à fase tirânica e destrutiva do capitalismo (Mészáros).

Neste sentido, o movimento estudantil deve ser continuamente convocado a renovar-se na luta em favor da educação que construa o(a) homem/mulher novo(a) . A educação deve libertar todo ser humano das pré-noções, dos pré-conceitos, dos pré-julgamentos, dos esteriótipos que aprisionam a reflexão, a possibilidade do pensar, refletir e, por conseguinte do agir. Sem dúvida algo precisa ser feito antes que seja demasiado tarde.

Sem este posicionamento radical diuturno, contrário a tudo que fere a dignidade humana, o movimento estudantil perde sua ontologia, cai no vazio, no esquecimento, no nada faz sentido. Além disso, o não posicionamento implica no justificar e legitimar a situação de injustiça política, econômica, social imposta a toda América Latina desde a origem de sua colonização de expropriação e que reina soberanamente na atualidade (Saviani).

Este artigo é referendado a partir das leituras de Mariano Enguita Fernandez, Istvan Mészaáros, Demerval Saviani, Paulino J. Orso, entre outros... Sua finalidade é a de ser uma ferramenta a serviço da luta por uma educação que promova o ser humano em todas as suas dimensões.

Movimento estudantil e movimentos do capital.

Antes de qualquer coisa é importante que todos tenham consciência de que não existe democracia sem povo organizado e conscientizado. Sem esta, torna-se infrutífero o esforço de aumentar o nível de organização do povo. Educação e organização não se impõem se despertam. Deste modo, é de vital importância que o movimento estudantil postule uma boa descrição do contexto histórico no qual está inserido. Só assim, estará em condições de identificar os seus inimigos. Um integrante do movimento dos estudantes será um bom militante proporcionalmente a sua aproximação ou não dos livros. Segundo Paulo Freire, uma boa leitura de mundo é fundamental para uma boa compreensão das leituras e vice-versa. Sem uma boa leitura da realidade econômica, social e política, qualquer movimento pode nascer, mas sem condição alguma de sobrevive. A estratégia do capital é dividir os trabalhadores, os movimentos, os sindicatos e todos aqueles que possam vir a oferecer-lhe oposição.

Ao contrário do que afirma Paulo de Tarso Santos, nós não vivemos num clima de liberdade política. A liberdade é apenas formal e não de fato. Os grandes meios de comunicação, e não só eles, são manipulados por aqueles que servem o poder-dominação. Existem perseguições a todos que ousam dizer a verdade, por meio da denuncia das injustiças tendo em vista os interesses da sociedade coletiva. No entanto, concordo, com a afirmação do referido autor de eu devemos fortalecer a consciência democrática, mas esta ação só terá sentido se sair do nível da formalidade e adquirir efetividade concreto-material (SANTOS, 1984, p. 12).

Compreendo que o movimento dos estudantes deve estar situado, com clareza de seus objetivos e das dificuldades a serem enfrentadas. Para tanto, seu referêncial teórico deve ser o que mais possa lhe possibilitar a dissecação da cosmogonia social, econômica e política. Um autor que tem ajudado neste sentido é István Mészáros. Em sua obra sobre o Século XXl: Socialismo ou Barbárie?, Mészáros afirma que somos o tempo todo interpelados a decifrar a lógica do capital descrita como: ‘concentração de renda nas mãos de uns poucos, do lucro a qualquer custo onde o maior engole o menor’. Neste estudo, Mészáros faz aferições com toda argüição sobre os efeitos destrutivos do capital que se não for quebrado destruirá todo o planeta e seus habitantes.

Em outra de suas obras Mészáros se utiliza das categorias marxianas para demonstrar que o capitalismo se encontra na sua fase potencialmente destrutiva. Atualmente a crise do capital é estrutural e não mais apenas conjuntural. Isto representa que as soluções parciais que o mantiveram existente até o presente momento, além de não mais darem conta dos problemas deste “sistema fantasmagórico” eles já estão no fim. Dentro desta perspectiva é que devemos estudar o seu livro Educação para além do Capital. Intencionalmente, Mészáros, se utiliza do termo educação, pois, esta acontece deste o nascimento até a partida de uma pessoa deste mundo (MÉSZÁROS, . A educação não é prisioneira da escola, que por ser uma de tantas outras instituições, está “amarrada” aos interesses do Estado Capitalista. A escola é parte da sociedade e por isso influência e é influenciada por esta. Deste modo, para entendermos de escola, de educação precisamos sair dela e olhá-la de fora pra dentro. Sem dúvida alguma, esta tese também vale para o movimento estudantil, que somente terá condições de autocompreender-se em relação a tantos outros movimentos.

