Por que Tantos Lêem Tão Pouco

“Leitores, sem dúvida, é o que de mais precisamos.”

Outro dia, li um texto (1) bem interessante, no qual o autor ocupava-se com a questão do porquê lemos tão poucos livros. Indícios de possíveis causas foram dados, girando em torno de custo, disponibilidade, falta do hábito de leitura - e de formadores desse hábito -, e até preguiça! Fiquei com esse tema (complexo) um bom tempo na cabeça, principalmente no tocante à preguiça. Ao final, acabei concordando com vários dos pontos colocados, só que com algumas ressalvas... Ei-las aqui!

CUSTO

Em grandes centros, como São Paulo por exemplo, poder-se adquirir 4 livros de bons autores por R$ 20,00, ainda que seja num sebo, leva muitos a concordarem que livro, no Brasil, não é tão caro assim. Porém, pense numa mãe de família, mais de 55 anos, que vive numa das capitais mais pobres do Brasil, e mal concluiu a quarta série. Dona Maria é diarista. Faz faxina, lava e passa roupas em casas da classe média e, ao final de cada dia de trabalho, recebe R$ 25,00. É certo que outras colegas cobram mais, R$ 30,00 a diária. Porém, como Dona Maria não teve instrução, nem tem lábia suficiente para barganhar um preço justo, aceita só os 25 mesmo.

Se não necessitasse tanto desse dinheirinho, talvez até brigasse por mais R$ 5,00... Comportamento contraditório? Mas que nada, melhor 25 na mão do que 30 voando! E em tempos de vacas magras, mal consegue manter 2 diárias por semana. Ao final de quatro semanas, se conseguir R$ 200,00 já é muito! E essa renda tem que dar para alimentação, transporte, energia elétrica, gás e telefone - um “luxo” necessário, pois sem ele os “clientes” não teriam como se comunicar com Dona Maria.

Sem falar em vestuário, saúde, lazer e outras tantas coisas que, pelo menos no ideal, são requisitos de qualidade de vida. Ah, e uma parte tem que ir para a Previdência, como autônoma, pois Dona Maria sonha, um dia, poder se aposentar - e finalmente ganhar um salário-mínimo! Tá certo que seus filhos contribuem como podem e que “a união faz a força”. Mesmo assim, coço-me para saber como se dá o milagre da multiplicação dos pães e peixes na casa de Dona Maria. Como será que conseguem sobreviver com tão pouco?

Agora pense: se você fosse essa senhora, que prioridade daria, em sua lista de necessidades, para a compra de livros? Livro, no Brasil, realmente não é caro, porém para aqueles que estão em níveis mais altos na pirâmide das necessidades. Quantas pessoas você conhece vivendo em situação semelhante à de Dona Maria, no Brasil? Eu conheço várias. E são pessoas para as quais o “bolsa família” não é dinheiro público mal-empregado, de jeito nenhum. Bom, como não estou aqui discutindo políticas assistencialistas, guardem as pedras por enquanto. Voltemos ao ponto da cultura literária, ou melhor: à falta dela.

INTERESSES

Completando o quadro da pobreza, não penso que haja 100% de interesse por parte dos “donos” do poder, no Brasil e no mundo, em formar cidadãos conscientes. Não... Quanto mais massa de manobra, melhor! Talvez por isso a campanha (disfarçada): mil e uma facilidades para que todos possam adquirir TV, leitor de DVD, até antena parabólica, tudo em suaves prestações, e sem juros! - Me engana que eu gosto... Dinheiro tem mais é que circular e o negocio é fazer o povo comprar, e se endividar. Sempre me pergunto por que quase nunca sobra dinheiro público, ou vontade política, para se investir - mas.si.va.men.te - em Educação, Cultura e Desenvolvimento. Dinheiro para mordomias de políticos sempre tem; para promover a educação do povo, não... E é por isso que, hoje em dia, aposto muito mais nas ações da sociedade civil do que nas governamentais.

