Um PT "trabalhista"!?

A crise econômica, no final de 2008, fez com que se debatessem alguns temas. Assuntos em voga sobre a sustentabilidade econômica do país, a redução ou não dos direitos sociais ao indivíduo, o papel do Estado frente à crise e as alternativas possíveis para o seu enfrentamento. Assim, inúmeras forças e quadros políticos, lançando mão do seu espaço midiático, tentam apresentar as suas agendas e/ou concepções. Isto não seria diferente com o Partido dos Trabalhadores (PT), sob a égide de Lula, à frente da Presidência da República.

Frente a declarações de perfil nacional-reformista do Presidente Lula no confrontamento com a crise, o Diretório Nacional do PT lançaria em Brasília, no dia 10 de fevereiro, uma resolução com o tema É hora de aprofundarmos as mudanças e de fazer o embate ideológico. O documento, em sua grande parte, afirma resolutamente os princípios nacional-reformistas defendidos por Jango e consubstanciados pelo trabalhismo do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) pré-1964 e, mais tarde, pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), com o socialismo moreno de Leonel Brizola e Darcy Ribeiro.

No entanto, para entendermos o porquê da adoção desta linha pelo PT, é preciso que mencionemos um pouco sobre a concepção inicial da legenda petista, e das suas posteriores mudanças - ainda que em rápidas linhas.

O PT, na sua fundação e consolidação nos idos do início da década de 1980, preconizava a luta dos trabalhadores associados diretamente à concepção do tradeunismo norte-americano, a partir da livre relação entre os sindicatos, por via das "lideranças autênticas" e o patronato. Inclusive, sob este pensamento, Lula mencionaria que "a CLT é o AI-5 dos trabalhadores", negando, assim, as vitórias presentes na legislação trabalhista, disciplinando a relação entre capital e trabalho, beneficiando o conjunto da classe trabalhadora.

Divergindo das conquistas passadas dos movimentos sociais, ligados às lideranças sindicais trabalhistas e comunistas, e negando os avanços dos direitos sociais aplicados nos governos de Getúlio Vargas e João Goulart, o PT cria que o Golpe Civil-Militar de 1964 seria fruto dos erros cometidos por um movimento sindical atrelado às "lideranças carismáticas" que, com seu poder de "persuasão" e "manipulação", desviariam as consciências e os propósitos da massa de trabalhadores.

Tais divergências acompanharam a relação entre o PT e o PDT. Este, seguindo as concepções da Carta de Lisboa, faria a releitura do trabalhismo, via ao socialismo democrático, sem renegar, no entanto, as bandeiras do reformismo janguista, com as propaladas Reformas de Base, e do nacionalismo varguista. Entre o tradeunismo petista e a concepção de uma nação forte à serviço do povo brasileiro promovido pelos trabalhistas, vários foram os conflitos entre petistas e pedetistas - por vezes, unindo-se pontualmente no enfrentamento aos seus adversários ideológicos, presentes no perfil liberal-conservador do eixo PSDB-PFL - mais tarde, PSDB-DEMocratas.

Com a possibilidade real do advento do PT ao poder, a legenda, por meio de Lula, faria a famosa Carta ao Povo Brasileiro, em 22 de junho de 2002, onde estaria evidenciada a tese da ruptura continuada, ainda que em oposição à agenda neoliberal tucana de Fernando Henrique Cardoso. Sob o ideário de justiça social e de dignificação das massas populares, Lula estaria assegurando que a mudança nos rumos do seu governo não significaria necessariamente uma ruptura político-econômica. Em uma agenda social-liberal, Lula enfatizaria a melhoria das condições de vida dos segmentos mais alijados, mas traria maior segurança aos mercados.

Após a sua vitória e com a aplicação da famigerada Reforma da Previdência, o PDT passaria a estar no campo de oposição ao Presidente Lula. Todavia, as eleições de 2006, polarizando, no segundo turno, o ideário entre o nacionalismo e o liberalismo, foi a senha para o PT, enfim, reposicionar as suas bandeiras, em um projeto progressista, ampliando as bandeiras de justiça social e de desenvolvimento nacional.

Com a entrada do PDT na base aliada e a ação da legenda trabalhista à frente do Ministério do Trabalho, uma nova concepção foi formulada na defesa dos trabalhadores. Enfrentando diversas resistências, a participação do PDT foi profícua, uma vez que não admite, em hipótese alguma, a flexibilização dos direitos sociais históricos, além de condicionar os empréstimos do Poder Público às empresas que mantiverem os empregos dos trabalhadores - ainda que em meio à crise econômica -, dentre outras conquistas e concepções na defesa do conjunto da população, promovendo trabalho, renda e qualificação do conjunto dos trabalhadores.

Assim, a resolução petista, como resposta à agenda liberal do PSDB/DEM, consagra, em diversos momentos, a agenda trabalhista. No enfrentamento contra a agenda do neoliberalismo, na concentração desigual de renda e da desnacionalização da economia e do patrimônio nacional, o Diretório Nacional do PT, neste documento, ressalta o significado da atual crise, remontando ao período da década de 1930, onde "de maneira similar ao que se passou nos anos 1930, assistimos a uma disputa entre diferentes projetos: forças conservadoras, progressistas e socialistas competem para definir o desenho do mundo pós-crise".

