Amarante, Mallu, Camelo e Camille

Algo de novo e de velho no ar: a estranha e interessante música de 2008

Ainda não ouvi o novo disco de Ed Motta, cantado em inglês, no qual ele toca todos os instrumentos. Preciso ouvi-lo com urgência. Estou, sim, neste instante, ouvindo o interessante trabalho da nova banda de Rodrigo Amarante (ex-Los Hermanos) que se chama Little Joy. Engraçado: não sei dizer se é bom. E olha que já é a minha terceira audição. Esse som está me levando aos “filmes de praia” produzidos nos anos 60, que enfeitiçaram minha infância nas “sessões da tarde”. Remete a coisas boas. Então acho que é bom. Toda a sonoridade do Cd é simuladora da surf music daquela década. Todo em inglês também – com uma única faixa em português. Ok, ele venceu. É bom, sim. Mas não exageremos, pois não é nenhuma obra-prima. E a sonoridade pretendida – e alcançada –, que faz parecer que estamos ouvindo um radinho de um Cadillac conversível com uma prancha de surf no banco de trás, faz com que o trabalho agrade apenas a um público bem específico.

Quanto ao super bem recebido disco solo do outro “ex-hermano” Marcelo Camelo, com o título Sou, aí sim, o buraco é mais embaixo. Harmonias complexas, misturadas a outras simples, tudo soando bastante bem aos ouvidos. Em comum com o projeto de Amarante, o som de Camelo tem cara de coisa velha. A faixa “Menina bordada”, por exemplo – uma das melhores do disco –, poderia ter saído do clássico Clube da esquina, do Milton. Este Sou é, provavelmente, o disco brasileiro mais interessante do ano. Marcelo ousou. Seu disco tem muito pouco que lembre rock. Mas tem. O disco parece uma síntese de suas pretensões que não cabiam na banda Los Hermanos. Tem de tudo um pouco. A faixa “Copacabana”, por exemplo, é uma deliciosa marchinha de carnaval. Inserções assim exigem personalidade, coisa que o tímido e elegante Camelo tem de sobra. Em “Janta”, deliciosa balada folk apenas com violões, o cantor apresenta sua parceira teen Mallu Magalhães, que um dia, tenho certeza, será uma grande cantora – se já não o for.

Mallu Magalhães me surpreendeu de verdade. A menina de 16 anos é “virada no diabo”. Toca, compõe, canta em inglês. Seu som folk rock é conduzido com uma leveza que consegue reunir de forma desconcertante inocência, deboche, e uma inesperada sensualidade. Se a menina não é tudo o que disseram por aí, pelo menos a mim agradou muito. Sua música é – saiba-se – muito mais americana que muita música americana que se faz hoje: se é que você me entende. Tomara que a indústria não a transforme em pirulito.

Um paralelo interessante com a nossa menina Mallu Magalães, é a mulher Camille Dalmais. A cantora francesa Camille (ela prefere ser chamada sem o sobrenome) lança seu terceiro álbum solo. Revelada pelo grupo de new bossa Nouvelle Vague, Camille é hoje, em minha opinião, a artista mais completa do mundo. O que a menina Mallu e a mulher Camille têm em comum? Primeiramente são mulheres, claro. Ambas têm a voz aguda. Cantam em inglês sem serem estadunidenses ou inglesas. E são talentosíssimas. O novo álbum da poliglota Camille, Music Hole, é deslumbrante. A cantora canta em todos os tons e oitavas imagináveis para um ser humano, experimentando diversos timbres possíveis – e impossíveis. Usa a boca e o corpo como instrumentos de percussão – coisa que faz desde menina: um negócio de louco. Camille brinca de fazer música, e é genial, não há palavra melhor. Ela exala liberdade com seu som inventivo e revolucionário. Ouvi-la me dá tesão – e isso já aconteceu quando a ouvi pela primeira vez no Nouvelle Vague. E andei sentindo algo parecido em relação à Mallu. Camelo que me perdoe. Mallu está se descobrindo como mulher e como artista. Camelo está também em bela construção. E Camille? Camille parece estar pronta.

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Publicado no portal Crônicas Cariocas (www.cronicascariocas.com)