BLOCO 24: O último Trabalho escolar

“O Príncipe do Gueto”

Drama, tensão, medo e pavor. Foram 100 horas de pura expectativa e suspense, o que ia acontecer ninguém podia prever. Tudo começou no dia 13 de outubro de 2008 quando por volta das 13 horas e 30 minutos, um grupo de estudantes: Eloá, Nayara e mais dois adolescentes se encontravam reunidos no 3º andar de um apartamento do bloco 24 da CHU. Era segunda-feira, tudo parecia estar calmo. A jovem Eloá estava sorridente e feliz, eles haviam combinado de aquele encontro para elaborar um trabalho de Geografia: seria aquele o último trabalho escolar para Eloá.

O bloco 24 ficou interditado, as famílias que chegavam do serviço não compreendiam o que estava acontecendo, todos tiveram que ficar do lado de fora dos seus apartamentos, ninguém podia entrar para descansar naquela tarde. Uma nuvem negra parecia pairar sobre a cidade de Santo André naquele dia. Todos inconformados querendo saber por que não puderam entrar naquela segunda-feira negra, então veio uma notícia: Eloá, Nayara e dois adolescentes estão presos sob a mira de um calibre 32 no 3º do prédio. Eloá era o alvo principal, pois havia terminado o namoro com Lindemberg. Ele tinha 19 anos quando começou a namorar a garota que tinha apenas 12 anos. Hoje, aos 22 anos de idade e ela com 15, Lindemberg vai ao apartamento e faz Eloá de refém, mais Nayara e os dois adolecentes.

O bloco 24 ficou interditado e as famílias moradoras do não podiam entrar. Eloá, a amiga e os dois jovens foram pegos de surpresa. Do lado de fora uma pequena multidão acompanhava atentamente as negociações, 13 horas depois, o seqüestrador libertou os dois primeiros reféns (os adolecentes), e na terça-feira, 33 horas de depois, libertou Nayara. Eloá ficou por conta da boa vontade de Lindemberg.

A história e o Perfil de Lindemberg: o que a avó, dona Francisca, contou ao Diário de Cuiabá?

Segundo a avó, Lindemberg, filho de família pobre, aos dois anos de idade comia rapadura e farinha. Aos 12 anos, sua mãe e seu pai se mudaram para São Paulo. Como todo nordestino, ele remonta uma história comum a muitas famílias, que fugindo da miséria, resolvem tentar a sorte em São Paulo.

O caso de Lindemberg não é o primeiro e nem o único, mas mais um entre os milhares que acontecem nas grandes cidades. Culpado ou inocente? A preocupação aqui não é essa, porque, não se trata de culpado, mas de culpados. A sociedade capitalista não ensina ninguém que a perda, a derrota e os lutos fazem parte do jogo. No grande tabuleiro da vida, uns já nascem derrotados sem mesmo saber, outros pousam de bem-nascidos, mas não passam de abutres exploradores que lapidam suas riquezas, dão lustres em seus anéis e se perfumam com o sangue dos outros. A sociedade estruturada sob as bases e ideologia capitalista determina como será a educação dos nossos filhos, desde a residência até a escola, isto é, do berço a adolescência e até à fase adulta recebe-se um tipo de formação da qual derrotados e vencedores são frutos. Durante todo o processo de formação, o que a gente aprende? O que nos ensinaram: pais, religião, professores e a sociedade? O que a mídia burguesa: TV, revistas e jornais priorizam em suas publicações? A TV coloca a vitrine dentro de casa, faz uma propaganda antipatriótica, principalmente quando divulga alguma reportagem mostrando brasileiros bem-sucedidos nos EUA e outros países. O Brasilian Day mostrou um brasileiro feliz nos EUA, enquanto mostram os brasileiros felizes, descem a lenha em Cuba quando mostram alguns poucos cubanos fugindo da Ilha. Fugir do Brasil não tem problema, de Cuba sim! Hipócritas capitalistas. Porcos imundos! As revistas e jornais ocupam boa parte do espaço com propagandas. A idéia de sucesso está em consumir. O cidadão teleguiado, alienado, além de um consumidor em potencial, torna-se também aquele que quer ter sucesso em tudo e acima de tudo. Podemos olhar para Lindemberg como fruto desse contexto desumanizador e selvagem. Um garoto que na infância passou por privações, mas que cresceu acreditando que iria ver seus sonhos materialistas realizados, inclusive o de TER uma esposa chamada Eloá. Observe que o verbo TER passou a seu conjugado na primeira, segunda e terceira pessoa (EU, TU, ELE), mas quando chega no “NÓS”, ai o “EU” é quem prevalece. Assim vamos tomando posse das coisas e das pessoas. Sempre nos referimos assim aos mais próximos de nós: “meu marido”, “minha mulher”, “minha mina”, “minha namorada”, “meu amigo”, ‘meu filho” etc. As pessoas e as coisas se misturam, viram objetos e os trabalhadores viram mercadorias. O que se faz com uma laranja podre? O que se faz com um produto vencido? O que se faz com um objeto que não nos serve mais? Óbvio: joga-se no lixo. Com pessoas é diferente, no entanto o capitalismo transforma pessoas em coisas e objetos, trabalhadores em produtos, e as crianças vão sendo coisificadas desde o berço para crescerem como Lindemberg, pronto para tomar posse da namorada, pronto para descarregar sua frustração no primeiro que aparecer a sua frente. O capitalismo cria monstros, bandidos e mocinhos e ao monstrualizar os homens, demoniza aquele que não lhe interessa e passa para os “civilizados” que aderiram de corpo e alma ao sitema a visão equivocada de “Bem e Mal”, assim, quem é do “mal” e quem é do “bem”? Lógico, quem se rebela de alguma maneira passa a ser demônio e quem se acomoda ao sistema passa a ser visto como “anjo”. Padre Cícero em Recife é santo milagreiro, e se falar mal dele, a pechera come no bucho do peão, o cabra perde a buchada todinha, já Antônio Conselheiro, líder da Revolta de Canudos é descrito como CORNO, CHIFRUDO, menos como um cidadão que lutou com dignidade. O mesmo estereótipo os escritores fazem de LAMPIÃO. O inglês Éric Hobsbawer, defensor do capitalismo fala do cangaço como “banditismo social”, no entanto, essa é uma visão típica de um capitalista que escreve para demonizar que luta contra as injustiças. Para o povo pobre e sofredor nordestino, Lampião não é bandido, mas herói cantado nos versos de poesias e cordéis.

