MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS: CENÁRIO DE UMA REALIDADE SOCIAL

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DANIELA MATOS CARVALHO

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS: CENÁRIO DE UMA REALIDADE SOCIAL

Análise critica apresentada á disciplina Critica Literária: Estudos e Edições, do curso de Graduação em Letras Vernáculas, da Universidade do Estado da Bahia.

CAETITÉ-BA

OUTUBRO-2008

APRESENTAÇÃO

Este presente trabalho surgiu de diversas discussões feitas em sala de aula na disciplina Critica Literária: Estudos e Edições, sendo que através desta foi proposto pelo professor uma análise crítica como trabalho final não somente do componente curricular, mas também como resultado de minhas leituras, indagações e reflexões frente às obras machadianas.

Sendo assim a obra na qual farei um diálogo entre meus conhecimentos e respaldos teóricos será “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Sendo de cunho extremamente realista e de profundos aspectos importantes para Literatura Brasileira, procurarei abordar na análise como tal obra foi e sempre será um marco em nossa Literatura.

Para tal efetivação de um diálogo entre meus conhecimentos prévios e dos teóricos, a análise contará com os argumentos de alguns como: Nádia Battella, Alfredo Bosi, Afrânio Coutinho e Lúcia Miguel - Pereira.

INTRODUÇÃO

No auge de uma efervescência de correntes filosóficas, do capitalismo ganhando espaço em todos os pólos, surge entre a sociedade um ambiente materialista no qual cada um deveria agir conforme a razão. Nesse contexto eclode-se na Literatura um novo ideário de descrever a vida como ela é, ou seja, retratar fielmente a vida contemporânea para desnudá-la, criticá-la e transformá-la.

Dessa forma o Realismo acontece em ruptura aos padrões romanescos que ainda estavam vigentes na época. A coexistência de um clima de idéias liberais e objetivas vão num passo gradativo deixando a arte romanesca à margem, pois o que importava era descrever sobre a realidade e criticá-la quando necessário; dramas de amores impossíveis, série de mitos idealizantes não fariam mais parte da literatura e nem da vida cotidiana da sociedade.

A nova geração realista buscava compor uma literatura imune a tentações da fantasia, do amor-fatalidade, do escapismo. Tal façanha foi possível porque os escritores realistas, tomados de uma consciência objetiva e imparcial, buscaram no cotidiano, no dia-a-dia da burguesia mesquinha, dos bairros periféricos comporem suas obras denunciando e criticando os segredos e falcatruas da sociedade.

Nesse sentido destacam-se vários escritores que irão redescobrir a Literatura Brasileira, isto é, escrever para procurar a verdade brasileira, e não mais para ocupar os ócios das senhoras sentimentais ou de um cavalheiro dado a leituras frívolas. Podemos destacar Aluisio de Azevedo e Machado de Assis.

Segundo alguns críticos o ponto mais alto e mais equilibrado da prosa realista brasileira encontra-se nas obras de Machado de Assis. Joaquim Maria Machado de Assis desde cedo vivenciou e presenciou as conseqüências de uma sociedade mesquinha, pois negro, gago e órfão de pais pobres, somente adquiriu status após muito trabalho e decepções na vida, no entanto, Assis não abaixou a cabeça para os sofrimentos,ao contrário, usou a favor de sua vida instaurando assim um realismo psicológico na Literatura Brasileira.

Em 1881 Machado instaura no Brasil o romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas” no qual realiza a superação do estilo europeizado, dando um salto estético literário em vários aspectos como a crítica a linguagem tradicional da narrativa, com micro capítulos digressivos, enredo não-linear, constante metalinguagem, estilo anti-retórico, análise psicológica; humor sutil, visão metafísica aguda e diversas ambigüidades no decorrer do enredo.

Com estes recursos Machado destrói com qualquer visão romântica, justo porque o que ele pretende não desmerecer o movimento romântico, mas lapidar a Literatura Brasileira tão enrustida e dependente de padrões europeizados.

Sendo assim “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, obra em análise,conta a história de um defunto-autor (Brás Cubas) que por medo de tentar arriscar-se nos encontros e oportunidades que a vida o oferecia, morre sem ter realizado um grande feito como: construir uma família, ter um filho ou uma carreira promissora. É uma criança que cresce tendo empregados, um jovem que se desenvolve nas noites com mulheres, é um homem que não conhece suas escolhas, seus sonhos.

Brás Cubas é um personagem da elite brasileira do século XIX, no entanto não se compara a algum homem da época, pois não assume nenhuma liderança em sua vida. Seus sentimentos são construídos ao longo da narrativa como indecisos e duvidosos.

