Os gêneros textuais e a língua materna: a sinopse no ensino da leitura e da produção textual

Resumo: Este artigo propõe uma reflexão acerca da utilização da sinopse como um instrumento mediador da leitura e da produção de textos nas aulas de língua materna, com o objetivo de desenvolver a prática discursiva através da análise da situação e das condições de produção desse gênero. Partindo do pressuposto de que ensinar Português não é ater-se aos aspectos metalingüísticos, acredita-se na inserção dos gêneros textuais na sala de aula como ferramenta para desenvolver no indivíduo habilidades sócio-discursivas a ponto de ele poder construir o seu próprio discurso com autonomia e segurança, além expressar-se nas diversas situações lingüístico-comunicativas presentes na sociedade na qual está inserido.

Palavras-chave: sinopse, língua materna, produção textual, gêneros textuais.

Abstract

Summary: This article proposes a reflection concerning the use of the synopsis as an instrument mediator of the reading and of the production of texts in the classes of maternal language, with the objective of developing the discursive practice through the analysis of the situation and of the conditions of production of that gender. Leaving of the presupposition that to teach Portuguese it is not to detain to the aspects metalingüísticos, it is believed in the insert of the textual goods in the classroom as tool to develop in the individual partner-discursive abilities to the point of him to build his/her own speech with autonomy and safety, beyond to express in the several present linguistic-communicative situations in the society in the which is inserted.

Word-key: synopsis, maternal language, textual production, textual goods.

INTRODUÇÃO

Atualmente, pedir um texto escrito em sala de aula é, para uma grande parte dos professores, conviver, por alguns minutos com a angústia de não ver o aluno nada produzir ou escrever o mínimo possível, mesmo assim, na maioria das vezes, frases soltas e desconexas. Se, para o professor, essa situação é preocupante, para o aluno, é angustiante, uma vez que este é que está na obrigação de entregar seu trabalho ao professor em um espaço de tempo que, diante da aflição no momento em que escreve, torna-se curto. O que fazer diante dessa realidade é tão complexo quanto a própria situação vivenciada por um e outro.

Os fatos apontados acima são reflexos de uma prática pedagógica que tem demonstrado o despreparo de muitos docentes no que tange ao ensino da leitura e da produção de textos. Segundo Swander (2005), escrever não é um dom divino, e sim uma prática que dever ser constantemente aprimorada. Isso nos faz perceber que a produção textual suscita atividades que instrumentalizem o aluno, a partir de situações comunicativas próximas das vivenciadas por ele. É importante se compreender que a produção textual está relacionada com as várias áreas do conhecimento, entretanto é no ensino da língua materna que se pode explorar esses conhecimentos a partir da leitura e da discussão dos gêneros textuais.

Vivemos hoje a era da comunicação midiática. A televisão, por exemplo, tem se tornado cada dia mais presente nos lares brasileiros. Na sala de aula, alunos e alunas comentam cenas que viram em novelas, filmes, programas humorísticos, etc. Esse pode ser o momento de o professor aproveitar esses comentários para instruir os alunos para a leitura, discussão e produção da sinopse desses programas, o que pode favorecer a ampliação da prática do letramento.

As sinopses a que fazemos referência neste estudo são as que aparecem nas capas dos filmes em DVD ou VHS, destinadas ao público em geral, apresentando-se, inclusive, em tamanho pequeno, o que pode atrair a atenção do aluno para sua leitura. Consideramos também as sinopses que se referem a programas de rádio, as quais possuem uma linguagem clara e objetiva, trazendo todo o conteúdo, tanto de filmes, quanto de novelas, em poucas palavras. Nesse sentido, fundamentando-se na concepção de Língua como um instrumento de comunicação e interação social, propomos a leitura, a discussão quanto à situação de produção da sinopse, enquanto (sub)gênero, bem como sua inserção nas atividades ligadas ao ensino da língua materna, visando ao aperfeiçoamento lingüístico do aluno.

Sinopse: caracterização de um (sub)gênero

Segundo Bakhtin (1997), os gêneros são tipos relativamente estáveis de enunciados elaborados pelas mais diversas esferas da atividade humana. Por essa relatividade a que se refere o autor, pode-se entender que o gênero permite certa flexibilidade quanto à sua composição, favorecendo uma categorização no próprio gênero, isto é, a criação de um sub-gênero. Em relação à sinopse, procuramos enquadrá-lo como um sub-gênero do gênero maior: o resumo, que se caracteriza por apresentar tema, estrutura composicional e estilo próprio. De acordo com o dicionário Aurélio, o resumo aparece conceituado como: “[Dev. De resumir] S. m. 1. Ato ou efeito de resumir (se). 2. Exposição abreviada de uma sucessão de acontecimentos, das características gerais de alguma coisa, etc., tendente a favorecer sua visão global....”

Para Lakatos (2001), “resumo é a apresentação concisa e frequentemente seletiva do texto, destacando-se os elementos de maior interesse e importância, isto é, as principais idéias do autor da obra”

Como se pode verificar, os dois conceitos caracterizam o resumo como um gênero textual cuja finalidade é dar, objetiva e sinteticamente, uma visão global de determinada obra, podendo o resumo ser produzido a partir de um livro, de um texto, de um filme, etc. A depender do caráter do trabalho que se pretende realizar, o resumo classifica-se em descritivo, informativo ou crítico.

