PRIMEIROS CONTATOS ENTRE NATIVOS E EUROPEUS – SÉCULO XVI

Os marujos de Cabral quando do seu desembarque em Porto Seguro se depararam com homens “pardos nus, sem coisa alguma que lhes cobrissem suas vergonhas” (Pero Vaz de Caminha, Carta a D. Manuel, o Venturoso). Evidentemente não eram negros, indianos também não pareciam ser. Ainda assim, ficou-lhes até hoje o nome de índios. Os primeiros povos com os quais o português entrou em contato foram os Tupiniquins que pertenciam à família lingüística Tupi-Guarani

Os primeiros colonizadores surpreenderam e provocaram as migrações dos Tupis-guaranis, (povo que apesar de viverem em grande mobilidade espacial eram agricultores), dificultando muito a sua localização precisa. Viviam numa faixa estreita ao longo da costa, de São Paulo até o Pará. Eram recém-chegados à costa de onde haviam expulsado as tribos inimigas para o sertão. Aqueles que viviam na costa eram conhecidos por Tupinambá e se dividiam em grupos locais, ao longo de toda a costa brasileira, com diferentes denominações. Os Tupis-guaranis foi o povo que mais influência exerceu na formação da sociedade brasileira.

As causas de dispersão dos Tupis presenciada e documentada pelos portugueses foram: fuga à escravidão; a necessidade de se locomoverem em busca de novas terras para o cultivo; e por fim, a busca da legendária pela “terra sem males”, ou do “paraíso terrestre”, onde as plantas crescem por si, há fartura para todos, todos são felizes, ninguém sofre e os homens são eternos. No meio desses indivíduos encontrados na América percebe-se que a busca do paraíso e da vida eterna esteve presente desde sempre no imaginário dos homens, não importando a raça, a crença, a origem ou o tempo histórico em que viviam.

Os Tupis que viviam no Rio Grande do Norte (ou melhor, no território compreendido entre RN, PA e CE) eram os Portiguar ou Petinguara, que significa “comedores de camarão”, donde vem a denominação de potiguar para todo aquele que nasce no Rio Grande do Norte. Os índios tinham uma sociedade bastante estruturada, até economicamente, tendo em vista o fato de serem horticultores e produzirem excedentes. Esse fato confirma a vida sedentária ou parcialmente sedentária desses povos do primeiro contato.

Os portugueses encontraram em nosso litoral além dos tupis-guaranis outros grupos indígenas que pertenciam à família jê e a alguns outros grupos isolados, denominados pelos tupis de “tapuias”. Quando os europeus chegaram ao Brasil ainda encontraram grupos “tapuias” vivendo espremidos entre os Tupis, resistindo à sua pressão no litoral, antes de serem empurrados em definitivo para o sertão. De acordo com a concepção Tupi, o mundo indígena se dividia entre os de língua e costumes iguais aos seus e os seus contrários que chamavam de tapuias. Essa divisão atravessou décadas e servia para distinguir os índios do litoral e os do sertão. Os portugueses, a exemplo dos tupis se habituaram a chamá-los também pela sua denominação genérica. Representam a nação mais genuinamente brasileira por não existirem nenhum representante falando sua língua, fora de nossas fronteiras. Apesar de possuírem uma vida material mais simples, a sua organização social é bem mais complexa e elaborada que as dos Tupis-guaranis. A imagem de primitividade que os cronistas tinham dos tapuias, talvez tenha sido influenciada pelos orgulhosos tupis, seus inimigos. Expulsos do litoral pelos poderosos tupinambás, a maioria desses povos habitava o interior, tendo por isso menos contato com os portugueses durante o primeiro século da colonização.

A maioria desses povos vivia exclusivamente da caça e da coleta. Sua concepção de utilização direta dos bens e uma cultura material incipiente, que lhes permitia grande mobilidade, faziam com que fossem inaptos para contatos pacíficos com os portugueses. Talvez por isso a escravidão das lavouras tenha sido mais insuportável para eles do que para os tupinambás, já sedentarizados desde o contato. É difícil muitos detalhes sobre os tapuias devido a grande diversidade desses povos.

A origem dos índios era um problema de ordem intelectual para os europeus, e era ainda mais complicado para esses nativos explicarem a origem dos europeus. Os europeus buscavam justificar a origem desses índios através de explicações religiosas, tendo como base a palavra da Bíblia, enquanto que os nativos buscaram a explicação através de diversas lendas, que variavam de acordo com o povo, e mesmo uma única lenda sofria muitas vezes adaptações com o passar do tempo. Nos mitos indígenas, tal qual a explicação européia, a preocupação principal com a origem de um e de outro é a de explicar a posição de inferioridade do índio perante o homem branco.