“Nesse sentido, percebe-se a influência da propaganda na sociedade, pois, sendo uma sociedade capitalista baseada numa economia de mercado, a produção de mercadorias é uma constante, mas o momento principal desse processo é a venda, pois é nessa ocasião que a mais–valia extraída do trabalhador se concretiza, e a propaganda assume um caráter essencial nesse processo, pois age persuadindo as pessoas à consumir mercadorias.

A propaganda ideológica tem a função de formar a maior parte das idéias e convicções dos indivíduos, orientando todo o seu comportamento social. As mensagens apresentam uma visão da realidade, que é usada para manter a estrutura da sociedade, ou transformá-la, dependendo de quem a utiliza, se é a classe dominante ou a classe trabalhadora.

Chauí (1984, p.92-3) salienta que “a ideologia é o processo pelo qual as idéias da classe dominante se tornam idéias de todas as classes sociais, se tornam idéias dominantes”. (Marcos Antônio Silvestre Gomes – Artigo: PROPAGANDA E IDEOLOGIA NO ESPAÇO GEOGRÁFICO E O PAPEL DO EDUCADOR)

Lindemberg irá responder por 5 crimes: homicídio duplamente qualificado, duas tentativas de homicídio, cárcere privado e periclitação de vida, mas veja, ele é fruto sim deste sistema que molda as nossas cabeças e molda a educação escolar e familiar para atender os anseios de lucro de uma minoria bem-sucedida. Como condenar Lindemberg sem condenar a sociedade? Como condenar Lindemberg sem condenar o sistema educacional capitalista? De que formação familiar ele vem? Qual estrutura psíquica, biológica, econômica e cultural desse jovem? Não tem como abominar o ato sem abominar as causas, e são muitas. O que representa uma Cohab? O que representa um CDHU? Ora, uma favela organizada, um gueto semelhante ao que Hítler construiu para excluir os judeus da sociedade branca. É por isso que Lindemberg, sem saber grita: “Eu sou o príncipe do gueto”! O gueto representa todos os excluídos do sistema, e muitos em condições subumanas. A polícia só pensa em prender, o sistema diz: mata! De outro lado, Lindemberg não quer se entregar, pois nunca passou por uma cadeia, então, a saída seria oferecer-lhe uma garantia de internação para tratamento, talvez esse argumento nem chegou a ser utilizado pelo negociador, tudo que se ouvia é: entregue-se e tudo acabará bem! Quando a polícia se cansou, ela invadiu de forma desastrosa o apartamento e Eloá, acabou levando um tiro fatal na cabeça, Nayara foi atingida na boca, mas sobreviveu. Foi o último trabalho escolar que Eloá tentaria elaborar com seus amigos. Vamos humanizar mais os nossos jovens. Vamos humanizar mais as pessoas. Vamos dar mais atençaão as nossas crianças. Vamos criticar mais o sistema capitalista ao invés de elogiá-lo. Vamos repensar esse modelo econômico em que vivemos e no qual está organizada a família, a educação e toda cultura brasileira. Não adianta ficar criticando FIDEL CASTRO e exibindo o orgulho capitalista como se esse sistema fosse o único e o melhor para se viver. Repensemos a convivência entre o LUXO e o LIXO e vejamos se vale a pena manter essa ideologia esdrúxula onde miséria e riqueza convivem num mesmo espaço, alfavilles e alfavelas fazem parte de uma mesma paisagem. Quem hoje exibe com orgulho e ostenta o luxo capitalista não deve se assustar diante da mira de um revólver, porque isso será conseqüência de uma visão gananciosa que o capitalismo implantou na mente das pessoas. Ás vezes penso nas madames que colocam um diamante no pescoço sem ao menos questionar de onde ele veio, que o explorou e como chegou ao mercado; igualmente uma bolsa de couro legítimo, o açúcar que adoça as nossas manhãs. Tudo isso tem um preço que com certeza só alguns poucos pagam, até com a vida para manter os podres poderes que exibem suas marcas e logotipos de um sistema padronizador. O “Príncipe do Gueto” está por toda parte: nas cadeias, nas esquinas, nas Cohabs, nas CDHUs, nas escolas, nos bairros da periferia, nas praças e nas favelas. Do lado de cada cidadão sempre terá um “Príncipe do Gueto”!

Cuidado... O próximo pode ser quem você menos imagina: Você!