Algumas proposições assustam a burguesia, os políticos de plantão, as elites privilegiadas das quais podemos citar algumas, como por exemplo: união dos trabalhadores, sindicato, greve, redução da jornada de trabalho, exploração, luta de classe etc. Para os detentores do poder-dominação é fundamental que o conflito seja negado. Mais, que isso, é de extrema necessidade uniformizar a opinião pública, convencer o trabalhador a pensar capitalisticamente em favor dos donos do poder. Busca-se naturalizar o fato de uns terem muito e outros não terem nada. O capital procura diuturnamente, inculcar na alma dos trabalhadores a subserviência, o comodismo, o individualismo, o “quem pode mais chora menos”, a concorrência desleal. Para quem detém o poder é altamente bom que os trabalhadores briguem entre si. A fragmentação, a individualização dos fracassos enfraquece a classe trabalhadora diante do capital.

Muito poderia ser dito da correlação de força entre capital e trabalho, mas o fundamental é que para equilibrar esta luta todos os movimentos sociais entendam que devem se unir. Só a luta pode redimir a humanidade e se contrapor aos avanços do capitalismo selvagem. Esta luta precisa ser universalizada. Sem a correta identificação do inimigo a ser combatido o Movimento Estudantil corre o risco de perder-se ou diluir-se nas seduções do capitalismo, que promete vantagens para o trabalhador eficiente através da ideologia da meritocracia. É preciso que se afirme que a meritocracia descolada do contexto histórico-social não passa de uma falácia em função do “status quo”. Neste sentido o Movimento dos Estudantes deve estar vigilante as determinações do capital que incessantemente requer à cooptação de todos. Ricardo Antunes, cuja leitura é altamente recomendável a todo Movimento Estudantil, que deseje continuar a existir, mostra a precarização do trabalho e, por conseguinte da vida, dentro de um quadro pessimista na lógica capitalista. Segundo, Antunes a mudança deste quadro só pode se dar por meio da luta:

“Es um cuadro pesimista? Si, lo es. Pero em um contexto de crítica que implica muchas luchas sociales. Nosotros estamos viviendo uma etapa de cambio em lãs formas de lucha social. Por ejemplo, em América Latina se lucha contra la privatización del água – Equador, Bolívia, Peru -, contra la privatización del Petróleo – Venezuela-, contra la privatización del gás – Bolívia. Se lucha contra la destrucción de la naturaleza que los capitales globales efectúan en nuestra América y em otras partes del mundo. Hay huelgas em distintas partes del mundo, uma forma de lucha tradicional pero importante em su persistência. Hace unos dias, hubo una enorme huelga de los trabajadores del servicio de transporte público de Francia que pararon la circulación de todo el país, porque el gobierno de extrema derecha – derecha o extrema derecha, es uma cuestión de gustos – de SarKozy quiere destruir la previsión social de los trabajadores públicos. También hubo en 2005 uma huelga también importante em Francia en contra de la Ley del Primer Empleo, que unifico a los estudiantes que no aceptaban el contrato de primer empleo que era uma falácia precarizante, y a los trabajadores estables que percibian que los contratos de primer empleo, si pasaban a los estudiantes, después iban a llegar a ellos también, lo que significaba que em dos anos los empresários iban a poder despedir sin justa causa” (Antunes, 2007, p. 04).