Dentro desse gênero textual, e com características semelhantes, mas trazendo informações mais sintetizadas e objetivas e sem finalidades acadêmicas, como é o caso do resumo, existe a sinopse, que se caracteriza como um “sub-gênero” que deve conter a história com seu começo, meio e fim, este último nem sempre explicitado. Segundo Almas (2005), a sinopse “deve conter o ‘plot’ da história e a forma como se articulam os fatos e acontecimentos narrados pelo vídeo”.

Filme: “Um céu de estrelas”, de Tata Amaral.

“Num bairro da zona operária de São Paulo, Dalva, uma jovem cabeleireira, vive com sua mãe, uma mulher dominadora. Tentando mudar de vida a moça acaba ganhando uma viagem para os Estados Unidos num concurso de penteados, e vê no prêmio a chance para isso. Mas Victor, o ex-noivo que Dalva abandonara, não se conforma em perdê-la. E, num acesso de raiva, o rapaz a prende. Confinados no interior de uma casa, cercados pela polícia e pela imprensa, Dalva e Victor vivem situações limite, das quais apenas um sairá vitorioso, mas não totalmente ileso.”

Nessa sinopse, percebe-se claramente o início da história, em que a personagem do filme, Dalva, recebe um prêmio que, para ela, pode ser a oportunidade de mudar de vida; identifica-se o meio do enredo através da atitude do seu ex-namorado que, diante do medo de perdê-la, prende-a; já o final não está claro. Não se sabe o que poderá ter acontecido. Isso é uma forma de incitar o leitor a assistir ao filme em questão.

Título: Bichos D'Água - quando os húngaros descobriram o Brasil

Autor: Eduardo Kormives

Categoria: Grande Reportagem

Suporte: Texto

Sinopse: A Grande Reportagem conta a trajetória da família Bugyi desde a a fuga da Europa pós-guerra até a nova vida em São Paulo. Com isso, o trabalho pretende mostrar um retrato da experiência de mais de 150 mil húngaros - muitos deles considerados apátridas pelas leis internacionais - que não só contribuíram para a formação do Brasil mas também o adotaram como segunda pátria.

Com esse exemplo, notamos claramente a adequabilidade dessa modalidade textual aos diversos objetos dos quais se podem construir uma sinopse. Segundo Biber (apud Marcuschi, 2005), os gêneros textuais são determinados mais pelos objetivos dos falantes e a natureza do tópico tratado do que propriamente pela forma. Isso nos mostra que a sinopse não se limita a filmes e livros, como é comumente conhecida. Esse gênero pode ser produzido, inclusive, a partir de um programa de rádio, por exemplo,

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO - 12h - (2ª a 6ª feira).

Produção e apresentação: Luiz Alberto Tomé

Uma viagem no tempo. A música popular brasileira e internacional que marcou época. Uma pausa na hora do almoço para recordar e reviver as grandes composições em suas versões originais ou em releituras feitas pelos intérpretes da atualidade.

Nessa outra, podemos ter uma visão geral do programa que é apresentado de 2ª à 6ª feira, às 12h, o que nos mostra o poder de síntese da sinopse. A leitura de mais esse texto nos leva a compreensão de que pensar em gênero textual é perceber a diversidade de situações que favorecem a produção de textos. A partir desse ponto, podemos, pois, entender a sinopse como um instrumento capaz de desenvolver no leitor habilidades de observação, de síntese e de organização das seqüências apresentadas nos objetos dos quais serão feiras as sinopses.

Sinopse: um espaço na sala de aula

Segundo Koch (2003), toda instrução de gêneros na escola visa a objetivos precisos de aprendizagem, a saber: levar o aluno a dominar o gênero para conhecê-lo; apreciá-lo e compreendê-lo melhor, bem como produzi-lo na escola ou fora dela, além de colocar esses mesmos alunos em situações de comunicação o mais próximo possível das verdadeiras, a fim de que possam dominá-las como realmente são. Partindo desse pressuposto, acreditamos que a sinopse pode ser um dos instrumentos de que o professor pode dispor nas aulas de leitura e produção textual. Não é difícil o aluno ser atraído pela leitura desse (sub)gênero, uma vez que ele terá interesse em saber de que trata determinado filme, programa, seja de rádio, seja de TV ou até mesmo um capítulo de novela.

A simplicidade da linguagem e a estrutura frásica distensa fazem da sinopse um gênero possível de trabalhar na sala de aula. Primeiro, porque os alunos, na sua maioria, não estão habituados a ler textos longos; segundo, porque a estrutura da frase pode servir de modelo para o aluno escrever. Por meio de um estudo das condições de produção e de circulação desse (sub)gênero, o aluno compreenderá sua função social e seus propósitos comunicativos, o que o tornará um leitor capaz de utilizar esse e outros gêneros textuais, além de construir textos adequados às diversas situações comunicativas.

