A LEITURA, O PROFESSOR E A SOCIEDADE DE CLASSES

A Leitura, o Professor e a Sociedade de Classes.

A leitura e a literatura.

Ler é muito mais que decifrar palavras, é interpretação. O ato de ler vai além da escrita. Pela mesma pessoa um fato pode ser interpretado de modo diverso. Objetos sem importância podem passar a ter valor. Jamais olhamos para o mesmo objeto da mesma forma. Assim, de repente objetos estranhos podem adquirir significado para nós. Pessoas “desconhecidas” podem passar a ocupar um lugar de destaque em nossas vidas. Ou seja, quando a leitura se liga a nossa experiência deixamos de “simplesmente passar os olhos”. Segundo Maria Helena Martins, quanto mais algo afeta a nossa experiência mais faz sentido para nós. Martins cita Paulo Freire para reforçar suas idéias: “A leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele” (MARTINS, 1994, p. 10).

Nesta perspectiva Martins, ao buscar determinar como e quando começamos a ler irá afirmar que desde o berço passamos a ler o que é bom ou ruim para nós: um grito nos assusta, mas a canção de ninar embala nosso sono. Apesar de solitário o aprender a ler se desenvolve na convivência com os outros e o mundo. Aprendemos a ler lendo (MARTINS, 1994, p. 12). A leitura é apresentada como descoberta de um universo mágico, maravilhoso e desconhecido. Entretanto, bem se sabe que o conhecimento da língua não é suficiente para se efetivar é necessário o intercambio de seu mundo pessoal e o universo social e cultural circundante. Deste modo se as condições de vida são precárias, o ânimo para a leitura diminui:

Quando, desde cedo, vêem-se carentes de convívio humano ou com relações sociais restritas, quando suas condições de sobrevivência material e cultural são precárias, refreando também suas expectativas, as pessoas tendem a ter sua aptidão para ler igualmente constrangida. Não que sejam incapazes (salvo pessoas com graves distúrbios de caráter patológico). A questão aí está mais ligada às condições de vida, a nível pessoal e social (MARTINS, 1994, p. 18)

É de total relevância saber que a leitura é ponte para outros entendimentos. Ler é pensar com a cabeça dos outros diz o filósofo (Schopenhauer). Porém, a preocupação com o imediato (sobreviver) é o que mais conta para as pessoas. Embora saber ler e escrever poder vir a ser a libertação dos dominados, muitos preferem não ler pois isto os provoca por demais. Esquecer também é uma forma de se defender, mas esta atitude vai de encontro com os interesses das minorias dominantes. Quando escreve educação como prática da liberdade, Paulo Freire chama a nossa atenção para o longo caminho que ainda temos que percorrer, neste sentido. A leitura faz a interação entre o leitor e seu mundo interno com o mundo social e cultural externo. Ou seja, faz pouco mais de cem anos que saímos de uma sociedade escravocrata (13/05/1888). Estamos a “gatinhar” na conquista de nossa democracia, de nossos direitos, de nossa liberdade.

Segundo, Martins (p. 22), a leitura é muito mais que a descrição da escrita, ela nos capacita ao convívio social. Integração na sociedade dos senhores dos homens livres. Saber ler e escrever não é algo dado naturalmente, é um privilégio na antiguidade reservado á pouquíssimas pessoas. Os detentores deste saber eram aqueles que mandavam, faziam parte da elite. Portanto, hoje ninguém deve buscar aprender somente por aprender (pedagogia do sacrifício). Mais, do que isso é preciso aprender e entender o porquê e para que se apreende. Ler é inteirar-se do mundo é conquistar autonomia. Dito de outro modo é “deixar de ler pelos olhos de outrem”.

O que se ensina na escola dever ter relação com a vida. Os professores devem constantemente repensar a sua função diante da educação. A leitura não pode se prender somente aos livros. A noção de leitura deve valorizar cada experiência humana. Esta leitura amplia horizontes ao leitor e o capacita para posicionar-se criticamente, pois, aponta novas possibilidades. Ou seja, a cultura esta ligada a leitura e ambas devem ser compreendidas. Assim, se historicamente a cultura letrada é dos dominantes então é dever dos professores a transmissão deste saber as “classes subalternas” . É preciso ousar questionar o que foi estratificado pelos séculos: o domínio do ler e escrever pertence a classe elitizada. Nas palavras de Martins (1994, p. 31): “Daí ser preciso não só revelar a insatisfação quanto aos limites de noções estratificadas pelos séculos, mas também ousar questioná-las, aventando alternativas”.