NOVAS MÍDIAS

Também não condeno quem prefere comprar um DVD, ao invés de um livro. Antes condenaria os que estão por trás da máfia dos produtos piratas, aproveitando-se do nicho. Num DVD, têm-se tudo ao mesmo tempo: texto, som e imagem. Nem é necessário promover uma cultura pró-DVD, pois a nova mídia fala por si só. Em visita recente a uma das capitais mais pobres do Brasil, notei que quase não havia mais lojas de CDs pela cidade.

Havia sim uma febre de locadoras de DVDs e, infelizmente, também um comércio (descarado) de DVDs piratas. Observa-se uma tendência natural das novas gerações - os que já nasceram High Tech -, em rejeitar o livro convencional. Há estudos recentes (2) mostrando que jovens “digitais” têm conexões cerebrais bem diferentes das gerações mais velhas, ou imigrantes “digitais” –os que SE ADAPTARAM a toda essa tecnologia que temos aí.

Gary Small, em seu livro iBrain, observa diferentes funcionalidades nos dois tipos de cérebro, e chama a atenção para uma região especial, que seria conseqüência da interação entre NOVO e VELHO – chamada Brain Gap. Nessa região estariam novas habilidades adquiridas, necessárias para a adaptação do VELHO ao NOVO comportamento. O livro sugere vantagens mais para os imigrantes, que desenvolveram esse GAP, do que para os nativos, que só conhecem o NOVO. Aponta também o requisito da integração de novas e velhas habilidades, essencial para a formação do CÉREBRO DO FUTURO.

Os ditos “nativos” trariam já habilidades inatas para lidar com múltiplas tarefas, em paralelo. Isso porque a informação em seus cérebros, pela evolução, passou a ser codificada de outra forma. Isso explicaria o porquê de métodos convencionais de leitura e aprendizagem serem, para essa geração, pouco estimulantes, intragáveis até. Muitos jovens rotulam livros e TV (simples) como “chatos”, e dizem que livros dão sensação de isolamento.

Essa geração quer estar conectada o tempo todo e - Viva! Uma luz no fim do túnel: - quer blogar, interagir. Eles lêem sim, só que muito diferente das antigas gerações. Efeitos da tecnologia no cérebro é outro tema fascinante - e há muito o que se questionar! Porém, voltando ao tema deste texto, em se tratando de formar bons leitores (digitais ou não), o que precisamos é de novas estratégias. Já topei com um tal de LIVRO-CLIP. Interessante, muito interessante...Novas mídias vieram pra ficar e temos mais é que tirar vantagens delas.

Sim, mas voltemos agora ao caso dos sem-recursos e excluídos digitais. Agora têm-se os E-livros e muitos deles podem ser baixados de graça, legalmente. Na casa de Dona Maria tem TV, DVD e telefone, mas computador, impressora e internet (rápida) ? – Ah, aí já é pedir demais! Esses continuam sendo artefatos de luxo, coisa estranha para a maioria das famílias – pobres - no Brasil. Para mim é até difícil pensar em computador sem internet, e olhe que eu comecei usando XTs... E parece que foi “insturdia mermo”...

DISPONIBILIDADE

Sim, mas com todas as facilidades de hoje, por que será ainda tão difícil a disponibilização de livros impressos? Digo, obras de domínio público, com reprodução e distribuição devidamente autorizados. Mesmo sendo ação de editoras e livrarias, um tipo de campanha para ganhar novos leitores... Sim, e por que não? Não sou mais tão ingênua a ponto de pensar que empresa alguma dê algo de graça a alguém. Nem que fosse propaganda, pois alguma coisa por trás tinha que ter! Ainda assim! O importante seria a distribuição de bons livros, por exemplo, a bibliotecas escolares e comunitárias, a promoção de espaços de leitura e eventos culturais.

Parece-me que, pelas bandas de cá da Europa, muito mais pessoas lêem. A qualidade da leitura é até questionável, mas o importante é que lêem muito. Não só pela riqueza ou pela cultura do povo, creio eu, muito mais pelas facilidades e disponibilidade de recursos. Por aqui sim, só não lê quem não quer, ou tem preguiça! Pois equipamentos, recursos e acervo atual é o que não falta. Toda cidadezinha, por menor que seja, tem uma biblioteca pública, moderna e organizada, com espaços para estudo e leitura e cobrando apenas taxas simbólicas dos usuários. E pode-se tomar emprestado de tudo: livros, revistas, CDs, DVDs, etc. Já em cidades brasileiras pequenas e pobres, como a de Dona Maria, a coisa é bem diferente...

