A QUESTÃO DO SUICÍDIO EM PAÍSES ATEUS

Eu pretendia escrever um complemento para meu artigo intitulado “Os Países Ateus São Mais Justos”, falando sobre algumas aporias que nele ficaram subentendidas. Não comuniquei antes por não saber quanto tempo eu gastaria levantando referenciais e construindo o texto. No entanto algo fez com que eu antecipasse algumas respostas: o comentário de um leitor chamado EDERAUGUSTO. Ele faz a seguinte pergunta: “Em alguns países majoritariamente ateus os índices de suicídio são altíssimos, mesmo com criminalidade baixa e excelente expectativa de vida. Qual a razão?” Com o fim de dar uma resposta rápida, resolvi escrever este esboço.

Eu já tinha em vista esse problema, por isso já sabia mais ou menos onde procurar as respostas. No entanto notei que não há uma única resposta para todos os casos. Existem inúmeros motivos que podem levar alguém a suicidar-se, mas como estamos falando em suicídio social, devemos buscar algo em comum entre os suicídios particulares. Quando eu fazia Psicologia ouvi de uma professora uma hipótese que para mim soava bizarra para explicar o alto grau de suicídio nos países nórdicos. Dizia ela que nestes países a falta de visibilidade do sol causava depressão, por inibir a produção de serotonina, os neurotransmissores responsáveis pelo bem-estar. Para mim, na época um incipiente admirador do Existencialismo filosófico que flertava com a Psicologia Humanista isso era quase absurdo. Claro que a luz do sol é importante para a produção de certas substâncias do corpo humano, mas dizer que a ausência momentânea dele poderia levar alguém ao suicídio para mim era um atentado contra a liberdade de escolha dos indivíduos. Pensar que o todo-poderoso ser humano era controlado por minúsculas substâncias químicas para mim era quase um insulto. Mesmo que eu tivesse me tornado bem mais materialista depois – mas não a ponto de aceitar isso – podemos pensar em outras hipóteses bem menos deterministas. De fato, a ausência da luz solar inibe a produção de serotonina – quem nunca se sentiu meio deprê em um dia nublado? – mas não ao ponto de levar alguém ao suicídio. Outro fator importante é que nos países nórdicos os invernos são muito rigorosos, obrigando as pessoas a permanecer em suas causas, diminuindo assim a coesão social. Talvez isso faça com que as pessoas sintam-se extremamente solitárias, o que aumenta ainda mais a depressão quase crônica dos escandinavos. Resultado: suicídio!

No entanto, não se pode responsabilizar o clima pelos suicídios no Japão, que também são altos. Porém, o suicídio no Japão possui um caráter peculiar e até cultural. Os samurais se suicidavam no sangrento ritual do Hara-Kiri. Soldados conhecidos como Kamikazes se atiravam de avião contra os inimigos. Parece que, para eles, o suicídio não é algo tão abominável como é para os ocidentais. Para eles, tirar a própria vida pode significar honra, valor ou vingança... Emily Durkheim, o fundador da Sociologia científica, mostra no seu célebre trabalho “O Suicídio” que esse tipo de morte não ocorre somente onde a integração social é fraca, mas também onde ela é muito forte, como no caso dos homens-bomba muçulmanos. Neste caso, o sujeito prefere morrer a causar prejuízos para os outros. E precisamente esse, juntando-se ao tratamento “normal” que dão a essa prática, tem sido o motivo da morte de muitos japoneses de meia-idade. A socióloga japonesa Kayoko Ueno afirma:

“O fato que o número de suicidas está aumentando entre homens de meia idade com problemas financeiros ressalta a responsabilidade masculina de manter a sua família, e algumas vezes os seus empregados. Esta é uma realidade ainda mais pungente em dias de dificuldades econômicas. Alguns suicídios são como uma tentativa, por parte dos suicidas, de conseguir dinheiro do seguro de vida para sua família. Um fenômeno que tem sido observado é que um dos padrões mais comuns em suicídios é que eles ocorrem quando o período de carência do seguro termina.”

