AS CINCO PROVAS DA EXISTÊNCIA DE DEUS

São Tomás de Aquino, eminente filósofo da Idade Média, tentou, através, de cinco vias provar racionalmente a existência de Deus. Kant, mesmo acreditando, já nos disse que a existência de Deus não pode ser sustentado racionalmente. Podemos apenas crer nele, mas não podemos de modo algum saber se ele existe realmente. Irei numerar aos argumentos de Tomás de Aquino e logo em seguida mostrar suas inconsistências. Trata-se de um conjunto de argumentos “a posteriori”, sendo a maioria baseados na filosofia de Aristóteles.

1ª Prova – A do Motor Imóvel: diz que “se aquilo pelo qual é movido por sua vez se move, é preciso que também ele seja movido por outra coisa e esta por outra. Mas não é possível continuar ao infinito; do contrário, não haveria primeiro motor e nem mesmo os outros motores moveriam como, por exemplo, o bastão não move se não é movido pela mão. Portanto, é preciso chegar a um primeiro motor que não seja movido por nenhum outro, e por este todos entendem Deus”.

Comentário - Este argumento de Tomás de Aquino se baseia numa explicação para o movimento dos corpos que foi superada pela mecânica clássica. Segundo essa explicação, o movimento se baseia nos conceitos aristotélicos de Ato e Potência. Assim, todas as coisas se moviam ou mudavam (Tomás de Aquino, assim como Aristóteles, entendia "movimento" como qualquer mudança que ocorra, inclusive na aparência) porque "almejavam" a perfeição absoluta do primeiro motor imóvel, que por sua vez causava movimentos sem, no entanto, se mover, assim como a beleza de uma flor causa em nós atração sem, no entanto, mover-se de maneira alguma. Acontece que, como já foi dito, é possível explicar o movimento e as mudanças sem fazer menção a Ato e Potência, apenas utilizando as leis de Newton. Isso torna os conceitos de Ato e Potência coisas totalmente desnecessárias. As coisas não se movem porque "querem" chegar à perfeição de Deus (que é Ato em si mesmo), mas em decorrência de forças que as movimenta e da entropia que as modifica.

2ª Prova – A da Causa Primeira: Neste argumento, Tomás nos mostra que tudo no mundo possui uma causa eficiente, uma razão de ser como de fato é. Nada é causa de si mesma, pois a causa sempre vem antes do efeito, sendo assim, algo que fosse sua própria causa deveria existir antes dela mesma, o que é um absurdo. Ele nos diz também que não podemos estender a cadeia de causas e efeitos até o infinito, tendo que chegar a uma causa primeira, que não teve causa e é a causa de todas as outras coisas. Essa causa é Deus.

Comentário - Neste argumento, Tomás de Aquino descarta totalmente a possibilidade de existir uma cadeia infinita de causas e efeito sem boas razões para isso. Sustenta ele que se não houvesse uma causa primeira, não haveria uma causa última e, consequentemente, não haveriam causas intermediárias. No entanto, que razão temos para crer que existem causas últimas e, com efeito, causas intermediárias? Ele já parte do pré-suposto de que existam causas últimas. Além do mais, mesmo que houvesse uma causa primeira, não foi logicamente demonstrado que esta causa é Deus ou que devam haver causas últimas. Esta conclusão teria que ser sustentada por outra premissas.

3ª Prova – Do Ser Necessário: Este argumento nos fala que os entes (coisas) são contingentes, ou seja, que podem existir ou deixar de existir. Tudo que existe no mundo houve um tempo em que não existiu e haverá um tempo em que não existirá mais. Sendo assim, houve um tempo em que nada existiu. Mas se isso fosse verdade, ainda hoje nada existiria, pois “ex nihil nihilo fit” (do nada, nada provém). É preciso admitir que existe um ser que é necessário, isto é, que sempre existiu, e que através dele todos os outros seres vieram a existir. Este ser não pode não ter existido em determinado tempo e nunca deixará de existir. Este ser é Deus.

