NAVEGAR É PRECISO..... VIVER, NÃO É PRECISO...

Dia após dia, diante da tela, venho, vejo, converso, rio, sinto, faço amigos, leio bobagens, mas, sobretudo, observo...

Chamados loucos, geeks, nerds, há mesmo quem nos julgue alienados da vida... O que nos traz aqui? O que nos move e nos une?

Vivendo num mundo em ebulição, na correria cotidiana, estamos cada vez mais sós, fechados dentro das próprias casas, cansados do dia-a-dia do trabalho... sós e principalmente carentes...

Sentamos diante da tela, comodamente, entramos numa sala, tantas pessoas ali, assuntos diversos, personalidades heterogêneas, mas todos em busca.... Buscando quem nos ouça... deixando a alma se revelar em palavras, algumas vezes em canções...

Alguns escancaram a carência sexual, seja com nicks apelativos, frases por vezes grotescas, ou pedidos para que abram cams, um apelo por compartilhar intimidades com quem se dispuser, alguns demonstrando já um vício em tal forma de resolver necessidades da carência física, que chega a assustar, mas não é apenas isso.

Existe uma pessoa de verdade do outro lado da tela, com sentimentos, emoções, problemas, carinhos e carências...

O encontro é relativamente simples, donde teclas? Idade? E perguntas que nem sempre têm real importância, os chamados “kit uol”, por vezes aborrecem, noutras prenunciam um papo que se alonga...

Muitos negam buscar alguém, mas buscam sempre... E abrem a alma, falam do mais profundo de si, de um modo que, outrora, encontros reais levariam longo tempo a permitir. Nos abrimos mais, expomos o sentir, o pensar, muitos com certa ingenuidade, pensando-se protegidos pelo nick, pelo espaço entre o monitor e o sujeito na cadeira. Mas quem pensa que o virtual não afeta o que somos, engana-se.

Não existe um mundo paralelo, onde ao desligar o botão, você desligue emoções. O virtual permeia, sim, o real que vivemos.

Há quem diga criar personagens ao teclar... podem criar nicks, fingir um pouco, mas tudo tem um fundo de verdade. O sentir não é fictício.

Os morenos altos, disponíveis, que na realidade podem ser baixinhos, comuns e indisponíveis, em verdade sentem dentro de si a personagem que empregam, e com que julgam enganar a outros. Enganam-se somente a si mesmos, ainda que por algum tempo haja quem possa crer neles, a personagem é sempre fraca, desprovida de conteúdo que a faça permanecer por tempo longo, e a pessoa acaba por entregar-se.

Há os que fingem amizade, mas verdadeiros vampiros, invejam o outro, e logo mostram os dentes.... Triste isso... pessoas incapazes, passam a ofender sob nicks estranhos, ou caluniar, ou, pior ainda, aproximar-se dos que nos são caros, e sob pele de cordeiro, buscarem minar uma amizade, um amor... unicamente para tentar obter o que conseguimos de bom daquela pessoa. Há momentos que me enojam, noutros sinto pena, um interior profundamente vazio o dessa gente.

Muitos, aproveitando-se da obscuridade do nick, chegam a colocar-se como de sexo diferente do que são, aproximando-se de alguns com demasiado cuidado e atenção e se fazendo amar, mas sempre fugindo de um encontro cara a cara. Como disse, nada é fictício... tais pessoas trazem mesmo dentro de si inclinação para o desejo pelo mesmo sexo, mas temem mostrar-se como são, julgando assim, facilitar a conquista. O que parece simples, contudo, pode ter o seu reverso. A pessoa, sob a personagem, se apaixona, mas não se pode revelar, causando dor a si mesma, e por vezes, causando paixões avassaladoras que só levam ao sofrer.

Mas nem tudo são coisas ruins por aqui. Há pessoas que encontram amigos verdadeiros, ainda que completamente diferentes de si, uma amizade que extrapola a tela, a cam, o microfone... Amigos pra quem se liga, com que se encontra, juntos riem, choram, dividem momentos.

E, sim, há o amor... extrapolando distâncias, diferenças, classes sociais... Há os que realmente amam, descobrem aqui a pessoa que os faz felizes, ainda que seja por apenas algum tempo. Raro, mas não impossível, o amor existe sim, no mundo virtual.

A vida continua, imprecisa,com seus percalços cotidianos, mas... é preciso nos dar conta que hoje o virtual é parte sim, integrante de nossa vida real. Salas de bate-papo tomando lugar de conversas na calçada de outrora, ou de flertes à porta da missa dominical.

Apenas uma mudança de interface, na vida nossa de cada dia. Importa é atentar para isso: existe alguém como a gente mesmo do outro lado da tela, que sente, ama e sofre também. Urge deixarmos de brincar com o sentir alheio, pois, por menos que pareça, isso afeta também a nós mesmos.

Navegar é preciso, hoje, como o foi na época dos descobrimentos, mas o viver não é preciso, não tem precisão metódica, saibamos como viver de modo justo, digno e solidário.