Pastor, um médico da alma

Curar alma e/ou potencializar o seu crescimento é uma tarefa essencial no ministério pastoral. Para Richard Baxter “o pastor não deve ser somente um pregador público, mas deve ser conhecido também como conselheiro de almas, assim como médico o é para o corpo”. Eugene Peterson defende uma “reforma vocacional genuína entre os pastores”, ou seja, é uma redescoberta do serviço pastoral da cura de almas.

A ênfase na dimensão de cura de almas por meio da poimênica, que segundo Clinebell, “é uma resposta à necessidade que cada pessoa tem de calor, sustento, apoio e cuidado. Essa necessidade aumenta em períodos de estresse pastoral e caos social”, e do aconselhamento visando à integralidade das pessoas, elucida uma distinção no que os pastores fazem no domingo ou faz durante a semana, nas conversações e visitações ou no trabalho com pequenos grupos. Peterson, comentando essa distinção afirma “ o que fazemos aos domingos não mudou realmente através dos séculos: proclamar o evangelho, ensinar as escrituras, celebrar os sacramentos, oferecer orações. Mas, o trabalho entre os domingos mudou radicalmente e não constitui um progresso, mas uma deserção”.O contexto mudou e a maneira também, mas, o trabalho ainda é o mesmo; descobrir o significado da Escritura, desenvolver uma vida de oração, guiar o crescimento em direção à maturidade.

Afinal de contas, o que é trabalhar como médico da alma? Peterson responde da seguinte forma “Acura de almas é então o cuidado dirigido para Escrituras, cuidado em forma de oração por uma única pessoa ou por grupos, num cenário sagrado ou profano. É uma determinação de trabalhar no centro das coisas, de concentrar-se no essencial”.

No pastoreio é preciso enxergar aquilo que está além do perceptível aos olhos, para que o patente seja entendido a partir do latente. “Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”. O pastor deve se preocupar com o essencial. Não com superficialidades, mas com as questões cruciais da vida humana. As pessoas estão sofrendo, porque aquilo que é essencial tem escapado de suas vidas. Segundo Cammus, a grande questão filosófica, ou conflito, é a questão do suicídio. Ele acontece justamente quando não há mais sentido para viver, ou descobre-se que a vida não faz sentido. A grande questão é matar-se ou permanecer vivo.

Infelizmente, muitas pessoas estão vivendo na Igreja com esse dilema. Muitos já cometeram suicídio teológico. Outros não crêem mais nos relacionamentos, além de terem perdido toda a esperança no mundo em que vivem. Falta-lhes poesia impossibilitando-os de contemplar o Belo no existir das pequenas coisas.

O pastor deve resgatar, através da cura, os sonhos e as utopias possíveis, que foram perdidas durante a caminhada existencial. Fica claro que a cura é possível. O s relacionamentos são possíveis. É possível viver de forma plena e bela como fora objetivado por Deus. Tudo isso é realizável por meio da graça e com graça. A encarnação do verbo é a maior demonstração dessa possibilidade. O exemplo nós já temos. É importante que, como pastores, aqueles que são, e aqueles que agem como pastores sejam inundados pela graça, para agirem por meio dela, exercendo um papel importante no processo de cura.

Os pastores precisam compreender mais do que nunca, que em tempos de vazio existencial, conflitos e transtornos emocionais que tem levado pessoas até mesmo ao suicídio. A cura de almas não deve ser pontual, mas constante e urgente. Quando o Senhor Jesus Cristo disse que Pedro deveria apascentar suas ovelhas está implícito o cuidado integral. Segundo Peterson, “a cura de almas é uma decisão de trabalhar no âmago das coisas, onde somos mais nós mesmos e onde nossos relacionamentos em fé e intimidade são desenvolvidos”.