Nas regiões costeiras de todo Brasil, a natureza do relacionamento entre indígenas e europeus foi determinada, pela presença portuguesa, seus objetivos econômicos e por interesses tipicamente europeus em três aspectos básicos: alimentação, defesa e mão-de-obra. As primeiras atividades comerciais desses europeus foram cortar e exportar o pau-brasil. O pau-brasil se esgota no litoral e os portugueses recorrem aos índios para obtê-lo. O corte da madeira por exigir um trabalho comunitário, traço característico dos homens da sociedade tupinambá, integra-se facilmente aos padrões tradicionais da vida desses índios. Através da troca por penduricalhos e outros objetos, conseguiam pau-brasil, farinha de mandioca e a mão-de-obra indígena. Com a introdução das donatarias, a instalação de colonos e o estabelecimento de uma base econômica segura, essa situação mudou e novas demandas foram impostas aos aborígines. Como as necessidades da cultura do açúcar não podiam ser satisfeitas por meio do escambo, os portugueses recorreram à escravização do indígena para a aquisição mão-de-obra para o plantio e beneficiamento da cana-de-açúcar.

Saturados das quinquilharias, os nativos passaram a exigir artigos que além de mais caros, tinham características bastante especiais como armas de fogo, e ferragens. Os machados e armas de fogo provocaram um grande impacto na economia e na vida dos índios de forma geral, no momento em que aumentaram a produtividade e reduziram o tempo gasto em certas atividades, em especial a caça e a derrubada de árvores, fazendo com que lhes sobrasse mais tempo para as cerimônias e as guerras.

Ao contrário do escambo, o trabalho na grande lavoura não se ajustava aos padrões culturais tradicionais dos gentios, principalmente por que, mesmo com a grande capacidade de adaptação desses índios, isso ia de encontro a aspectos da vida e da mentalidade indígena, na qual, agricultura sempre foi “trabalho de mulher”. As formas de produção não só foi escolha dos portugueses como também sofreram influência da sociedade e da dinâmica interna das percepções e necessidades dos nativos, que eram considerados preguiçosos natos por não atenderem às condições de mercado criadas pelos portugueses.

Para que os indígenas se tornassem úteis à empresa colonial, os europeus recorreram à escravização; à criação de um campesinato indígena pelos jesuítas e por outras ordens, tornando a mão-de-obra nativa acessível aos portugueses por meio da aculturação e destribalização; e à integração dos indígenas como trabalhadores assalariados, a um mercado auto-regulável. Foram etapas das relações entre indígenas e portugueses na colônia, mesmo que não claramente delimitadas. No Nordeste tentou-se usar as três ao mesmo tempo, causando conflito entre a estratégia dos colonos e a jesuíta que no final tinham o mesmo objetivo: a europeização do gentio. Ou a imposição de um regime escravocrata, contra a criação de um campesinato indígena capaz de se transformar em um proletariado agrícola.

A atribuição, reconhecimento e posterior aceitação de nomes portugueses, quando possível, formalizados pelo batismo, foram passos na direção da integração dos indígenas à comunidade do engenho, pois os nativos compreendiam a importância e o significado do batismo e a relação entre um novo nome e um novo status. Tudo isso seguido da crescente conformação nativa aos padrões portugueses, tendo sido a religião, uma das principais vias de aculturação.

Mas a aculturação também podia agir na direção inversa, pois as culturas indígenas ofereciam, ou pareciam oferecer certas liberdades de pensamento e comportamento a alguns europeus ou aos mestiços. Quanto mais distantes das áreas densamente colonizadas ou das cidades costeiras, maior a tendência de os colonos e seus descendentes adotarem costumes índios. Antes de 1600, com as normas e estruturas sociais ainda um tanto fluidas, com a interação dos portos, dos engenhos, do sertão e das populações, criou-se condições geográficas e humanas favoráveis à adoção de aspectos da vida e da cultura gentílicas pelos portugueses e mestiços. Alguns portugueses viviam tão integrados na cultura indígena que resistiam às tentativas de reintegração à cultura pátria.

O maior avanço indígena obtido com o contato foi a substituição das ferramentas de pedra pelas de ferro. O tempo que empregavam na agricultura e na produção de manufaturas diminui consideravelmente, diminuindo de intensidade o trabalho masculino, enquanto que o feminino não sofre grande alteração, o que resultou na fama do índio de indolente e da índia de laboriosa. As miçangas substituíam os discos de ossos e conchas, no que diz respeito aos ornamentos que usavam.