A partir dessa perspectiva, o professor poderá levar para a sala de aula várias sinopses e lê-las com os alunos, fazendo-os verificar a autoria, finalidades, o lugar onde se encontra (suporte), estrutura composicional, tema, influência que produz no leitor, etc. A partir dessa verificação, por meio da leitura e da discussão envolvendo a participação dos alunos, pode a sala de aula ser dividida em grupos e pedir que cada grupo escolha um programa de TV, de rádio, um filme a que assistiu ou mesmo um capítulo de novela. Depois que os alunos assistirem a eles, solicitar-se-á que cada grupo construa uma sinopse do que assistiu. Construído o texto, o professor fará a revisão textual, podendo pedir aos alunos a refacção da sinopse, se necessário for, a fim de melhorar o processo de elaboração do textual. Depois de prontas, essas sinopses poderão ser expostas no mural da escola, ou até mesmo publicadas no jornalzinho da escola (se houver), a título de sugestão para outros alunos.

Um outro aspecto relevante no que tange ao trabalho com o (sub)gênero sinopse é percebê-lo como um instrumento que favorece o desenvolvimento da linguagem, uma vez que, a partir da leitura e da produção de textos pequenos, o aluno poderá, através de um trabalho contínuo com esse e outros gêneros textuais, aprimorar o desempenho lingüístico. Segundo Scheneuwly (apud Koch, 2003), o gênero é utilizado como meio de articulação entre as práticas sociais e os objetos escolares, particularmente no que diz respeito ao ensino da produção e da compreensão de textos. Nesse sentido, um trabalho desenvolvido com a sinopse pode contribuir não só para atividades lingüísticas, como também para a formação de uma consciência crítica a partir de uma visão sócio-comunicativa.

De acordo com os PCNs, um escritor competente é aquele que, ao produzir um discurso, sabe selecionar o gênero no qual seu discurso se realizará, isto é, se ele precisa convencer alguém, recorrerá ao processo da argumentação; se precisar comunicar-se com um parente distante, optará pela carta; se quiser indicar um filme a alguém, poderá valer-se da sinopse. Se o professor conseguir desenvolver essa habilidade nos seus alunos, ele estará abrindo caminhos para o amadurecimento da discussão e da produção textual a partir de uma perspectiva dialógica da linguagem.

Considerações finais

O objetivo deste estudo foi propor uma reflexão acerca da inserção do (sub)gênero sinopse como um bom instrumento para a leitura, discussão e produção textual nas aulas de língua materna. Ao introduzir esse material na sala de aula, o professor estará levando a oportunidade de envolver o aluno em mais uma das práticas sociais de utilização da linguagem.

Além disso, quanto mais o aluno mantiver contato com uma variedade de gêneros, mais ele desenvolverá a capacidade de construir o seu discurso, adequando-o às diversas situações de comunicação lingüística. Por isso, a escola deve ser encarada como o lugar da comunicação, o que implica planejar uma série de atividades que tratem a língua em seus aspectos discursivos, e não em suas peculiaridades formais. É nesse contexto que a sinopse e outros gêneros textuais se constituem como práticas sócio-discursivas que devem fazer parte do cotidiano escolar.

Insistir em uma prática pedagógica que só privilegie a metalinguagem é negar os aspectos discursivos da língua e condená-la à condição de um igapó , isto é, considerar a língua como um fenômeno estático e imutável, isolada do contexto sócio-comunicativo. Portanto, o ambiente escolar deve proporcionar ao aluno o contato com os gêneros textuais, a fim de que ele possa se desenvolver como um cidadão letrado. Uma proposta pedagógica que assim se construir formará indivíduos capazes de, através do instrumento de comunicação de que dispõe, a língua, expressarem-se com autonomia e segurança na sociedade na qual estão inseridos, até porque o aluno não vai à escola aprender a falar português, mas procurar desenvolver habilidades lingüístico-comunicativas, como falante que é.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMAS, Almir. Sinopse. Mapa cultural paulista. S. Paulo, 2005. Disponível em: <http//www.darc.sp.gov.br/textos/2005_2006_mcp_vi_sinopse.DOC> acesso em 26 de nov. 2006, 20:15:10

FERREIRA, Aurélio B. de Hoanda. Novo dicionário aurélio da língua portuguesa. 2. ed. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1986.

BAKHTIN, Michael. Estética da comunicação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

KOCK, Ingedore Grunfeld Villaça. Os gêneros do discurso. In: ______ Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2003. Cap. IV, p. 53 – 60.

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MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva; MACHADO, Anna Rachel. Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005, p. 19 – 36.

SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros e tipos de discurso: considerações psicológicas e ontogenéticas. In: ROJO, Roxane, CORDEIRO, Glaís Sales. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004, p. 21 – 39.

SWANDER, Alex. A importância do conhecimento lingüístico para o professor de língua portuguesa no processo de avaliação da produção textual de sues alunos. In: IX Congresso Nacional de lingüística e filologia. Rio de Janeiro, 26 de agosto de 2005. p. 23 a 29.

Teixeira Neto
Enviado por Teixeira Neto em 06/03/2009
Código do texto: T1472060
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