O trabalho de cura de almas perpassa pelas seis dimensões da integralidade, segundo Clinebell: a 1ª é a visão holística do homem a 2ª, é a amar a Deus sobre todas as coisas. No contexto psicológico moderno, enfatiza a importância tanto do aspecto cognitivo-intelectual quanto do aspecto emocional e espiritual de nossa mente e o 3ª, é a integralidade relacional a 4ª, a integralidade ecológica a 5ª, é constituída das formas pelas quais nossa relação com as instituições estimula ou obstaculiza o desenvolvimento de nossas potencialidades a 6ª, é a integralidade espiritual.

A integralidade abarca também a maturidade que para John Finley “é a capacidade de suportar a incerteza” ou até mesmo superá-la.

O apostolo Paulo nos ensina deixarmos as coisas de menino. Podendo significar a vivência heteronômica para uma autonomia estética, emocional e espiritual. Nesse processo o homem ou a mulher pode se perder no labirinto da existência espaço-temporal com os outros ou seu próprio interior. Aqui, caberá ao pastor ajuda-los encontrarem a saída desse labirinto para uma vida abundante em Cristo Jesus. Para tanto, poderá fazer uso de recursos psicológicos associados ao amor, a graça e a misericórdia de Deus.

Paul Hoff em “O pastor como conselheiro”, declara que a assistência pastoral além de enriquecer o ministério pastoral proporciona oportunidade de se levar almas angustiadas aos pés de Cristo. Logo, o pastor deve ser bem preparado pelos seminários. Mas segundo Merval Rosa, por séculos se preocuparam mais com discussões teológicas do que preparem os pastores para o enfrentamento dos conflitos humanos que são tão reais quanto os conceitos teológicos.

Com a implantação do treinamento clinico do ministério houve uma mudança na educação teológica proporcionando ao pastor uma visão interdisciplinar do ministério, a supervisão do ministério preparando o seminarista para lidar com o ser humano como um todo articulado interdependente.

A necessidade do treinamento clínico para o ministério iniciou-se com Richard C. Cabot sugerindo aos seminaristas o mesmo que acontece aos estudantes de medicina que têm um ano de trabalho supervisionado. Mas foi com Boisem que houve o estreitamento entre religião e medicina. Após ter sofrido de transtorno emocional, diagnosticado como esquizofrenia catatônica. Ao se recuperar dedicou-se aos estudos de fatores religiosos nas doenças mentais.

Esse paradigma na educação teológica pôde antever e preparar o pastor para uma situação semelhante no ministério para o qual estará instrumentalizado com pressupostos teológicos e psicológicos para auxiliar que necessita de um médico para a alma.

O pastor tem a sua disposição mais 400 psicoterapias cabendo-lhe conhecer com profundidade algumas delas incorporando-as a sua prática pastoral. Contudo, não perdendo de vista a importância do aspecto espiritual no processo de cura. No qual, o instrumento essencial é a Bíblia.

“Há diversas razões pelas quais é importante integrar insight bíblicos

Com a prática desse ministério. Sendo a Bíblia a nascente de nossa tradição espiritual ocidental, permanecer em íntimo contato com ela pode ajudar a ¬manter-nos enraizados em suas verdades fomentadoras de integralidade. Em segundo lugar, estar em contínuo diálogo com o insight bíblico pode gerar em quem presta assistência, atitudes e uma consciência que facilitam a cura e o crescimento. Em terceiro lugar, ao trabalhar com pessoas cujo ¬background tornou as imagens bíblicas algo vivo para elas, imagens e verdades arquetípicas da Bíblia podem ser usadas como instrumentos de transformação criativa. Imagens, histórias e metáforas bíblicas vivas são formas de comunicar verdades profundas sobre a vida fazendo uso do "cérebro di¬reito". Elas são um poder sustentador na vida de muitas pessoas socialmente desprovidas de poder que amam a Bíblia. . Em quarto lugar, a sabedoria bíblica sobre a natureza da integralidade é necessária para criticar, corrigir e enriquecer compreensões psicológicas contemporâneas de integralidade. Em diversos aspectos importantes, a Bíblia contém uma compreensão de integralidade mais profunda e realista do que a da psicologia humanística.” (Clinebell )

“No aconselhamento, as verdades bíblicas são iluminadas ao serem aplicadas e testadas na arena das lutas e do crescimento humanos.” (Idem)

A Bíblia como instrumento pastoral na busca da integralidade é questionado por psicólogos e outro especialista mergulhado num preconceito irracional fruto de uma ignorância, a de não reconhecer que “a sabedoria bíblica está tão consciente da profunda alienação e quebrantamento dos seres humanos de nosso potencial de aumento da integralidade” segundo Clinebell, para quem o pastor...