Os nativos muito cedo descobriram os efeitos nocivos das alianças com os europeus. A transformação das guerras, agravadas pelos surtos de doenças contagiosas, traziam sérias rupturas na organização interna das sociedades indígenas.

O contato com os europeus nas aldeias e nos engenhos tornava os índios suscetíveis a doenças européias. Há relatos de uma peste que assolou a costa brasileira em 1559, alastrando-se para o norte e que, era bem provavelmente varíola, e até 1562, no auge da epidemia matou milhares de escravos indígenas, atingindo um terço dos índios das aldeias jesuíticas, não se tendo idéia de quantos nativos livres morreram. Em 1563, uma epidemia de sarampo mata, talvez, mais trinta mil, o que vai abalar a estrutura social e econômica da colônia. Com a dizimação dos índios e a destruição das principais fontes de víveres, a fome se alastrou rapidamente. Portugueses sofreram privações e índios morreram de inanição e tentando fugir desesperados da fome alguns nativos preferem se entregar à escravidão, que pensavam, seria temporário, do que morrer de fome. Se por um lado essas epidemias facilitaram a escravização dos índios ao alcance dos portugueses, por outro deixaram claro, todos os perigos inerentes à dependência dos colonos com relação à mão-de-obra nativa.

As fugas foram formas que o indígena encontrou para resistir à dominação européia. Sendo grande a dificuldade dos nativos serem controlados em seu território, as oportunidades de fugas individuais eram muitas, havendo também tentativas de resistência coletiva. Em alguns lugares escravos matavam seus senhores antes de abandonarem em massa os canaviais. Houve vários movimentos de resistência, dentre os quais merece destaque, o que os portugueses chamaram de santidade, por ter sido duradouro e muito indicativo do choque econômico/cultural entre índios e europeus. Culto sincrético e messiânico que pregava uma era de bem-aventurança e o fim da escravidão e parece ter sido a combinação da crença dos tupinambás no paraíso terrestre com a hierarquia e os símbolos do catolicismo. Os índios decidiram adotar símbolos cristãos e adorar o Deus do Cristianismo, para que eles fossem fortes o bastante para lutar contra os europeus e vencê-los, da mesma forma que os portugueses venciam e dominavam os nativos.

O emprego da mão-de-obra indígena sofreu restrições, devido à tríade mortífera - guerra, doença e fome - que limitou a natureza e a disponibilidade da força de trabalho indígena. A rivalidade entre as estratégias de colonos e jesuítas com relação à dominação do gentio, não exclui o consenso entre eles de que o trabalho índio era vital para o sucesso da colônia, mas cada qual afirmando que o seu método era o mais eficiente e o mais rápido para a condução do nativo aos padrões europeus de religião, moralidade e costumes, incluindo a integração dos gentios ao mercado de trabalho, embora os índios se recusassem a ser moldados, recusando a ambos.

O apetite insaciável dos europeus por escravos ameaçava subverter a principal finalidade da guerra indígena: o sacrifício ritual no terreiro. Os europeus conseguiram desestruturar as sociedades nativas desde os aspectos mais práticos da vida cotidiana das tribos até os aspectos mais subjetivos dos seus ritos e crenças. Os portugueses achavam que um grande número de prisioneiros acabaria por formar um mercado de escravos. Essa transformação de prisioneiro em escravo dependia, acima de tudo da redefinição ritual e social do sacrifício humano.

A escravidão dos índios e o uso de sua mão- de- obra na lavoura canavieira foi uma etapa transitória no desenvolvimento a indústria açucareira. Na Bahia a escravidão de grupos tribais acompanhou a expansão da economia açucareira. Era a força de trabalho barata e acessível usada até que a atividade se capitalizasse totalmente. A escravidão indígena durou pouco em termos legais, aproximadamente entre 1500 e 1570, tendo seu apogeu entre 1540 e 1570. No regimento de Tomé de Souza em 1548, onde se esboça a primeira manifestação de uma política indigenista é contraditório e ambíguo. Ao mesmo tempo em que admitia que o fracasso da maioria das capitanias tivesse raízes no cativeiro praticado pelos colonos, reconhecia que o êxito da colônia dependia da subordinação e exploração da população indígena.

Sem documentos escritos pelos nativos e tendo como observadores os jesuítas que geralmente só comentavam os abusos, podemos buscar na documentação do engenho e nos registros paroquiais o emprego e as estruturas da mão- de- obra indígena nos engenhos, principalmente baianos, numa época em que o trabalho dos gentios tornou-se essencial a grande lavoura.