O domínio escrito é um instrumento de poder. Aprender a escrever e ler é aprender a ler o mundo e isto o fazemos sem sermos ensinados. A leitura é uma experiência individual. O bom leitor é aquele que compreende os sinais. É impossível a compreensão sem a decodificação. O texto só adquire sentido quando leva em conta a situação do seu leitor, pois, a leitura só se realiza com o diálogo do leitor com o texto. Deste modo, ao invés de ler para si mesmo o professor deve ler com os alunos. A leitura deve ser usufruída por todos e não só pelos letrados. Para Martins, o professor é aquele que sabe algo e como indivíduo letrado se propõe a ensinar:

Se o papel do educador, pareceu aqui em evidência, ele foi trazido à baila para ser colocado em seu devido lugar e compreendido não necessaiamente como o do especialista em educação ou do professor, mas como o de um indivíduo letrado que sabe algo e se propõe a ensiná-lo a alguém, isto é, um mediador de leituras. Importa muito se ter bem presente a idéia de que isso de ler, e ler bem, depende muito de nós mesmos, das nossas condições reais de existência, mais do que podem (ou querem) nos fazer crer os “sabedores das coisas” (MARTINS, 1994, p. 35).

Segundo, Ligia Cademartori (1996, p. 11) “os altos índices de analfabetismo têm-se contituído em sério impedimento para que o Brasil ingresse em uma efetiva fase de desenvolvimento”. Têm-se aqui a idéia de uma educação para o desenvolvimento. Assim, busca-se identificar o fracasso do Mobral com a repressão e o endurecimento do regime militar (1964). Temos intelectuais que deixam o país e se tornam “malabaristas” para dizer o que não podia ser dito. Neste período as vagas do Ensino Superior são aumentadas, porém, sem aumentar a qualidade. Nas palavras de Ligia Cademartori: “O crescimento não era qualitativo, massificava-se a educação superior sem democratizá-la. A partir de 1969, simplifica-se o vestibular. Nunca foi tão fácil ser universitário” (CADEMARTORI, 1986, p. 12). Falta preocupação com a educação apesar de vivermos o milagre econômico no período de 1963 á 1973. O negócio da venda do livro aumenta de modo recíproco com a evasão escolar. Segundo Cademartori, o incentivo da leitura foi a estratégia adotada para reverter este quadro:

Mudou-se, então, a estratégia; a atenção, o cuidado e a esperança voltaram-se para o ensino básico, reconhecido como decisivo para a educação. E a ação pedagógica, junto à criança, voltou a privilegiar o livro como elemento imprescindível ao crescimento intelectual e à afirmação cultural. Surgem programas culturais de promoção da leitura, tanto de iniciativa privada quanto de iniciativa do Estado (CADEMARTORI, 1986, p. 14).

Cademartori (1986, p. 17) reconhece que o livro é um objeto do mercado. Logo, é cerceado ou incentivado sob interesses do sistema capitalista. Em países “não desenvolvidos” a distribuição de livros é grátis. Mas qual o conteúdo destes livros? “Domesticar” o trabalhador? O adulto com a literatura infantil molda a criança a seus interesses: prepara-a para inserir-se na sociedade que ele historicamente construiu. Outro enfoque diz respeito á banalização das obras literárias promovida pelo mercado. Ou seja, em países onde a sobrevivência é a preocupação fundamental compra-se o mais barato. Nas palavras de Cademartori: “A escola é lugar de consagração do ‘status quo’ , sua vocação é acentuadamente conservadora, pois incumbe-se de garantir a permanência do que já está estabelecido” (1986, p. 19). Portanto, entra em contradição com textos genuinamente literários, pois estes desenvolvem o senso crítico. Quem lê muito desenvolve seu senso crítico. Quem lê, escreve melhor, se emancipa das prescrições da escola e da família. Porém, a própria Cademartori alerta para o fato da escola não ter sido instituída, ou movida com a preocupação de formar leitores críticos. De qualquer modo, para Cademartori, é o hábito da leitura, da literatura infantil ou não, que dará possibilidades ao leitor para superar os limites das experiências já adquiridas e isto é altamente revolucionário (1986, p. 20).

