O Olho Soberano

Nas sociedades pré-capitalistas, o sistema prisional foi instituído e posteriormente justificado e conceituado (ao menos se tentou). A exclusão fazia-se mais para livrar a sociedade de um problema do que propriamente resolvê-lo. Adaptações e mudanças ocorreram através dos tempos. Hoje, a tecnologia serve como controle comportamental em detrimento de normas disciplinares de conduta, pois é mais eficaz e aceito. Para Foucault, a eficiência do olhar é a mesma do poder, mas do olhar no sentido de panóptico (centro penitenciário ideal que permite observar prisioneiros sem saber quem os vigia; o termo foi usado posteriormente em “Vigiar e Punir” para tratar das sociedades disciplinares). Os manicômios, hospitais, asilos e presídios, enquanto sistemas de exclusão/inclusão, foram aprimorados tecnologicamente, perderam suas “soberanias” de construções físicas e ganharam “virtualidade”.

A singularidade dos indivíduos (individualidade de cada um) contrasta com ações que sofrem restrições normativas, legais e genéricas. Existe uma racionalidade institucional que potencializou as formas de exclusão/inclusão, não de maneira fechada e limitada, mas de modo dinâmico: aprimorando o “vigiar e punir”, obtendo um controle maior do que o imaginado e muito mais sutil, a ponto de ser desejado pela maioria dos indivíduos, ainda que ingenuamente. A evolução da tecnologia da comunicação permite uma nova vigilância (tecnológica) e uma punição mais dolorida que as antigas, a punição severa das almas ao invés da corporal. Tudo o que for considerado um “desvio de comportamento” deve ser sentido em seus valores morais e espirituais, a dor deve pulsar no campo da auto-estima, do sentir-se impotente e fraco. O sujeito deve ser excluso do jogo ao tentar questionar as regras.

A circulação espacial e temporal, a criação da subjetividade: tudo deve ser vigiado pelo olho “onipresente” e controlador. O impasse para este controle do olhar poderia ser o indivíduo que não quer ser visto e se esconde de qualquer visibilidade. Mas a ideologia dominante de nossa “Sociedade do Espetáculo” resolve o impasse ao criar no público o desejo de ser visto, pela possibilidade de ascensão social, de se tornar celebridade e alimentar a vaidade humana e financeira. Por isso devemos compreender as diferenças entre ser visto e olhar: os dominantes são aqueles que olham enquanto os dominados querem ser vistos. O desejo pela visibilidade somada a aceitação da vigilância onipresente, sob todos os pretextos, apenas facilita o controle social como um todo, sem oferecer barreiras que questionem a condição atual de nossa sociedade.

O programa “Big Brother Brasil”, cujo nome faz referência a um personagem de George Orwell descrito no romance “1984”, é exemplo de uma sociedade que deseja ser vista e controlada, que deseja ter seus comportamentos orientados conforme vontades alheias, com objetivo (muitas vezes ilusório) de conquistar um prêmio, seja monetário ou simplesmente prestígio, para indivíduos sem obras sociais ou artísticas, convencidos pela ideologia dominante. Ser visto, muitas vezes, significa a única e aparente oportunidade de se tornar socialmente venerado, colhendo os frutos que tal veneração traz. Outro exemplo semelhante é o Orkut, onde o indivíduo precisa ser visto, fotograficamente ou em vídeos, em todas as situações sociais e momentos particulares da vida, transformando sua vida num verdadeiro show, um belíssimo show construído para ser visto e adorado.

Atualmente, algumas escolas particulares de ensino oferecem como diferencial um sistema interno de câmeras com transmissão via internet, para que os pais possam vigiar seus filhos em tempo integral, onde quer que estejam, sem questionar o quanto isto possa inibir o desenvolvimento natural da individualidade da criança e adolescente. Espaços públicos como ruas, praias, praças, shoppings, entre outros, são tomados por câmeras cada vez mais, com propósito de obter maior controle da marginalidade e adversidade social. Mesmo dentro de empresas, os chamados “sistemas de segurança” também são usados para vigiar seus funcionários e punir aqueles que desviarem seu comportamento de maneira indesejada. Um amplo debate seria importante para questionar a real necessidade do “Grande Irmão” nos olhando, o tempo todo e em todos os lugares. A sociedade vigilante baseia-se no princípio de “proporcionar a um pequeno número, ou mesmo a um só, a visão instantânea de uma grande multidão”. Olhar e ser olhado, vigiar e ser vigiado: de qual lado preferimos estar? Estes sistemas de segurança pouco fizeram contra a violência das cidades, apenas oferecendo a sensação de se estar seguro, e sensações é o produto que mais consumimos a cada dia: a sensação de estar seguro, de ser feliz, de justiça, e assim por diante. Em contrapartida, para consumirmos estas sensações, dedicamos horas reais de nossas vidas reais, trabalhando realmente e pagando impostos reais e excessivos, tudo para ter a sensação de viver em paz. Preste atenção: “Big Brother is watching you”.