Este quadro, apresentado por Ricardo Antunes, serve de provocação para qualquer Movimento Estudantil que deseje ser legítimo, na medida, que o faz repensar quais são as suas lutas, seus objetivos. Todo movimento preso a sua própria sombra fenece. Sua sobrevivência depende das suas finalidades construídas coletivamente. O Movimento Estudantil deve estar consciente que apesar de não vivermos mais num regime militar, onde o inimigo estava posto, hoje o monstro a ser enfrentado é muito maior. Segundo Ricardo Antunes (2007, p. 01), da empresa taylorista-fordista, passamos para a acumulação flexível, onde o trabalho passa a ser visto como um custo e deve diminuir, onde com o desenvolvimento da maquinaria técnico-científico-informacional e hoje digital tem promovido sérias conseqüências para toda sociedade. Sobretudo com a digitalização se fragmentou ainda mais a classe trabalhadora e dificultou imensamente a organização sindical. Uma coisa é organizar uma fábrica com dez mil trabalhadores, outra - e bem diversa desta - é organizar um sindicato numa empresa que tem vinte fábricas com cinqüenta, cem trabalhadores cada uma, espalhados geograficamente. Com a acumulação flexível, todos se tornam “colaboradores” e passam a vigiar-se entre si. Outras empresas vão além e chamam o empregado de “sócio”. Assim, mascara-se a vigilância, pois não precisa mais do “líder despótico”. Eis o que diz Ricardo Antunes:

“ La empresa crea uma situación muy compleja: es aparentemente menos despótica, aparentemente hay más libertad; por ejemplo: los comedores de los trabajadores son los mismos que los de los directores, cuando em el pasado estaban separados. No hay más divisiones. El hecho de que uno puede mirar al outro genera uma situación de aparente igualdad; pero, al mismo tiempo, al no haber divisiones, uno puede vigilar al outro, se ejerce um control más enmascarado, porque todos miran todos simultáneamente. Hay um proceso em el que, como lãs plantas son flexibles, lãs producciones son más flexibilizadas, el consumo no es el mismo tipo de consumo de masas de la época taylorista-fordista: lãs empresas producen aquello que la demanda requiere para evitar la hiperproducción y la incapacidade de vender los productos. Esto significa que la clase trabajadora debe estar compuesta por un núcleo pequeno y estable, el grupo que dispone del domínio técnico necesario para la empresa. Si la empresa va creciendo mucho toma los tercerizados y cuarterizados. Son aquellos que son contratados cuando los mercados se expanden y que son brutalmente reducidos cuando el mercado se reduce” (ANTUNES, 2007, p. 01)

Diante deste quadro, onde o trabalho encontra-se subjugado pelo capital e consequentemente com a precarização do trabalho temos a banalização da vida, como deve se posicionar o Movimento Estudantil? De que modo se contrapor aos movimentos do capital que avança imperioso? O movimento ludista destruiu as máquinas capitalistas e logo perceberam que isto não bastava. O que precisa ser quebrado é a lógica do capital, que se colocou acima dos seres humanos. Portanto, insisto na urgência do Movimento Estudantil, estar a estudar os seus inimigos. Sua luta não pode jamais ser isolada. Quem são os aliados e os possíveis aliados do Movimento Estudantil? Perguntas como desta natureza continuamente devem estar a nos inquietar. Como diz Rubens Alves: “as respostas nos fazem caminhar com segurança, porém, são as perguntas que nos fazem avançar”.

A luta do movimento estudantil

Ao nos defrontamos com o livro de José Luís Sanfelice, este nos apresenta as dificuldades do movimento estudantil em 1968 até o momento de sua desarticulação. Houve confrontos contra a repressão militar, vidas forma ceifadas. Estes enfrentamentos longe de serem meras especulações intelectuais, eram de ‘carne e osso’ (Marx), tiveram concretude histórica, como atesta Sanfelice:

“O movimento estudantil continuava nas ruas mais do que nunca, naquele ano de 1968. No mês de março ocorreu a morte do estudante Edson Luís Lima Souto, quando a polícia reprimia uma manifestação no Calabouço (Paz e Terra, abril de 1968: 282-7). Seguiram-se várias manifestações, em diversos pontos do país, que culminaram, em 1º de abril, no maior movimento de protesto contra o regime já conseguido até aquela época. Era o quarto aniversário do movimento de 64 e, na cidade do Rio de Janeiro, o choque de manifestantes com a Polícia Militar, auxiliada pelo DOPS, resultou em mais dois mortos: o estudante Jorge Aprígio de Paula e o escriturário Davi de Souza Neiva. Sessenta populares e 39 policiais ficaram feridos, 321 pessoas presas e a cidade praticamente ocupada por tropas federais. Em Goiânia, com um tiro de fuzil na cabeça, morreu o estudante Ivo Vieira” (SANFELICE, 1986, p. 145)