Frantz, por sua vez, acredita na educação transformadora e humanizante que passa pela leitura, seu objetivo maior. A leitura faz com que o leitor se reconheça e se descubra na observação de outras vidas, de outras realidades. E atribui á literatura seu pilar fundamental (FRANTZ, 2001, p. 33). Segundo Frantz, quanto melhor o texto literário, menores as suas delimitações de faixa etária. A literatura não é transmissão de ensinamentos morais, não pode ser interpretada como livros paradidáticos. Outro equívoco que se precisa evitar é o de tratar a criança como um ser deficiente e que precisa ser introduzido no mundo adulto. A solução apresentada por Frantz, é relacionar a literatura com o mundo da criança, onde o ludismo, o jogo, a fantasia, a beleza e as emoções se fazem sempre presentes. Logo,

A brincadeira, o gogo, a fantasia, são formas utilizadas pela criança para explorar, conhecer e explicar o mundo. Com o auxílio da fantasia, da imaginação ela penetra mundos os mais desconhecidos e distantes em busca de respostas para suas inúmeras indagações. Por tudo isso, acreditamos, nenhum outro texto pode realizar essa tarefa melhor do que a literatura dirigida para as crianças, uma vez que nela esses aspectos são igualmente considerados essenciais (FRANTZ, 2001, p. 37).

Concordamos com Frantz, uma vez que também entendemos que o que se apreende, a arte de conhecer deva ser uma atitude prazeirosa, por mais cansativa que possa ser. Se o que estudamos tem relação com a vida e viver é maravilhoso, então, todo estudo deve nos fazer bem, pois nos introduz em mundos desconhecidos e distantes em busca de respostas para as mais diversas indagações.

A leitura, a literatura e o professor.

O texto literário necessita do professor proficiente, na medida em que é muito diferente que um texto informativo. O texto literário é “policênico”, oferece muitas possibilidades de interpretação. Trás nas entrelinhas várias significações. Por isso, o professor deve mostrar isto para os alunos. O aluno deve conviver com a maior variedade possível de textos. Mas é o texto literário que envolve o leitor por inteiro. O professor deve contribuir para que o aluno aprofunde a leitura do mundo por meio da leitura da palavra. Ao citar Paulo Freire, Frantz, recorda que nossas experiências no Brasil foram da falta de liberdade, de uma sociedade fechada. Uma história assim prejudica uma boa visão de mundo tendo em vista sua transformação. Assim, o professor deve ter clareza que é a partir da leitura da palavra que podemos ampliar e aprofundar a nossa leitura de mundo.

Por outro lado, aprendemos também que a partir da leitura da palavra podemos ampliar e apronfundar a leitura de mundo. É essa dialética entre palavra e mundo que deve nos preocupar enquanto educadores. Dentro dessa perspectiva a leitura assume um papel relevante à medida que pode se tornar a principal intermediária entre o leitor e o mundo (FRANTZ, 2001, p. 23).

Contudo, a interpretação do aluno não deve estar atrelada á interpretação de mundo do professor. Se o professor não lê pode ser que o aluno atinja uma interpretação melhor. Se é que podemos dizer que existem interpretações melhores ou piores. O trabalhador docente deve romper com a postura tradicional onde o professor é colocado como o detentor da verdade e adotar uma postura interacionista, onde na interação com os alunos é que construirá sua metodologia de trabalho. Assim, o que busca se romper é a idéia com conseqüências práticas de que o professor sabe tudo e os alunos nada. Mas, outras lutas devem ser travadas concomitantemente que é a superação da cisão entre teoria e prática, que passa pela superação do capital.