“Para exercer um ministério eficaz em relação às múltiplas formas de quebrantamento humano com que nos deparamos na poimênica e no acon¬selhamento pastoral, é essencial que tenhamos uma compreensão firme e realista do pecado humano e do mal. A perspectiva bíblica oferece um sadio corretivo ao otimismo superficial que, às vezes, aparece em psicologias hu¬manísticas. Todas nós conhecemos o conflito interior que Paulo expressou em sua carta à igreja de Roma: ‘Embora o desejo de fazer o bem está em mim, não consigo fazê-lo. Não faço o bem que quero, mas sim o mal que não quero fazer.’ (Rm 7.18s). A Bíblia está consciente de que nossa alienação de nós mesmas e das outras pessoas está, de alguma forma, enraizada em nossa alienação do amor de Deus, amor este que dá vida. As maneiras engenhosas pelas quais as pessoas bloqueiam sua própria cura e crescimento foram chamadas "resistência" por Freud. Quer a chamemos de resistência, quer de pecado, lidar com essa realidade recalcitrante é crucial em toda poi¬mênica e em todo aconselhamento pastoral eficazes.” ( Idem )

Além da Bíblia o pastor não pode negligenciar a ação do Espírito Santo posto que, sonda o coração do crente conhecendo as reais motivações de sua forma de ser, pensar e agir. Sendo o auxiliador necessário ao pastor no processo de cura. É o que afirma John MacArthur Jr. em Introdução ao aconselhamento bíblico onde defende a incompatibilidade entre o aconselhamento psicológico e o aconselhamento bíblico (as razões serão expostas na pesquisa).

“... o novo nascimento é soberanamente operado pelo Espírito Santo (João 3.8). E cada aspecto do verdadeiro crescimento espiritual na vida do crente é inspirado pelo Espírito, usando a verdade das Escrituras (João 17.17). O conselheiro que não enxerga esse ponto experimentará fracasso, frustração e desânimo.

Somente o Espírito Santo é que pode operar mudanças fundamentais no coração humano. Portanto, o Espírito Santo é o agente necessário em todo aconselhamento bíblico eficaz. O conselheiro, armado com a verdade bíbli¬ca, é capaz de oferecer orientação objetiva e passos para a mudança. Mas, a menos que o Espírito Santo esteja trabalhando no coração do aconselhado, qualquer mudança aparente será ilusória, superficial ou temporária - e os mesmos problemas ou problemas piores logo reaparecerão.

O verdadeiro crente, entretanto, possui um Consolador que habita dentro dele. Trata-se do Espírito Santo, que aplica a verdade objetiva das Escrituras no processo de santificação. Ainda assim, Ele não chama atenção para Si mesmo. Ao contrário, Ele dirige nosso foco de concentração para cima, voltado para Cristo. Jesus disse: "Quando, porém, vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que dele procede, esse dará testemunho de mim.” (Jó 15.26).

Por fim, é para Cristo que a atenção do aconselhada precisa ser direcionada. "E todos nós com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito" (2 Co 3.18). Este é o processo da santificação. E ela é o alvo final de todo aconselhamento verdadeiramente bíblico.

Contudo, a proposta dessa pesquisa é mostrar que o conhecimento da psicologia quando bem utilizado estará a serviço do pastor na medida em que não se distancia dos propósitos de Deus em relação à função pastoral. Conhecer os fatores psicológicos no processo de desenvolvimento humano ajudará ao pastor compreender o comportamento dos aconselhados inclusive compreender que homens e mulheres devido a sua estrutura bio-psico-social reagem de forma diferente às situações.