Quando era estudante, lembro-me que em minha cidade havia poucas bibliotecas públicas – umas três, se não me engano – e todas elas tinham enormes deficiências no acervo. Todos os livros que os professores recomendavam, esses nunca se encontravam nas bibliotecas. E quando tinha no acervo estavam todos, na maioria das vezes, emprestados. Era uma dificuldade de acesso terrível!

Daí que muitos estudantes pobres – pobres mesmo! daqueles de maré-maré-maré – tinham que recorrer à xérox, o que também não era nada barato. Isso porque professor algum ia esperar disponibilidade de livro para aplicar exames. Estudante carente às vezes se pega em situações assim: ou você entra na contravenção da fotocópia ou não se forma – e isso antes da próxima greve de professores que, no meu tempo, fechou - umas quatro ou cinco vezes! - as portas das instituições públicas. Professores também tinham – e continuam tendo - suas razões.

PAIS E PROFESSORES

Pais e professores são os verdadeiros culpados pela falta do hábito de leitura das crianças. A meu ver, a coisa não pode ser tão simples assim. Uma pessoa só pode dar algo se o tem. E grande parte das pessoas é solidária. Penso na Dona Maria diarista. Acho pouco provável que ela, sequer, tenha noção da importância de incentivar a leitura nos filhos e netos, ao invés de deixá-los assistindo novelas, Big Brother, Casos de Família.

Não diferente dos pais e da avó, os netos de Dona Maria também freqüentam escolas públicas, via de regra sucateadas e mal administradas. É muito pouco provável que essas crianças passem pelas mãos de professores bem formados, amantes da leitura, com aquele dom especial de incutir esse amor, e sua importância, nos alunos.

Uma matéria do Jornal o Estado de São Paulo, do dia 09 de julho de 2006 – AS CRIANÇAS JÁ ESTÃO NA ESCOLA; AGORA SÓ FALTA ELAS APRENDEREM, por Lourival Sant’Anna - chamou a atenção para o fato de que os piores alunos são justamente os que se tornam professores. Não por vocação, muito mais por sobrevivência, falta de melhores opções e oportunidades. Segue um trecho da matéria.

(Abre aspas)

Não há um motivo único para a escola pública no Brasil ser ruim. Comecemos pelos professores. "Nos anos 50, eram meninas educadas, inteligentes, de classe média, que iam ser professoras, porque no mundo machista da época mulher não podia ser outra coisa", lembra o especialista Cláudio de Moura Castro, de Belo Horizonte. Com os salários que se pagam - o da rede municipal de São Paulo, que não é dos piores, começa em R$ 509 e vai até R$ 2.461 -, a escola pública não atrai profissionais muito brilhantes. "Hoje, professor é quem cursou escolas muito ruins."

"Não vejo como qualquer cidadão pode viver com um salário como esse", diz Adelson Cavalcanti de Queiroz, presidente interino do Sindicato dos Profissionais em Educação do Ensino Municipal de São Paulo (Sinpeem). "Não temos condições de desenvolver aquilo que precisamos para sermos bons profissionais." Como as carreiras das professoras só duram 25 anos (e dos professores, 30), já ingressamos na geração que estudou na escola pública massificada e decadente. "Os professores não sabem ler e escrever", constata a consultora Guiomar Namo de Mello, de São Paulo. "A escola básica está ruim e vai se multiplicando."

(Fecha aspas)

Dói em meu coração ver crianças cheias de curiosidade, transbordando de vontade de aprender, tomarem um banho de água fria nas escolas públicas. Isso por falta de recursos e bons profissionais, pessoas que possam orientá-las a sair do ciclo vicioso da miséria, e da exclusão. Se os recursos estivessem lá, simplesmente, ainda que não fossem todos os alunos, um ou outro (com certeza), iria saber aproveitá-los. Até mesmo professores carentes de boa formação poderiam ser beneficiados na recuperação do “prejuízo”.

PREGUIÇA OU FALTA DE RECURSOS?