Nesta tarefa a literatura pode ser uma poderosa ferramenta para a luta na direção da emancipação dos seres humanos. Conforme Aguiar (1993, p. 14) a literatura participa no âmbito da cultura, mas conserva a sua autonomia. Ela, porém, não precisa apontar para o objeto real que é signo. A literatura cria um mundo paralelo, faz as pessoas sonharem. O texto literário rompe com a realidade concreta e histórica. É auto-suficiente. A estrutura da obra literária permite que o leitor se encontre e imagine a sua própria história. O leitor se reconstrói a partir da linguagem. A literatura leva o leitor a participar da construção dessas informações, tornando-o sujeito de sua própria história e partícipe da história da humanidade. Por isso nunca é demais reforçar, que o texto literário é plurissignificativo e o professor jamais deve querer impor a sua visão de mundo como sendo a única:

A riqueza polissêmica da literatura é um campo de plena liberdade para o leitor, o que não ocorre em outros textos. Daí provém o próprio prazer da leitura, uma vez que ela mobiliza mais intensa e inteiramente a consciência do leitor, sem obrigá-lo a manter-se nas amarras do cotidiano. Paradoxalmente, por apresentar um mundo esquemático e pouco determinado, a obra literária acaba por fornecer ao leitor um universo muito mais carregado de informações, porque o leva a participar ativamente da construção dessas, com isso forçando-o a reexaminar a sua própria visão da realidade concreta (AGUIAR, 1993, p. 15).

O professor comprometido com a educação preocupa-se em introduzir o hábito da leitura no aluno, pois, é isto que vai garantir a continuidade para além da sala de aula. Para Aguiar (1993, p. 18), este hábito não deve apenas um padrão rotineiro de respostas, automaticamente provocado e realizado. Este hábito se liga a busca freqüente da literatura a uma atitude consciente de quem se dispõem a enfrentar o desafio que o texto oferece como nova alternativa existencial. O primeiro passo que o professor deve dar é ofertar livros que estejam próximos á realidade do aluno. Afinal, o interesse vem de uma necessidade do indivíduo que busca conhecer. Porém, uma leitura deve ir além da satisfação das necessidades de um indivíduo ou de um determinado grupo (AGUIAR, 1993, p. 22). Portanto, o professor deve sustentar seu trabalho em objetivos mais ambiciosos que vão além da satisfação imediata do público. E assim, oferecerá ao aluno a possibilidade de passar da leitura de textos simples para textos mais complexos. E neste sentido, pode-se perceber que o estudo da literatura transforma-se num pacto entre professor e aluno (AGUIAR, 1993, p. 25).

O maior obstáculo para o professor esta em ele ter um amplo conhecimento de acervos literários para crianças, jovens e adultos. O professor deve ser antes ele mesmo um leitor. Este é um pré-requisito para a leitura do aluno. Só assim, o professor poderá ter condições de estabelecer os limites do seu campo de trabalho e libertar-se da consciência de que o ensino da literatura é algo inocente. Na compreensão de Aguiar:

O professor, egresso de um curso de Letras ou de Magistério, nem sempre faz idéia de que sua tarefa de ensino de literatura não é inocente, mas vem direta ou indiretamente impregnada de noções que acabam por funcionarem como critérios para a crítica e a avaliação das obras, bem como para a organização dos processos de leitura e interpretação ao nível do aluno (AGUIAR, 1993, p. 29).

Porém, segundo Mészáros, a maior dificuldade consiste na superação da lógica incorrigível do capital e o seu impacto sobre a educação. A escola majoritariamente expressa a sociedade que esta em vigor. No limite, o capitalismo e sua lógica do lucro, não são quebrados. Permanece a estrutura injusta da exploração que continua. As determinações fundamentais do capitalismo são irreformáveis. Baseado na concorrência o lucro é buscado a qualquer custo. Os interesses de classe se sobrepõem aos coletivos. Via de regra a regra não é alterada, é o que afirma Mészáros:

As mudanças sob tais limitações conjecturais e apriorísticas são admissíveis apenas com o único e legítimo objetivo de corrigir algum detalhe defeituoso da ordem estabelecida, de forma a manter-se intactas, em conformidade com as exigências inalteráveis de um sistema reprodutirvo na sua totalidade lógico. É-se autorizado a ajustar as formas através das quais uma multiplicidade de interesses particulares conflitantes se devem conformar com a regra geral, pré-estabelecida da reprodução societária, mas nunca se pode alterar a própria regra geral (MÉSZÁROS, 2005, P. 02).