Comentário - Immanuel Kant disse que este argumento era apenas um argumento ontológico disfarçado. Isso porque não faz sentido dizer que um ser é necessário ou que um ser é contingente. Necessidade e contingência são propriedades de proposições, e não de objetos. Talvez Tomás de Aquino quisesse dizer não que Deus é um ser necessário, mas que a proposição "Deus existe" é uma proposição necessária. Bem, mas isto é obviamente falso. Se ela fosse necessária, seria impossível que ela fosse falsa, como é a proposição "Todo triângulo tem três lados". Portanto, a proposição "Deus existe" não é necessária, pois não é contraditória dizer "Deus não existe".

4ª Prova – A dos Graus do Ser: Este argumento nos diz que em todas as coisas do mundo existe um grau de perfeição, de bondade, de ser... As coisas do mundo são mais perfeitas, boas, belas que outras. Sendo assim, deve haver algum ser que contém esses atributos ao infinito e seria a causa desta mesma perfeição, bondade, beleza... nos outros seres. Este ser é Deus.

Comentário - Este argumento tem uma inspiração platônica por considerar que tais propriedades são propriedades dos objetos, e não dos sujeitos (ou uma relação entre eles). Este é o grande defeito dele. Quando dizemos que uma coisa é boa, a qualidade de ser bom não está nas coisas, mas em mim, no sujeito. Por isso dizemos que é subjetiva (que está no sujeito), não objetiva (que está no objeto). Portanto, não faz sentido dizer que algum ser é infinitamente bom, sendo que esta propriedade não está nas coisas, mas apenas na mente do sujeito que as apreende.

5ª Prova – A da Inteligência Ordenadora: “O quinto caminho deriva do governo do mundo. Nós podemos ver que as coisas que carecem de conhecimento, como os corpos naturais, agem em função de um fim. Isso é evidente pelo fato de que sempre ou quase sempre agem do mesmo modo, de forma a obter os melhores resultados. Portanto, está claro que não alcançam o seu fim por acaso, mas por intenção. Ora, tudo aquilo que não tem conhecimento não pode se mover em direção a um fim, a menos que seja dirigido por algum ente dotado de inteligência e conhecimento, como a flecha é dirigida pelo arqueiro. Por isso existe algum ser inteligente que dirige todas as coisas para o seu fim. E este ser nós chamamos Deus”

Comentário – Este argumento parte de outro conceito aristotélico: o de causa final. Para Aristóteles, a causa eficiente é o que produz alguma coisa, enquanto a causa final é, como o nome já diz, a finalidade, isto é, o “para que”, o objetivo pelo qual uma coisa é produzida ou criada. Quando se trata de ações e realizações humanas, é muito fácil ver qual a causa final: se fazemos um pão, a causa final deste pão é matar a fome. Também é fácil ver que por trás da causa final existe uma intencionalidade, neste caso, a intenção de matar a fome. Não pode existir intenção sem que exista uma consciência inteligente e que tenha uma certa “dose” de conhecimento. O que Tomás de Aquino argumenta aqui é as coisas do mundo tem causas finais, como a chuva que cai para alimentar as plantas ou o Sol que brilha para iluminar a Terra (exemplos meus), e como seria absurdo pensar em causas finais sem intencionalidade, então deve existir alguma mente inteligente por trás das causas finais do mundo. Como os próprios objetos do mundo não podem dar a si mesmos estas finalidades, então algum outro ente as deu a eles, e este ente seria Deus.

