A Revolução dos Cravos e a Literatura Portuguesa

O dia 25 de abril de 1974 foi um marco histórico para Portugal. As ruas, antes cobertas e reclusas pelo medo imposto por meio das repressões da ditadura salazarista, foram ocupadas por militares munidos de cravos ao invés de balas – daí o nome que foi atribuído ao movimento, Revolução dos Cravos -, em uma das poucas ações pacíficas bem-sucedidas no país. A intenção do Movimento das Forças Armadas era, desde o início, garantir que o vermelho atribuído ao processo fosse somente o das flores. O governo que até então regia Portugal, o Estado Novo, havia se instalado com a promessa de atender aos ideais da sociedade portuguesa, desgastada pela sucessão de perdas econômicas e territoriais. No entanto, o que antes parecia uma solução utópica para os problemas de Portugal, acabou se tornando a principal opositora à liberdade de expressão do país.

Durante o período de ditadura, a censura intimidava a sociedade, perseguia os intelectuais e inibia as produções artísticas. Sob essas condições, as manifestações publicadas, quando conseguiam passar pelo filtro dos censores, apareciam escondidas numa linguagem alegórica e coberta de metáforas. Com o fim do governo fascista fundado por António de Oliveira Salazar, a produção artística se tornou mais intensificada, ou mesmo mais divulgada, uma vez que foram eliminados os recursos opressores que impediam a livre manifestação de idéias através das artes. Essa abertura, apesar da influência que teve nas obras e publicações, não significou uma mudança instantânea no processo de criação literária e artística, mas sim uma continuidade do que já estava sendo construído, antes e depois da revolução, em termos de identidade nacional. Portugal estava em busca de uma vestimenta exclusiva a que pudesse atribuir-se, uma forma de expressão que fosse considerada genuinamente lusitana. O romance e as demais manifestações artísticas atribuídas ao período pré e pós Revolução dos Cravos foi que definiram essa identidade, que encontrou na linguagem intertextual, nos múltiplos discursos e na pluralidade dos meios ficcionais, sua maneira própria e única de se expressar.

O tema mais recorrente nas obras ficcionais era a Guerra Colonial na África, que durou um período compreendido entre 1961 e 1975. Diferente da maneira pacífica como se deu a Revolução dos Cravos, a Guerra Colonial envolveu muitas perdas e derramamento de sangue. As produções literárias a respeito do assunto focavam no teor crítico da Guerra, como uma forma de recuperar e retratar, na ficção, a sucessão de barbáries cometidas por Portugal contra a África, que teria sido pouco falada, ou mesmo omitida, pelos portugueses. O romance reflete um momento de mudanças e questionamentos próprio do país na época, que procurava sua auto-definição. Essa mistura entre a História e a Ficção, e a busca por dados e vivências que fossem reais, não impediu que a linguagem criativa utilizada nas obras fosse explorada ao máximo, dando forma a uma característica que poderia ser incorporada como literatura portuguesa.

José Saramago também participa desse contexto de metaficção historiográfica. Diante da característica do romance envolvido com a Revolução dos Cravos, em que as narrativas encontravam histórias reais incorporadas em personagens fictícios, Saramago criou suas personagens baseadas na desmistificação dos heróis. São pessoas que foram esquecidas ou relegadas pela História Oficial, através das quais o autor procura tratar, de forma ideológica e com caráter de denúncia, a opressão dos tempos e a constante luta pela liberdade. A leitura das obras de José Saramago impõe um acompanhamento contínuo da narrativa, em que o leitor se identifica com a capacidade do narrador de se transmutar em outro e aderir a diferentes personagens, focalizando e dando voz a cada uma delas, através da pluralidade de narrativas características do romance desencadeado após a revolução de abril em Portugal. Saramago trata de pessoas reais por trás da ficção, que engloba o contexto português tanto do passado quanto do presente, através de uma linguagem experimentativa que busca a reflexão sobre valores e a representação do universal e do plural.

O romance português encontrou, no contexto tanto anterior quanto posterior à Revolução dos Cravos, a sua característica marcante e a sua identidade. Uma literatura que envolve toda a vivência dos portugueses da época da ditadura salazarista, a passagem pela revolução e os dias de hoje, através de uma linguagem metafórica e plural. O pensamento acerca da história e a busca por sua recuperação, nos altos e baixos, também marcam as idéias artísticas das produções essencialmente portuguesas.

BIBLIOGRAFIA

LIVRO

SECCO, Lincoln. A Revolução dos Cravos: a crise do império colonial português. São Paulo: Alameda, 2004.

ARTIGOS (consultados pela internet)

FLORY, Suely Fadul Villibor; CAMOCARDI , Elusis Mrian. A “Revolução dos Cravos” e suas representações na mídia e na literatura. COMUNICAÇÃO: VEREDAS, Ano III - Nº 03 - Novembro, 2004

ROANI, Gerson Luiz. Sob o vermelho dos cravos de abril – Literatura e Revolução no Portugal contemporâneo. Revista Letras, Curitiba, n. 64, p. 15-32. set./dez. 2004. Editora UFPR

PÁGINAS NA INTERNET

http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_dos_Cravos

http://www.unificado.com.br/calendario/04/cravos.htm

Cynthia Funchal
Enviado por Cynthia Funchal em 27/04/2009
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