Sanfelice, apresenta o fortalecimento do aparato repressivo, frente ao saldo de muitos protestos em que se chegou ao final de 1968. Foram protestos contra o governo, contra a sua política econômica e principalmente, contra a repressão política. Este episódio levou o governo num ato de força, editar o Ato Institucional número 05, fechando Congresso Nacional, numa expressão máxima do autoritarismo implantado sobbre o país. Muitos atos institucionais seguiram-se a este, contudo, nos interessa é saber que a desarticulação do movimento ocorreu, segundo Sanfelice, por estar isolado organicamente:

“Com este esmagamento (resultante do Ato Institucional 05), o movimento estudantil, já bastante dividido desde o ano e os acontecimentos de 1968, com o desastre de Ibiúna, praticamente desarticulou-se. A UNE, a partir daí e até sua reorganização após dez anos, foi obrigada a se recolher à clandestinidade, enquanto amplos setores da sociedade civil silenciavam-se sob o medo e o desânimo. Os partidos políticos estavam enfraquecidos, os sindicatos sofriam intervenções e grande repressão”. (SANFELICE, 1986, p. 173)

O movimento estudantil é uma parte da sociedade e por sua vez só pode ser entendido dentro deste contexto mais amplo. Somente com o reconhecimento de que a escola, espaço onde ocorre o processo ensino-aprendizagem, é permeada pela luta, pelo conflito, que o movimento estudantil poderá se posicionar e traçar metas e objetivos para serem alcançados. Não fosse isso não careceríamos de um movimento estudantil forte e atuante. Portanto, é preciso que identifiquemos os inimigos, com quem devemos lutar, quem é que devemos combater, quando avançar e quando recuar. Para tanto, se faz necessário um retorno à história, com a finalidade de refletirmos sobre o surgimento da escola e os interesses que subjazem no processo de sua construção. A escola não nasce num passe de mágica, ela não esta descolada da sociedade. Reconhecer este fato é o primeiro passo para quem busca libertar a educação de todos os seus cerceamentos.

Segundo Enguita, em uma economia primitiva, os meios de produção são rudimentares e sua elaboração está ao alcance de qualquer um. É o homem quem põe os meios a seu serviço, e não o contrário. Os trabalhadores pré-industriais controlavam seu processo de trabalho (1989, p. 08). Ou seja, nesta forma de organização social as crianças aprendiam no mesmo tempo que faziam tudo o que era necessário para continuarem a produzir a própria vida. Não havia a divisão entre o fazer e o pensar, ou a dicotomia entre a teoria e prática. Deste, modo não havia a dominação do homem pelo homem . Pelo trabalho o homem vivia e fazia história.

A transformação no modo de organizar-se em vista da produção do existir, trouxe conseqüências também na forma de transmitirmos o conhecimento as gerações remanescentes. O aparecimento da sociedade industrial cindiu os indivíduos entre si e entre o trabalho. De um lado temos o ócio, tempo de desfrute e da entrega às inclinações pessoais e de outro o trabalho tido como uma carga, um esforço, uma fonte de desprazer. Deste modo, o tempo de trabalho deve ficar livre de toda interferência externa. Trabalho e não-trabalho passam a ser duas categorias diferentes e estanques a serviço dos interesses capitalistas. Na medida em que na luta entre capital e trabalho, temos a transformação deste último numa mercadoria, com conseqüência para a educação, para o movimento estudantil, para a sociedade e todo gênero humano. Com propriedade Enguita “descortina os véus” que nos impedem de ver a educação dentro de um contexto de dominação de uma classe sobre outra. A alienação do trabalhador profetizada por Marx, tem raízes históricas e tem levado o trabalho a ser refém de si mesmo. Nas palavras de Enguita:

A maioria dos trabalhadores não controla hoje a duração nem a intensidade de seu trabalho. O trabalhador assalariado deve submeter-se aos ritmos impostos pela maquinaria, aos fluxos planificados de produção e às normas de rendimento estabelecidas pela direção (ENGUITA, 1989, p. 09).