Deste modo, a leitura, a literatura, a práxis docente deve contribuir na construção de uma contra ideologia. O valor atual esta colocado pela lógica do capital e isto precisa ser superado. O rompimento da lógica do capital deve ir pra além da formalidade discursiva, pois, esta facilmente é desconstruída se não tiver materialidade. Ou seja, é preciso que todos saibam que a lógica do capital é incorrigível e que por isso jamais irá favorecer uma educação emancipadora. Esta só pode ser fruto do coletivo dos professores que transformados passam a construir o “novo mundo” . Portanto, a verdadeira educação passa pelo rompimento da lógica capitalista. Munir os alunos com o domínio da leitura e da escrita é condição de possibilidade para que isto venha ocorrer. É com este objetivo que procuramos demonstrar a ligação que o domínio da escrita teve historicamente com os detentores do poder econômico, político e cultural.

A leitura, a escrita e as lutas de classes.

Segundo Aguiar, através das trocas lingüísticas o indivíduo conhece a si e o mundo que o cerca. Ao citar Barthes, Aguiar chama a atenção para o fato de que “o mundo dos significados não é outro senão o da linguagem” (AGUIAR, 1993, p.09). A linguagem se liga a convivência social, sendo que a linguagem verbal é a mais utilizada. Através do acesso dos mais variados textos, a socialização do indivíduo se faz, para além dos contatos pessoais.

Contudo, numa sociedade desigual, classista, o documento escrito levou vantagem sobre a memória coletiva. O domínio da arte de ler e escrever se restringiu historicamente as classes detentoras do poder econômico e político. Segundo Aguiar, a sociedade se dividiu entre: cultos/incultos, alfabetizados/analfabetos, dominadores/dominados. O domínio da escrita sempre se prestou a um forte instrumento para a dominação social. Exemplo disso, é o pós Revolução Francesa(1789) onde a classe trabalhadora é excluída desse projeto de promoção cultural, proposto pela burguesia emergente. Segundo Aguiar com a escola pública, aumenta a discriminação para quem não domina os signos escritos (AGUIAR, 1993, p. 10).

Nesta linha de raciocínio, Aguiar argumenta que antes de operar a discriminação entre alfabetos e não alfabetizados – com a instituição da escola pública – quem não tinha acesso ás letras podia conquistar conhecimentos pela via da oralidade e desta forma não eram socialmente discriminados, uma vez que a escrita era de domínio de poucas pessoas. Esta realidade modificou-se com a desvalorização de todas as outras leituras em função do código escrito.

Determina ainda um conceito de texto limitado à língua escrita, embora se possa entender o mesmo como todo e qualquer objeto cultural, seja verbal ou não, em que está implícito o exercício de um código social para organizar sentidos, através de alguma substância física. Portanto, cinema, televisão, vestuário, esportes, cozinhas, modo, artesanato, jornais, falas, literatura partilham da qualidade de textos (AGUIAR, 1993, p. 11).

O livro é um instrumento da classe dominante. Quem possui o poder econômico busca dominar culturalmente, politicamente. Não basta que valores sejam transmitidos via meios de comunicação social. É necessário que no espaço acadêmico a ideologia dominante seja transmitida, neste espaço ela terá o “selo” da cientificidade. Ter cultura é ter poder. Porém, cultura é muito mais que o imposto por uma determinada camada social. Ao partir do pressuposto de um conceito amplo de cultura, pode-se afirmar que existem culturas diferentes, mas jamais culturas melhores ou piores. Conforme, Aguiar (1993, p. 12), nenhuma cultura pode e deve ser desprezada: nem a escrita e nem as orais.