Por tudo isso é que não posso crer, simplesmente, que muitos deixem de ler no Brasil só por preguiça. Muitos não lêem mais porque lhes faltam recursos e uma cultura de questionar e aprender. E isto pode ser mudado! Nessa minha recente viagem, vi muitas pessoas lendo jornais em terminais de ônibus, um jornal que custava uns 0,25 centavos e que muitos podiam comprar. Leitura de qualidade? Questionável. Até ouvi comentarem: “Esse jornal só traz notícia ruim!” – vai ver por retratar a realidade, a criminalidade absurda que vivenciei por lá.

De qualquer modo, quero chamar a atenção para o fato de que muitas pessoas lêem SIM! Se livros fossem gratuitos – tá bom, bem baratinho, que fosse! - e caíssem do céu como chuva grossa, de verão, certamente aumentariam as chances de novos leitores se formarem. Sabemos que tendência de filho de pais leitores é tornar-se um. Todavia, parece-me pouco provável fazer brotar tal hábito em pessoas mais velhas, como Dona Maria e seus filhos. O mais acertado então, a meu ver, seria apostar nas futuras gerações, implantando o gosto pela leitura na geração atual. Ou seja, pelos netos de Dona Maria creio que ainda se pode fazer muito.

SONHO SEMPRE!

Para concluir essas minhas divagações, partilho aqui um sonho: queria poder montar uma rede de bibliotecas, ou centros culturais, e distribuí-los pelas regiões mais pobres e esquecidas do Brasil. Naturalmente começaria com apenas um e depois tentaria expandir, claro. Investiria em equipamentos, qualificação de pessoal - principalmente - e acervo. Isso para que os usuários tivessem acesso à internet, informação de qualidade e boa orientação do que fazer com ela.

Montada a infra-estrutura, passaria a promover eventos culturais, rodas de leitura e discussão, palestras educativas, concursos literários, e mais adiante, quem sabe, até mesmo cursos profissionalizantes para as comunidades. E tudo isso gratuitamente, a preços simbólicos ou em troca de trabalho voluntário. Sim, eu sei que isso parece a história da Menina do Leite (3). Contudo, sonhar não custa nada... ainda! - graças a Deus.

Logicamente eu teria que ter muito capital para montar a infra-estrutura inicial necessária. Principalmente em segurança, pois até conseguir educar as pessoas para fiscalizar, diminuindo a probabilidade de roubos de equipamentos, depredações e vandalismos, seria um longo caminho a percorrer. Educação não é uma árvore que cresce e dá frutos da noite para o dia, precisa de tempo. Sim, por enquanto é só um sonho; faltam-me recursos financeiros para tal. Quem sabe milionários (ou empresários) por aí não se interessariam em financiar o projeto?

E queria fazer tudo isso, se possível, só com o apoio da sociedade civil. Isso, para evitar o que aconteceu com muitos “Faróis do Saber” que hoje, talvez por politicagem, se encontrem totalmente apagados, os prédios abandonados lembrando o desperdício do dinheiro público. Implantaria as células e deixaria crescer para ver o que seria das comunidades, passados pelo menos uns 5 anos. Se ao final desse tempo, não fosse notado crescimento algum, ninguém tivesse sido infectado pelo vírus da leitura e informação, então aí sim, engrossaria o coro dos que dizem: “Má rapá! esse povo só não lê mesmo por preguiça!” E desistiria de vez de acreditar no país.

(1) Betusko - Por que lemos tão poucos livros?

http://www.recantodasletras.com.br/artigos/1539659

(2) Gary Small and Gigi Vorgan, iBrain - Surviving the Technological Alteration of the Modern Mind, 2008,

ISBN: 9780061716126

(3) A Menina do Leite, uma fábula (dizem) de Esopo. Essa fábula conheci criança, num livro antigo de Monteiro Lobato. Não pude confirmar a autoria. Se alguém souber, por favor contribua.

Contribuições às idéias desse artigo são muito bem vindas. As melhores soluções para um problema, a meu ver, são fruto de boas e sérias discussões.

Um abraço fraterno :-)

Também publicado em:

http://agir-magazine.blogspot.com/2009/05/por-que-tantos-leem-tao-pouco.html