O problema do argumento é que o conceito aristotélico de causa final é muito controverso e difícil de se sustentar. Por isso mesmo ele foi há muito tempo retirado das ciências naturais. Ainda na Idade Média, Guilherme de Ockham questionou a utilidade científica de tal conceito, pois não é nada claro que existam causas finais no mundo natural, embora seja bem claro que exista para nós, seres humanos. As causas finais, na verdade, não esclarecem nada sobre o funcionamento da natureza, ao contrário, atrapalham ao criar conceitos que poderiam ser descartados sem nenhum problema para uma compreensão maior do mundo. Assim, é muito obvio que os seres humanos agem por causas finais em praticamente todas as suas ações, desde levantar-se da cama, alimentar-se, trabalhar e dormir, a estudar, filosofar e escrever. Praticamente tudo que fazemos tem uma finalidade, isto é, uma causa final, mas no mundo das coisas inanimadas isso não parece ser tão obvio. É muito questionável que o Sol exista para iluminar a Terra ou que a chuva caia para alimentar as plantas. Parece justamente o contrário: Não é a chuva que existe por causa das plantas, mas as plantas que existem porque existe a chuva. A causa final aplicada à natureza parece inverter os papéis.

A quinta via de Tomás de Aquino repousa sobre uma noção que até parece intuitiva, mas que provavelmente é falsa, que é a noção de que tudo tem uma finalidade. Que finalidade em si mesma teria, por exemplo, uma pedra ou um porco? Se procurarmos uma finalidade para tais coisas, cairemos no irrisório pensamento do pseudo-filósofo Pangloss, do romance “Cândido” de Voltaire, que dizia que “As pedras foram feitas para serem talhadas e edificar castelos, e por isso Monsenhor tem um lindo castelo” e “os porcos foram feitos para serem comidos”. Em outras palavras, crer que existem causas finais nas coisa do mundo é um tanto quanto infantil, além de já ter em si mesma a pré-suposição de que existe uma inteligência por trás de tudo, o que leva o argumento a uma circularidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Por fim, gostaria de informar algo que parece ser desconhecido tanto por ateus quanto por teístas: as cinco vias de São Tomás de Aquino NÃO SÃO PROVAS DA EXISTÊNCIA DE DEUS, e isso quem diz é o próprio Tomás de Aquino. No segundo parágrafo do capítulo nove da “Súmula Contra os Gentios”, Aquino diz que seus argumentos “não se deve visar como finalidade convencer o adversário mediante a argumentação, mas sim dar solução às objeções que ele alega contra a verdade”, ou seja, seus argumentos só servem para vencer debates, não convencem ninguém. Adiante ele informa como se faz para convencer alguém da existência de Deus: “Esta maneira peculiar de convencer aqueles que se opõem às verdades de fé é haurida das Escrituras Sagradas, confirmadas divinamente por milagres”. A fé só deriva das Escrituras e dos “milagres”, nunca de argumentos, como o próprio filósofo admite. Ele completa dizendo: “No intuito, porém, de aclarar esta verdade, pode-se invocar certos argumentos de probabilidade, nos quais a fé dos que já são cristãos pode encontrar tranqüilidade, embora, em relação aos adversários, tais argumentos não se destinem por natureza a convencer”. Ou seja: esses argumentos só servem para dar tranquilidade para os que já são cristão, mas não foram feitos para convencer ninguém (e deve ser exatamente por isso que eles nunca convenceram mesmo). No mesmo parágrafo, ele chama seus próprios argumentos de “razões tão pobres”.

Assim, quando alguém lhes apresentar as cinco vias de Tomás de Aquino como provas legítimas da existência de Deus, mostrem-lhe que nem mesmo Aquino considerava que esses argumentos poderiam provar ou até mesmo convencer alguém da existência de Deus. Ele sabia muito bem que não se pode acreditar em Deus pela razão e seus argumentos são apenas estratagemas retóricos para vencer os adversários, como o próprio admite. Embora sejam, em certa medida, fortes argumentos, ninguém jamais passou a crer em Deus se baseando neles, pois os pré-requisitos da fé são outros. Isso, porém, não faz de Tomás de Aquino um charlatão, mas sim um sábio, habilidoso e honesto defensor da fé cristã. Charlatão são aqueles que usam os argumentos de Tomás de Aquino como provas da existência de Deus, quando o mesmo não as considerava como tal.

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 11/10/2008
Reeditado em 10/11/2012
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