Partindo deste pressuposto, o PT adota um perfil nacional-reformista. Isto está presente na afirmação, onde "as medidas adotadas pelo Governo Lula para enfrentar a crise estão no rumo certo: mais investimento público, mais mercado interno, mais Estado e mais integração continental. É o caso da redução da vulnerabilidade externa da economia, da criação de bases sólidas para a elevação do ritmo de crescimento econômico, da consolidação da estabilidade macroeconômica e dos significativos avanços na distribuição da renda e na ampliação do mercado interno, mediante o aumento do emprego, a elevação do salário real e os programas de transferência de renda". Partindo deste sentido, a impressão que se dá, ao longo do texto, é que há uma forte similaridade entre as concepções do antigo petebismo reformista de Jango e do PT, nas idéias associadas às Reformas de Base, a partir de "um desenvolvimentismo popular, que exigirá aprofundar o que foi feito nos últimos anos, com destaque para as reformas tributária, política, urbana, agrária, o apoio à pequena e média empresa e a democratização da comunicação social, entre outras medidas". Logo, tais linhas reformistas estão expressas na defesa de um Estado forte e intervencionista, além do aperfeiçoamento mais profundo nas instituições do Estado Democrático de Direito; igualmente, com maiores investimentos públicos no sentido de dinamizar a economia - bem à altura dos princípios keynesianistas.

Assim, tais ações resultariam em uma maior inclusão social, a partir do aumento de empregos e uma maior transferência de renda. Para tais bandeiras serem feitas, se faz necessário o enfrentamento político ideológico contra os setores liberal-conservadores, onde " nosso momento de entrar firme na luta política e ideológica, no debate nacional e local, reafirmando a correção das medidas antineoliberais dos dois governos do presidente Lula, que criaram as condições para o Brasil e o seu povo estarem mais bem posicionados nesta conjuntura. É o momento de defender as medidas tomadas pelo governo federal e de explicitar, aplicar e defender as medidas anticrise dos nossos governos estaduais e municipais. É o momento de revigorar a nossa luta sindical e social em defesa dos mais pobres, dos trabalhadores e das classes médias. É o momento de encarar os políticos do PSDB e do DEM, seus ideólogos e propagandistas, mostrar que eles não têm condições de dirigir o país, e cobrar deles políticas anticrise nos Estados e cidades onde ainda detêm o poder".

Em suma, na defesa da inclusão social e da maior empregabilidade dos trabalhadores, o PT ainda utiliza o argumento em prol dos direitos trabalhistas, diferente da concepção de grande parte da intelectualidade e dos políticos tucanos e democratas. A defesa ao conjunto dos trabalhadores se dá por meio de uma posição enfática, inclusive na intervenção do Poder Público em defesa da população, certo de que "o PT se posiciona contra as propostas de flexibilização de direitos trabalhistas que estão sendo defendidas por parte do empresariado brasileiro, com apoio de setores da mídia. O PT repudia a postura de setores empresariais que lucraram muito nos últimos anos e, diante das primeiras dificuldades, recorrem às demissões como forma imediata de ajuste. Em especial, as empresas que especulavam com derivativos e se atolaram em dívidas a partir da irresponsabilidade de seus gestores. Que o BNDES faça constar nos contratos de empréstimos às empresas cláusulas que impeçam a demissão de trabalhadores".

Estado Intervencionista, defesa aos trabalhadores, soberania nacional, combate à agenda liberal, reformas. Bandeiras que, se analisadas, são literalmente boa parte da cópia dos documentos defendidos por trabalhistas ao longo dos tempos - como alternativa às concepções conservadoras. Da mesma forma, o PT encara, neste documento, a atual conjuntura, vendo nela dois projetos bastante antagônicos: "De um lado, as forças progressistas e de esquerda, que querem dar continuidade à ação do governo Lula, reduzindo desigualdades sociais e regionais, ampliando o investimento público, fortalecendo o papel indutor e planejador do Estado, gerando empregos e distribuindo renda, fortalecendo a saúde, a previdência e o ensino público, exercendo uma política externa que fortalece a soberania e a integração continental. De outro lado, as forças neoliberais, conservadoras e de direita, que de 1990 até 2002 privatizaram, desempregaram e arrocharam o povo brasileiro, implementando em nosso país as mesmas políticas que estão na raiz da crise mundial".

Sendo assim, nada mais resta a perceber o grau tamanho de similaridade entre a resolução do Diretório Nacional do PT e as bandeiras do trabalhismo. Na defesa de um Estado Interventor, priorizando os seus concidadãos, sob o ideário de justiça social e de cidadania, o PT, sem perceber, aproximou-se daquilo que, há anos atrás, sentia repulsa - negando os avanços presentes a partir da Revolução de 1930 ao país e ao conjunto do povo brasileiro.

PT: seja benvindo ao ideário trabalhista!