Foram três as formas que os colonos usaram para obter a força de trabalho indígena para a lavoura: escravidão, escambo e pagamento de salários. A aquisição de cativos por resgate, através de escambo com seus captores, era legal. Teoricamente se salvava a vida do gentio, ao que ele deveria retribuir com seu trabalho. Além dos resgates, faziam a guerra justa como já foi dito. O apresamento do nativo dessa forma permitia que a prática de trabalho forçado continuasse sem precisar denominar o índio por escravo.

As identificações locais e etnográficas mostram que os índios escravos tinham origens geográficas e culturais bastante variadas. Não se sabe ao certo se teria sido uma política deliberada, como seria feito, mais tarde com os escravos africanos, para impedir a cooperação entre os indígenas e prevenir rebeliões, ou se foi apenas pela falta de trabalhadores locais. Mas o certo é que, os senhores de engenho percebiam as vantagens de uma escravaria formada por “estranhos”, pois isso dificultava as fugas. Havia também as guerras intertribais, nas quais os vencedores entregavam os seus cativos para escravização, como meio de manter a própria liberdade. O rei proibiu a escravização dos índios e os colonos precisavam de braços para a lavoura. Tomé de Souza resolver atender aos dois lados, liberando a escravização dos índios hostis, ganhando a lealdade dos índios amigos; protegeu os interesses dos colonos; e abriu caminho à destruição total das tribos hostis e, diga-se de passagem, que índios hostis eram todos que resistiam aos aspectos religiosos, econômicos e sociais que os portugueses queriam lhes impor. Os colonos que vinham para o Brasil, preferiram a escravização ao escambo, pois o trabalho escravo era mais fácil de disciplinar.

Mas outros trabalhadores viriam substituir os nativos no trabalho dos engenhos: os escravos africanos. A instabilidade da saúde e da expectativa de vida do índio fazia dele um investimento muito arriscado, por isso os preços dos escravos nativos eram bem menores que os dos africanos. Devido à proibição da coroa com relação à escravidão indígena e da demanda crescente da economia açucareira, os colonos voltaram-se para os braços fortes dos negros de África. A importação de africanos começou na década de 1570. A transição da escravidão indígena para negra foi um processo lento que levou quase meio século e durante esse tempo os dois tipos de escravidão coexistiram no Brasil. A mudança dependeu em parte da percepção que os portugueses tinham quanto às habilidades relativas de um e de outro. As habilidades dos africanos com as técnicas do fabrico do açúcar na Madeira e São Tomé impressionaram os portugueses. Os colonos começaram, por causa dessas e de outras habilidades dos negros, a pensar na África como fonte de trabalhadores para a lavoura.

Vindos de culturas onde o trabalho com ferro, gado, e outras atividades que seriam úteis, para a lavoura da cana- de- açúcar, explica em parte a substituição da mão-de-obra indígena pela africana. As semelhanças da herança cultural dos negros de África com as tradições européias faziam elevar o seu valor aos olhos dos europeus. A fragilidade indígena frente às doenças européias aumentava o risco do investimento em sua escravização, ao passo que a saúde, a perícia, e a pouca oposição ao cativeiro dos africanos explica a preferência pelo negro, mas não esclarece por que o valor do trabalho dos índios, mesmo quando livres, era inferior ao dos brancos, mulatos e negros livres. Em todos os regimes coloniais do novo mundo, o valor atribuído à mão-de-obra indígena, sempre foi inferior ao atribuído ao trabalho africano.

A semelhança de opiniões em todos os regimes escravista da América indica a vantagem de se usar o negro de África no lugar dos nativos, que era baseada na produtividade em termos de retorno do investimento. Há indicações de que os valores atribuídos a um e a outro, representavam as diferenças de produtividade do trabalho de índios e negros. Essa diferença de produtividade era na proporção de aproximadamente três para um com vantagem para os africanos. Através de cálculo econômico lógico da lucratividade relativa das duas raças, o europeu chegou à conclusão de que, os africanos eram mais caros de se obter, mas em longo prazo, era um investimento mais lucrativo. No início do século XVII, a transição já havia progredido bastante, principalmente na região açucareira do Nordeste. A escravidão colonial era um modo de produção dominante, que foi imposto mais pela organização da produção, que pelo mercado. O regime de trabalho e a natureza da mão-de-obra não foram determinados só por Lisboa, Amsterdã ou Londres, mas nas florestas e canaviais da América, pois os índios só trabalhavam quando queriam ou precisavam e por esse motivo não se adaptaram ao sistema da grande lavoura, que iam de encontro a todos os seus padrões culturais.