Além disso, quanto mais o trabalhador trabalha mais ele contribui para a acumulação de capital; tornar assim a sociedade mais desigual. Evidentemente, ninguém contrata ninguém para trabalhar se não ver na pessoa contratada uma possibilidade de ganho. Marx, elaborou o conceito de mais-valia, que dito de outro modo dizemos aqui que se trata do lucro do patrão baseado na força de trabalho alheia. Deste modo vemos repetidamente, a comemoração de algumas empresas por estarem crescendo e aumentando os empregos. Isto só ocorre, por que quem administra sabe expropriar o trabalhador de tal forma que este ainda lhe é grato na maioria das vezes.

Enquanto realidades deste gênero estiverem a se contrapor ao elemento humano, o pensamento marxismo sempre estará vivo e atuante, pois é ferramenta indispensável para afastar as “nuvens negras” que trabalham para impedir que os trabalhadores, as pessoas que lutam por um mundo mais justo, e os estudantes (aqui em particular) de verem o que de fato acontece e porque é assim e não de outro modo. Antonio Candido, ao escrever sobre os direitos humanos e literatura, faz uma boa descrição da caoticidade em que se encontra a sociedade. O autor revela sua visão de mundo, onde as contradições se fazem sentir e aumentam diuturnamente. Escreve ele suas observações:

Em comparação a eras passadas chegamos a um máximo de racionalidade técnica e de domínio sobre a natureza. Isso permite imaginar a possibilidade de resolver grande número de problemas materiais do homem, quem sabe inclusive o da alimentação. No entanto, a irracionalidade do comportamento é também máxima, servida frequentemente pelos mesmos meios que deveriam realizar os desígnios da racionalidade (CANDIDO, 1989, p. 107).

Segundo Antonio Candido, devemos ter uma postura otimista, pois, hoje ninguém defende que a pobreza é “vontade de Deus”. A luta dos direitos humanos aumentou e nos aproximou de um estágio melhor. Agora a imagem da injustiça social constrange e faz com que políticos de plantão (ou não) entendam que é suicídio político se declarar conservador. Apesar da barbárie crescer, não se vê o elogio, como se todos soubessem que ela é algo a ser oculto e não proclamado(CANDIDO, 1989, p. 108). Sem dúvida, esta visão de mundo deste autor não é a única tese explicativa para os males produzidos pelo sistema capitalista serem encobertos e seria muito mais abrangente se tivesse como pressupostos referenciais teóricos marxistas. É preciso que se afirme sempre que a verdade deve ser falseada por ser altamente revolucionária . Deste modo é ingenuidade pensar que vivemos em uma sociedade democrática com direito de expressão. O tempo numa rádio, televisão ou espaço no jornal custa dinheiro. Quem banca os meios de comunicação se não são os donos do poder. O poder só serve a si mesmo e deste modo, quem tem o poder sobre o que deve ou não ser veiculado na mídia, pouco ou nada se preocupa com os que morrem por inanição. Porém, o aumento da pobreza representa um perigo. O aumento da barbárie os amedronta. Assim, entendemos que não há motivo para otimismos dado que quem domina não abre mão de explorar e tirar vantagens na fraqueza de quem só tem a força de trabalho para oferecer. O direito tão elogiado por muitos autores é formal e uma discussão mais séria sobre o que é melhor: a existência de direitos formais ou a falta dos mesmos de forma declarada? Sim, porque de acordo com as leituras de Evaldo Vieira, a construção de direitos formais são justificadores da sociedade democrática, onde quem governa para os poderosos faz com a aprovação de toda nação. Deste modo o Estado Capitalista governa a favor dos privilegiados com o aval dos marginalizados. Estes são limitados a aceitarem direitos formais, pois, não é novidade para ninguém que para fazer valer direitos é preciso ter dinheiro. Assim, educação, saúde, segurança .... Se queres com qualidade deves pagar.