Sendo uma obra de leitura difícil, mas de profundo enriquecimento é preciso lê-la com prazer, saber e poder, pois há em toda sua trama uma genialidade machadiana em nos confundir, persuadir e até mesmo fugir da leitura por ser tão enigmática.

O belo romance machadiano inicia-se da seguinte forma “Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo principio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte... duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor,... a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo”.

No trecho citado acima podemos perceber já de início uma característica marcantes na obra. O narrador que atua na espécie de narrador-observador e protagonista, que conduz o leitor a acreditar em sua possível liberdade de agir conforme sua vontade. O foco narrativo exposto por Machado em Memórias Póstumas constitui uma aversão aos outros padrões, pois é o “defunto-autor” que narra a história da sua vida após uma suposta “ressurreição”.

Afrânio Coutinho (1990, p.187) grande crítico literário acrescenta que “A narrativa move-se lentamente. Pela própria natureza da técnica, que é minuciosa, e pelo maior interesse na caracterização do que na ação, o realista dá a impressão de lentidão, de vaivens, de marcha quieta e gradativa pelos meandros dos conflitos, dos êxitos e fracassos”.

A respeito da revolução que a obra causou Afredo Bosi faz seu parecer da seguinte forma:

A revolução dessa obra, que parece cavar um fosso entre dois mundos, foi uma revolução ideológica e formal: aprofundando o desprezo as idealizações românticas e ferindo no cerne o mito do narrador onisciente, que tudo vê e tudo julga, deixou emergir a consciência nua do individuo, fraco e incoerente. O que restou foram às memórias de um homem igual a tantos outros, o cauto e desfrutador Brás Cubas (BOSI, 1994, P.197).

Os principais personagens como Brás, Virgilia, Eugênia, Lobo Neves, Dona Plácida são espécies de antimodelos românticos, pois são heróis ou vilãos que não obtêm finais felizes, não conseguem ascensão no plano social, econômico e nem afetivo. Nesse sentido Afrânio Coutinho salienta que “a ficção realista se distingue pelo predomínio da personagem sobre o enredo, da caracterização sobre a ação, do retrato de indivíduos e da crônica de suas vidas sobre os incidentes”, isto é, o que prevalece é descobrir e detalhar os segredos mais vis, íntimos e promíscuos das personagens, é desvendar os medos e anseios que alma esconde.

Brás ao se envolver com diversas mulheres pensava imediatamente nas possibilidades de se casar, mas tal feito nunca se realizou, pois inflexível e atormentados pelos pensamentos desconectados da realidade acabam o direcionando ao fracasso. Na juventude, envolve-se com Marcela, uma cortesã espanhola que o ama “ durante quinze meses e onze contos de réis”. O pai sabendo do envolvimento manda-o à Europa para estudos aos quais pouco se dedica. Ao retornar, almeja casar-se com Virgilia, num negocio do pai, no entanto ambos não dão certos e Brás perde a noiva e o cargo. Nesta última tentativa com Virgilia sucede mais uma característica de Machado, ou seja, o adultério.

Revoltado pela perca duas vezes, Brás tenta reconquistar Virgilia de todas as formas e o que consegue é ser amante, ser cúmplice de um ato que a própria Virgilia alimentou. Mais uma vez percebemos que a obra torna-se complicada quando se tem muitas características para se analisar e refletir.

Lúcia Miguel-Pereira nos traz uma bela crítica quando ressalta o peculiar humor irônico nesta obra:

Em Memórias Póstumas de Brás Cubas ousadamente, varriam-se o moralismo superficial, a fictícia unidade da pessoa humana, as frases piegas, o receio de chocar preconceitos, a concepção do predomínio do amor sobre todas as outras paixões; afirmava-se a possibilidade de construir um grande livro sem recorrer à natureza ou escapismos.

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Em Memórias Póstumas Machado delimita todo o seu enredo, em um álbum de retratos alicerçados no psicológico de seus personagens: características como a ironia, a digressão; o texto não linear; as idéias inacabadas; o referencial de textos filosóficos entre outras constituem a visão literária Machadiana além da época.

De acordo com a malicia que sugere a respeito de si próprio, Brás Cubas foi um menino matreiro, merecedor do apelido de “menino-diabo” que lhe fora dado: maltratava os escravos,mentia, escondia o chapéu das visitas, possuía um temperamento maligno, contando com a cumplicidade do pai e com a fraqueza da mãe, sempre omissa em relação a ele.

Crescendo nesse contexto familiar que o favorece e justifica as peraltices, transforma-se num adulto egocêntrico, mentiroso, cínico, atribuindo-se uma importância indevida, para assim disfarçar a seqüência de fracassos a que, sua vida reduziu.