Solidarizar psicologia com teologia não significa tornar essa serva daquela. Mas, ampliar a visão, a concepção e o olhar sobre o homem entendendo-o como um todo orgânico em que psique-espirito-corpo estão interligados. Portanto, além da familiaridade da verdade bíblica acerca do homem e da ação do Espírito Santo o pastor tem à disposição o conhecimento sobre o homem fornecido pela psicologia para ajudá-lo quando esse, passar pelo inverno existencial. Como supracitado o pastor tem um leque de psicoterapias ao seu alcance.

Mas que é um processo psicoterapêutico?

É um processo conduzido por especialistas no qual o indivíduo amplia a consciência que tem de si mesmo, aprendendo com seus sintomas e se desenvolvendo como pessoa.

Os Seres Humanos, desde o seu nascimento, se desenvolvem realizando suas potencialidades à medida que se descobrem na relação com o outro. Por exemplo, uma criança desenvolve a fala à medida que se relaciona com outros Seres Humanos que já a tenham desenvolvido. A natureza fornece a potencialidade, porém essa potencialidade só é realizada na medida em que o indivíduo vai descobrindo suas possibilidades na troca com o outro e se enriquecendo com suas descobertas. O outro funciona como um espelho no qual a pessoa pode se ver. Este é o processo natural de desenvolvimento humano e o espaço terapêutico é um espaço preparado para facilitar este movimento.

Para Wolberg, as psicoterapias são métodos de tratamentos, que podem se utilizados pelo pastor, para solução de problemas de natureza emocional, nos quais uma pessoa (pastor) bem treinada, mediante a utilização de meios psicológicos (e teológicos) estabelece uma relação colaborativa com a pessoa que busca ajuda do pastor, visando remover ou modificar sintomas existentes, corrigir padrões disfuncionais de relação interpessoal e promover o desenvolvimento da personalidade.

Qual é o objetivo de um processo psicoterapêutico?

Visa facilitar o movimento natural da vida, criar oportunidades para que a pessoa aprenda sobre ela mesma. Os sintomas que geram a necessidade do processo psicoterapêutico tendem a desaparecer à medida que aprendemos o que eles têm a nos ensinar. Em suma, o objetivo de um processo psicoterapêutico é dar condições para que a pessoa se desenvolva aprendendo sobre ela mesma através de seus sintomas e das trocas estabelecidas neste processo.

Quando se deve procurar uma Psicoterapia?

Quando de alguma forma o indivíduo não está satisfeito com o andamento de sua vida, não está feliz, ou está vivendo algum sofrimento e não consegue superá-lo, nesse contexto um facilitador pode poupar tempo e energia.

Por mais que o indivíduo considere ter um grande conhecimento de si mesmo, quando por algum motivo esbarra em situações as quais ele não consegue dar respostas que lhe sejam satisfatórias com os recursos que domina, surge à necessidade de ampliar a consciência ao seu próprio respeito.

No contexto da necessidade de ajuda terapêutica, o pastor deve está atento à comunidade eclesiástica para que possa estimular o necessitado a procurar ajuda. Ajuda essa que não se limitará ao pastor, pois, há situações que fogem ao seu controle cabendo-lhe indicar um profissional especializado ciente que este não lhe é uma ameaça no tocante a sua função e autoridade frente à igreja.

A seguir algumas psicoterapias que o pastor poderá utilizar no processo da poimênica visando à integralidade dos que o procuram em busca de ajuda. O pastor deverá conhecê-las no intuito de aplicá-las corretamente adequando-as aos princípios bíblicos. Atentando para se tornar dogmático em relação a uma terapia visto a dinâmica da psique, do espírito e do corpo humano. Ciente que cada indivíduo tem seu tempo de maturação.

Bibliografia

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MACARTHUR, John F. e MACK, Wayne A. Introdução ao aconselhamento bíblico: Um guia básico de princípios e práticas de aconselhamento. São Paulo: Editora Hagnos, 2004, pp. 65-122/159-170.

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