Também relaciona o suicídio com a posição que os indivíduos ocupam na sociedade:

“O fenômeno atual do suicídio no Japão é muito social no sentido mais definido ainda do que nas hipóteses de Durkheim. Primeiro, sociologicamente falando, os vocabulários, motivos e métodos de suicídio são delineados principalmente pela sociedade. Como o “vocabulário de motivos” do sociólogo americano C. Wright Mills estipula, as razões para uma ação são empregadas no processo de justificativa desta ação frente a outras pessoas e ao próprio indivíduo que a comete. E o vocabulário dos motivos vem da sociedade. O Japão está desenvolvendo um vocabulário de motivos associado ao suicídio, permitindo que as pessoas acreditem que não têm nenhuma outra escolha senão a morte. O suicídio é claramente um ato aceito como o último recurso para resolver problemas ou se livrar deles de uma vez por todas. Mas o Japão, por outro lado, falhou por não desenvolver os motivos para a vida que os membros da sociedade podem utilizar para justificar suas existências. Tais motivos para a vida são absolutamente necessários particularmente nesta era de globalização quando o valor econômico é superestimado e todos podem ser classificados como vencedores ou como perdedores.”

(http://www.espacoacademico.com.br/044/44eueno.htm)

Não obstante todos esses estudos, creio que o colega EDERAUGUSTO queira saber mesmo sobre a relação entre suicídio e religiosidade. Até que ponto o ateísmo das pessoas destes países contribui para que elas tirem suas próprias vidas? Antes de entrar nessa questão, acho importante comentar que no Brasil a taxa de suicídio não é lá tão baixa assim. A religiosidade do povo brasileiro não impede que a taxa de suicídio venha aumentando, principalmente entre jovens. A taxa de suicídio da Holanda, por exemplo, é mais baixa que a de Porto Rico, Uruguai, Cazaquistão (que é mais alta até que a do Japão, Dinamarca, Finlândia e Suécia!), Trinidad e Tobago e Estados Unidos, que são países bem mais religiosos. Isso não prova que os países menos ateus têm menos suicídio, no entanto prova que o ateísmo não é a causa disso, mas que há uma correlação. Outro fator que impede que o suicídio em países como o Brasil aumente ainda mais é a não divulgação desse tipo de caso. Baseados mesmo em Durkheim, a imprensa brasileira prefere não os divulgar pelo fato de o suicídio ser socialmente contagioso.

Por fim, creio que o suicídio não seja um efeito do niilismo e da “morte de Deus”. Talvez ele seja provocado mais pelo capitalismo e pela concorrência de mercado que pela fé ou pela ausência dela. Os Estados Unidos têm números altíssimos de suicídio, mesmo se orgulhando de ser, como disse Sam Harris, uma “Nação Cristã”. Mas em alguma coisa a ausência de fé na religião contribui para que algumas pessoas ceifem sua existência. Durkheim aponta também que a relação que os indivíduos têm com a idéia da morte contribui para o suicídio. Embora ela sozinha não seja capaz de levar alguém a tirar a própria vida, em determinadas ocasiões os indivíduos podem recorrer a ele se não achar que estão cometendo algum crime contra a sociedade ou contra Deus. Se forem religiosas, resistirão até o fim, pois o suicido é “pecado” em quase todas as religiões.

Eu poderia acrescentar outro fator muito importante, mas que será pouco comentado aqui por falta de espaço, de referências e por ser tema do próximo artigo, onde vou analisar a relação entre causa e efeito do ateísmo no sucesso dos países seculares: a capacidade de discernimento dos indivíduos pode levá-los ao suicídio. Creio que a predisposição de pessoas mais inteligentes ao suicídio é bem maior que a de pessoas incultas. Estas teriam maior capacidade de ver, como diria Albert Camus em “O Mito de Sísifo”, o absurdo da existência e o falta de sentido para a vida. Com efeito, será mais fácil de entender isso pelo próximo artigo “Os Ateus São Mais Inteligentes: Confirmam As Pesquisas”.

Nota: Agradecimentos a EDERAUGUSTO, que fez esse questionamento, me obrigando a pesquisar mais e buscar sólidas respostas. Sua outra pergunta, "o que dizer do uso da teoria da evolução por mentes perversas como a de Hitler e seus partidários que justificavam a matança de 'raças inferiores' como obra de um processo de sobrevivência do mais apto?" Será tratada em outro artigo sobre os perigos da pseudociêcia.

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 05/02/2009
Reeditado em 05/02/2009
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