Machado soube através desta obra seleta, trabalhar com o psicológico do leitor, pois este dialoga,persuadi,interroga, impera diversas falas que levam o leitor a desistir ou encarar até o fim o desafio de descobrir o que ambos( narrador e escritor) pretendem com a história.

“[...] Começo a arrepender-me deste livro. Não que ele me canse; eu não tenho que fazer; e realmente, expedir alguns magros capítulos para esse mundo sempre é tarefa que distrai um pouco da eternidade. Mas o livro é enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa contração cadavérica, vicio grave, e, aliás, ínfimo, porque o maior defeito deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar, tu amas a narração direta e nutrida, o estilo regular efluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios,guinam à direita e à esquerda,andam e param, resmungam, urram,gargalham ameaçam o céu”...

Neste trecho acima o que podemos observar como tamanha audácia do defunto-narrador é provocante. Machado utiliza da metalinguagem, ironizando o leitor apressado e acostumado aos folhetins, isto é, uma narração linear e direta. É a forma mais direta e irônica de provocar o pensamento do leitor, que provavelmente alcançou algumas pistas, mas para não o perder (leitor) usa desses artifícios incutindo o desejo à curiosidade de desvendar em cada entrelinha um segredo, uma pista, um erro.

Lúcia Miguel-Pereira salienta que:

A independência literária, que tanto se buscara, só com este livro foi selada. Independência que não significa auto-suficiência, e sim o estado de maturidade intelectual e social que permite a liberdade de concepção e expressão. Criando personagens e ambientes brasileiros, bem brasileiros. Machado não se julgou obrigado a fazê-los pitorescamente típicos, porque a consciência da nacionalidade, já sendo nele total, não carecia de elementos decorativos. [...] e por isso pode entre nós ser universal sem deixar de ser brasileiro.

Sendo assim ao utilizar os recursos estilísticos Assis não distancia simplesmente dos escritores do seu tempo, mas também o transformam em anunciador da modernidade literária, isto é, das obras produzidas no século XX.

A última tentativa de Brás é tentar criar algo diferente que chamasse a atenção da sociedade. A invenção de um emplasto contra a hipocondria, isto é, um remédio pra curar os males da humanidade foi o ultimo projeto que não deu certo como todos os outros.

Segundo o narrador tal projeto não deu certo porque ao sair de casa, ironicamente contrai uma pneumonia. Toda via, mais uma vez o leitor fica entre cruzilhadas, pois pode acreditar que realmente Brás pela primeira vez queria realizar algo ou então o defunto-autor utiliza do artifício da morte, para mascarar seus fracassos e já estando numa certa idade poderia morrer a qualquer momento.

A força da obra está nas não-realizações. O que permanece é o vazio da existência do protagonista. Esse romance poderia ser conceituado como a historia dos caprichos da elite brasileira do século XIX e seus desdobramentos, contexto do qual Brás é, relativamente, representante. O mais importante não é a realização ou não dessas veleidades, mas o direito de tê-las, que está reservado apenas a uns poucos da sociedade da época.

Machado alia nesse romance a sutileza, expondo muitos problemas de nossa sociedade que existem até hoje. Daí o prazer da leitura e a importância de seu texto, pois atualizam, de forma irônica, os processos em que nosso país foi formado, suas contradições e os desmandos que ainda estão presentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sendo assim, Memórias Póstumas de Brás Cubas inaugura o Realismo peculiar, que se aprofunda no mergulho em busca do real, deixando de lado de todas as suas aparências enganadoras, as suas esquematizações simplificadoras.

Além da negação do herói e da estrutura tradicionais da literatura realista, a obra questiona os modelos literários e ideológicos importados pelo Brasil. É uma obra que instaura não somente na Literatura Brasileira, mas entre os leitores brasileiros, a reflexão acerca da realidade brasileira, de uma literatura que mostra,denuncia,critica o lado ruim e bom da vida social do nosso país.

Há nesta obra uma infinita discussão sobre os aspectos machadianos que podem ser analisados e investigados por leitores que tenham afinidades e/ou curiosidades. Assim nesta análise procurei de forma sucinta, mas objetiva, expor um pouco desta obra magnânima tão comentada nos âmbitos literários, antropológicos, sociais e políticos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 3ª ed. São Paulo: Ed. Cultrix, 1994.

COUTINHO, Afrânio. Introdução À Literatura No Brasil. 15ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1990.

PEREIRA, Lúcia Miguel. História da Literatura Brasileira. Prosa de ficção (1870-1920). Rio de Janeiro. Ed. MEC, INL, 1973.

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Dani Drummond
Enviado por Dani Drummond em 31/03/2009
Código do texto: T1515808
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