Perguntas como estas devem sempre incomodar o Movimento Estudantil: 1. o que fazer para quebrar com a “lógica do capital” e em que o movimento estudantil pode contribuir? Hoje, mais do que nunca isto só será possível se os alunos saíram de suas salas de aula “incomodados”. A luta deve ser travada por uma educação que liberada da “instituição escolar” possa construir valores que edifiquem o ser humano emancipado. A luta política deve vir acompanhada pela universalização da conscientização de que a contraposição ao capital é uma questão de sobrevivência para a humanidade. Uma coisa é você viver numa sociedade de mercadoria, inserido nela e afirmando-a. Outra forma de posicionar-se é você entendê-la e sempre que possível negá-la. Somente com a compreensão de seus limites será possível a produção de atitudes que possam se contrapor a hegemonia do capital destrutivo.

Tornou-se imperioso saber que o capital tomou conta da vida. Para este sistema uma educação que vai mal é a que dá certo. Alunos desinteressados, desmotivados, que não estudam, alienados são os que melhores servem os privilegiados do sistema. Não interessa para os líderes que as pessoas se desenvolvam, pois isto levaria, sem dúvida alguma, a deposição de muitos(as) homens/mulheres de seus cargos avantajados. Assim, a luta da UNE, deve ser antes de tudo, a luta por uma escola pública, gratuita e universal. A escola burocratizada tem promovido a exclusão e preparado o aluno para aceitar os seus futuros infortúnios, sem levar em consideração a realidade social que empurra muitos alunos para a marginalidade. A democratização da sociedade passa pela democratização do conhecimento. Infelizmente, a escola não esta dando conta de fazer o seu específico, a saber: trabalhar o conhecimento na perspectiva da emancipação humana. Tempos atrás um professor, relatou o seguinte:

Tenho aula numa escola de periferia, dos setenta alunos matriculados no início do ano letivo restaram em torno de uns dez a doze. Sei que alguns gazeiam, mas a verdade é que a grande maioria se matricula e vai atrás do que mais lhe angustia: a luta pela sobrevivência, que passa pelo trabalho.

Com este relato é que podemos compreender as palavras de Mészáros de que não basta lutarmos para universalizar a educação, é preciso universalizarmos também o trabalho. A transformação da sociedade é prática, não pode ser só idéia. Deste modo, muitos são os alunos que na busca pela sobrevivência estão distanciando-se da escola. Outros continuam na escola, porém, é visível que o cansaço da jornada de trabalho lhes roubam as melhores energias.

Deste modo, é preciso que se reafirme, a grande luta dos estudantes deve ser por uma educação que produza a negação da sociedade do “Status Quo”. Se deixarmos o sistema amputar nossa capacidade reflexiva cairemos todos no plano do salve-se quem puder ou do chora menos quem pode mais. A lógica do capital terá vencido a batalha se servindo de todos dispostos ou não a morrer pelo sistema capitalista. Neste sentido, é preciso que estejamos sempre atentos nos objetivos com quais objetivos a educação foi criada? Para tanto é altamente recomendável o trabalho de Paulino J. Orso, sobre “A Criação da Universidade e o Projeto Burguês de Educação no Brasil”, onde ele apresenta a necessidade de estarmos a retornar na história afim de estarmos a compreender o que sucede na atualidade:

Ao discutir e debater sobre a Reforma Universitária proposta pelo Governo Lula, para fugir um pouco das análises pontuais e circunstanciais, antes disso, acredito que seja de fundamental importância voltarmos à história e verificarmos quando e como surgiu a universidade brasileira, qual foram seus principais idealizadores, com que finalidade foi criada. Assim, entenderemos que a reforma que está sendo proposta na atualidade para a universidade brasileira, ou seja, mais de oitenta anos depois de sua criação, ao contrário do que muitos esperavam, ainda que mude um pouco a forma, não rompe substancialmente com os princípios e fins pelos quais ela foi idealizada e criada. Vamos à história (ORSO, 2007, p. 43).