Assim, entendemos o papel do professor é lutar pela democratização do conhecimento socialmente produzido pelos seres humanos. A classe operária somente poderá se emancipar se tiver a possibilidade de ter acesso à cultura letrada, as mesmas “armas”. Caso contrário, o que pode acontecer é o trocar simplesmente a posição de quem domina com quem era dominado e em vez de construirmos uma sociedade melhor para todos corremos o risco de piorarmos ainda mais as coisas. A revolução não é obra de uma única pessoa. Ela só pode ser fruto da conscientização, do coletivo que decide que a vida humana não pode mais ser uma mercadoria em função do capital. Aguiar constata que a escola tem sido ineficaz na condução das classes subalternas a apropriação da cultura letrada dominante:

É sintomático que, exatamente nessa tarefa, a nossa escola tenha se mostrado tão ineficaz, deixando transparecer, mesmo a contragosto, seu caráter de aparelho ideológico do Estado burguês. Tanto a ausência de escolaridade quanto a evasão precoce que hoje ainda se observam a níveis preocupantes se devem ao modo de ser do sistema de organização escolar, programado para atender apenas as necessidade das classes média e alta (AGUIAR, 1993, p. 12).

Os não letrados, os analfabetos são a prova cabal de que a escola pública esta organizada para legitimar as situações de injustiças: foi dado oportunidade, os alunos que não quiseram aprender. Deste modo, se focaliza a responsabilidade do fracasso no próprio aluno. Os estudos de Aguiar, neste sentido, reforçam a idéia de que a escola que não funciona para o sistema capitalista vigente é a que dá certo. Alfabetizada, a classe trabalhadora torna-se também produtora de novos textos e não só consumidora. Mas, uma escola pública, gratuita e de qualidade não estaria em contradição com o sistema capitalista? (SAVIANI).

Segundo Aguiar, facilmente se entende a falta de interesse da classe trabalhadora pela leitura na medida em que a luta pela sobrevivência se constitui numa preocupação mais urgente, além do fato dos livros, na maioria das vezes, nada terem a ver com a realidade imediata em que vive o aluno filho de trabalhadores. Entretanto, como explicar quando o problema do não gosto pela leitura atinge a outros escalões da sociedade? Após, tentar demonstrar que a leitura é uma atividade intelectual que não proporciona acumulação de capital e de que o trabalho intelectual só é reconhecido quando reforça aparatos de dominação, Aguiar, conclui:

Por isso, o leitor de classes elevadas, mesmo imbuído da importância da leitura nos bancos escolares, acaba por abandoná-la gradativamente, à medida que, em sua vida cotidiana, volta-se para atividades que promovem ganhos (AGUIAR, 1993, P. 13).

Contudo, a educação não é um bloco monolítico, por isso pode permitir experiências diferentes. Mas, se a base material é o determinante na influência exercida sobre a educação, então, a luta deve ser para além da escola. Segundo Orso, a educação no geral incentiva à concorrência o individualismo. E, numa sociedade baseada na exploração do homem pelo homem, cabe o questionar: “porque se preocupar em alfabetizar e educar milhões de seres humanos que não sabem ler e escrever?”(2008, p. 52). Pois, como foi se afirmou anteriormente nossa sociedade é gráfica, isto é, baseada na escrita. Isto leva a pessoa a sair do “estado vegetativo” e conquistar um mínimo de autonomia, ainda que isto seja insuficiente para torná-la livre.

BIBLIOGRAFIA.

AGUIAR, Vera Teixeira de. Literatura: a formação do leitor: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.

CADEMARTORI, Ligia. O que é a literatura infantil. São Paulo: Brasiliense, 1986.

FRANTZ, Maria Helena. O ensino da literatura nas séries iniciais. Ijuí: Editora Unijuí, 2001.

MARTINS, Maria Helena. O que é Leitura. São Paulo – SP: Brasiliense, 1994. (Coleção Primeiros Passos).

MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005. ( http://resistir.info/meszaros/meszaros_educacao.html ).

ORSO, Paulino J. A educação na sociedade de classes: possibilidades e limites. In: Educação e Lutas de Classes/ Paulino José Orso, Sebastião Rodrigues Gonçalves, Valci Maria Mattos (Organizadores). São Paulo: Expressão Popular, 2008.

SILVA, João Carlos da. Educação e utopia no Renascimento. Cascavel: EDUNIOESTE, 2003.

SolguaraSol
Enviado por SolguaraSol em 09/10/2008
Código do texto: T1219545