Família é alicerce, não prisão

Sob o ângulo da Psicopedagogia – área em que estou envolvido na condição de estudante – a família tanto pode ser uma base sólida para a ampla aprendizagem de seus membros quanto pode ser areia movediça sob seus pés. Consciente ou inconscientemente, muitos pais fazem de seus filhos verdadeiros reféns da superproteção ou, no outro extremo, do descaso. De uma forma ou de outra, crianças e adolescentes chegam à vida adulta inseguros, dependentes e com a auto-estima fraturada.

A atual “novela das 8” da Rede Globo – Caminhos das Índias – traz dois núcleos em que esse tema fica bastante evidente. Um deles é o do casal César (personagem do ator Antonio Calloni) e Ilana (Ana Beatriz Nogueira), cujo filho – Zeca (Duda Nagle) – é um adolescente mimado, vazio e perverso. Ele (acompanhado de sua turma) é capaz das piores ações dentro e fora da escola, mas se sente motivado a cultivar esta personalidade agressiva dentro da própria família.

Nesse núcleo o pai, que apresenta as características típicas de um malandro capaz de tudo para subir na vida, não só acoberta o mau caratismo do filho como o incentiva a seguir por este caminho. A mãe, visivelmente fútil e interesseira, usa um dos artifícios mais comuns dos pais quando não querem enxergar os defeitos dos filhos: culpam os outros por tudo que acontece de errado com eles.

O segundo núcleo é o do casal Ramiro (Humberto Martins) e Melissa (Christiane Torloni), que tem como filhos Tarso (Bruno Gagliasso) e Inês (Maria Maya). Sem conseguirem moldar o comportamento da filha, que vive escancaradamente o seu próprio estilo de vida, Ramiro e Melissa depositam em Tarso todas as suas expectativas. Ele vive tão sufocado que o emocional dá claros sinais de que está prestes a entrar em colapso.

Ramiro, na condição de um empresário arrojado e com bem pouca sensibilidade para o que não seja a empresa da família, usa dos piores artifícios para forçar o filho a ser sua cópia. Melissa, por sua vez, é completamente mergulhada em seu próprio narcisismo, repleto de futilidades. Exatamente por isto, enxerga o filho como uma espécie de príncipe encantado, um bibelô a quem idolatra e esconde das namoradas (todas vistas como concorrentes da atenção do rapaz). Marido e mulher, por outro lado, fazem questão de rechaçar Inês por sua estética dark-punk, colocando-a como o oposto indesejado do irmão Tarso. Ela, por sua vez, parece ser a única madura e bem resolvida da família, embora na realidade ninguém que viva num ambiente tão artificial consiga escapar ileso.

Ficção à parte, esses dois núcleos de Caminhos da Índia são bastante verossímeis. Muito provavelmente todos têm em suas próprias famílias (ou sabem de alguém que tem) versões bem palpáveis de Zeca, César, Ilana, Ramiro, Melissa, Inês e Tarso. Que professor nos dias de hoje já não se deparou com comportamentos censuráveis de crianças e adolescentes e se sentiu ameaçado com o respaldo de seus pais?

Novamente recorrendo à Psicopedagogia, cito dois conceitos que devem ser interiorizados por quaisquer profissionais que atuem ou queiram atuar nesta área: autonomia e alteridade. O primeiro é o que se deve buscar em todo e qualquer processo de aprendizagem (seja no âmbito da escola, seja na escola da vida): o andar com as próprias pernas. O segundo vem justamente a partir do momento em que o sujeito se afirma e confia na sua própria capacidade de pensar e agir. A alteridade é a busca consciente de interação com o outro; é o lidar com as diferenças, respeitando-as e aprendendo com elas.

Fica fácil concluir que o papel da família (e da escola) na educação de crianças e adolescentes passa pela necessidade de proporcionar a eles o terreno fértil para se cultivar a boa subjetividade (aqui sinônimo de autonomia) e os primeiros passos que os levem à intersubjetividade (a alteridade que constrói as pontes entre o eu e o outro). O que jamais pode faltar nesta receita são fartas pitadas de amor, atenção, firmeza de caráter e espiritualidade.

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 13/03/2009
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