Portanto, o tempo histórico do regime militar no Brasil já se foi. Muitas vidas foram sangradas e o inimigo era facilmente identificável. Atualmente, conforme a reflexão exposta, percebemos que o capital avança com o discurso de uma vida boa para todos, com a idéia do desenvolvimento sustentável, e cada dia mais ganha terreno. Algumas crises tiram um pouco de seu “brilho”, mas não conseguem apagar a sua chama que a todos nós vem consumindo diuturnamente. Deste modo o Movimento Estudantil deve batalhar por uma sociedade emancipada e por uma educação emacipada. Pois, tanto só é possível com a existência da outra. Nas palavras de Paulino J. Orso ao trabalhar “As possilidades e os limites da educação”, afirmou:

é preciso lutar pela educação. Mas não podemos esquecer que o tipo de educação corresponde a um determinado modo de organização da sociedade. Portanto, lutar por outro tipo de educação exige a luta pela superação da sociedade em que vivemos. Uma vez que a educação é a forma como a sociedade prepara os indivíduos para viverem nela mesma, só com outro tipo de sociedade, sem classes, é possível termos outro tipo de educação e outro tipo de relação social (ORSO, 2007, p. 08).

Indubitavelmente, muitas são as razões pelas quais o Movimento Estudantil deva estar na luta. O alimento é de uma sociedade onde a vida seja para todos. Esta é uma tarefa que ele não pode jamais abdicar com prejuízos para toda a humanidade. Ao trabalhar os desafios postos à educação pela sociedade atual, dada a luta de classes, Demerval Saviani, assevera:

De fato, a classe dominante não tem interesse na transformação histórica da escola. Ao contrário, estando ela empenhada na preservação de seu domínio, apenas acionará mecanismos de adaptação que evitem a transformação (SAVIANI, 2007, p. 18).

Portanto, onde quer que esteja o movimento estudantil deverá ter sempre presente que a meta da sociedade visa emancipar o ser humano somente a nível formal. Na prática o que temos é uma sociedade capitalista que exclui. Deste modo leituras de Paulo Freire sempre virão somar na busca da compreensão, do porque termos esta sociedade excludente e fechada desde o tempo da nossa colonização (se referindo especificamente à brasileira neste caso). Só é visto e tem voz e vez nesta sociedade quem tem dinheiro. Ela esta fechada para o analfabeto, para o desempregado. As portas do comércio, da cidade até estão abertas, mas quem não tem poder aquisitivo é visto com desprezo e um estorvo que precisa ser evitado.

Referência bibliográfica:

CANDIDO, Antônio: In: Fester, A.C. Ribeiro (org.) Direitos humanos e literatura. São Paulo: Brasiliense, 1989.

FERNÁNDEZ ENGUITA, Mariano: A face oculta da escola: educação e trabalho no capitalismo; tradução Tomaz Tadeu da Silva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

MÉSZÁROS, Istán: Marx, nosso contemporâneo, e o seu conceito de globalização. In coletivo Socialismo e Liberdade. PSOL. 2006, p. 1-11.

________________: A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005. (http://resistir.info/meszaros/meszaros_educacao.html)

________________: O poder da ideologia; tradução Paulo Cezar Castanheira. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.

________________: O Século XXI: Socialismo ou barbárie. Tradução de Paulo Cezar Castanheira. 1ª Ed, São Paulo, SP: Boitempo Editorial, 2003, (Cap. 2: A fase potencialmente fatal do imperialismo, p. 33- 80).

ORSO, Paulino J.: Educação de classes e reformas universitárias/Paulino José Orso... (et al); Paulino Orso, (org.). Outros autores: Demerval Saviani, João dos Reis Silva Júnior, Paolo Nosella. Campinas – SP: Autores Associados, 2007.

SANFELICE, José Luís: Movimento Estudantil: a UNE na resistência ao golpe de 64. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1986.

SANTOS, Paulo de Tarso: 1926 – 1964 e outros anos: depoimentos prestados a Oswaldo Coimbra. São Paulo: Cortez, 1984.

SAVIANI, Demerval: Educação de classes e reformas universitárias/ Paulino José Orso (org.). Outros autores: João dos Reis Silva Júnior, Paolo Nosella. Campinas – SP: Autores Associados, 2007.