A EPILEPSIA NO ADULTO PARTE III

DIAGNÓSTICO - A hipóxia é uma entidade de diagnóstico predominantemente clínico, tendo a anamnese um considerável valor. O exame físico (inclusive o neurológico) revela dados muito variáveis que estão na dependência do agente etiológico é da intensidade e duração do período hipóxico. A gasometria (pO2, pCO2 e pH sangüíneos) pode ser de alguma valia.

TRATAMENTO - Deve ser, de preferência, profilático, visando as causas provocadoras da hipóxia. Particular realce merecem os cuidados obstétricos na prevenção do sofrimento fetal, bem como os cuidados que se devem ter durante as intervenções cirúrgicas sob anestesia geral. Uma vez instaladas as lesões hipóxicas, a terapêutica é puramente sintomática. As convulsões, seja no período agudo, seja na fase de seqüelas, tratam-se com os mesmos esquemas utilizados paras crises convulsivas produzidas por outros agentes. Na fase aguda, podem ter indicações substânciais do tipo dexametasona e manitol, redutoras do edema cerebral.

PROGNÓSTICO - É muito variável e, como o quadro clínico, depende do fator etiológico e principalmente da intensidade e duração da deprivação de oxigênio. Além das convulsões, alterações do comportamento, parkinsonismo, córeo-atetoses e síndromes cerebelares são algumas das seqüelas da hipóxia.

2.HIPOGLICEMIA

A hipoglicemia (níveis de glicose sangüínea menores que 50 mg% em adultos) é uma outra das múltiplas causas de convulsões. Decorre de um hiperinsulinismo (exógeno ou endógeno, absoluto ou relativo). A Hipoglicemia pode produzir variabilíssima combinação de sinais e sintomas. Pode ser pequena ou em média intensidade. Em outros casos, costuma levar ao coma e, às vezes, ao óbito.

Nas fases iniciais há, via de regra, ansiedade, sudoração, tremores, taquicardia e fraqueza. Estes sintomas e sinais são a expressão clínica de uma descarga de adrenalina, em resposta aos níveis glicêmicos em decréscimo. Algumas vezes, o quadro clínico estaciona neste estágio e o paciente logo se recupera após a ingestão de alimentos ricos em carboidratos.

Se a hipoglicemia se acentua, acarreta oxiacrestia, com fenômenos de irritação neuronal (confusão mental, tremores grosseiros, desorientação, convulsões). Caso a alteração bioquímica não for corrigida, surgem então os sinais de depressão neurocítica (letargia, coma, choque, morte).

As manifestações epilépticas da hipoglicemia podem ocorrer antes ou durante o estado de coma. Apresentam-se como crises clônicas ou tônicas, localizadas ou generalizadas. Após os fenômenos comvulsivos ou , a glicemia costuma se elevar. Isto pode dificultar o diagnóstico, em certas ocasiões.

A hipoglicemia pode ser funcional (70% dos casos) ou orgânica. Desta, as causas mais freqüentes são os adenomas das células beta-insulares do pâncreas. As hiperplasias e os adenocarcinomas destas células são causas menos freqüentes. Alterações hipofisárias e supra-renais, graves doenças hepáticas e grandes tumores (sarcomas e fibrossarcomas) mediastínicos e retroperitoneais são causas raras de hipoglicemia (hiperinsulinismo) orgânica. O hiperinsulinismo também pode ser exógeno. É o que ocorre, por exemplo, na administração de insulina com fins terapêuticos, suicidas ou homicidas.

O quadro clínico-neurológico é decorrente da falta de glicose no encéfalo. Como vimos, a propósito da hipóxia, o neurônio depende, basicamente, de oxigênio e de glicose. Ao contrário de outros órgãos, o encéfalo quase não dispõe de reservas de glicose, nem dispõe de muitas alternativas metabólicas para a utilização de outras fontes de energia. Por tais motivos, a hipoglicemia é sumamente nociva e, se muito prolongada, acarreta danos irreversíveis ao parênquima nervoso.

Os achados anatomopatológicos da hipoglicemia são semelhantes aos da hipóxia. Consistem em extenso acometimento do córtex cerebral. Há necrose focal ou laminar das camadas superiores ou de todas as camadas corticais. O hipocampo dos núcleos basais do telencéfalo são freqüentemente acometidos. As células de PURKINJE (do cerebelo) também sofrem, com freqüencia, os efeitos nefastos da hipoglicemia. Há, casos de crianças que desenvolveram síndrome cerebelar após crises hipoglicêmicas.

É de grande importância o diagnóstico entre hipoglicemia funcional e orgânica. A história clínica e o exame físico devem ser feitos com minúcia, pois, em grande parte dos casos, permitem o diagnóstico e orientam a solicitação dos exames complementares. A glicemia de jejum (FOLIN-WU), o teste de tolerância a glicose, e jejum prolongado (associado ou não a exercícios físicos) e o teste da tolbutamida permitem, usualmente, o diagnóstico. Utilizam-se menos os testes da insulina, da leucina, do Glucagon e da adrenalina. Um fato interessante é que, algumas vezes, o diagnóstico de hipoglicemia é feito através do exame do líquido céfalo-raquiano.

O eletrencefalograma é de pouca valia diagnóstica . Em um episódio hipoglicêmico, o paciente pode não mostrar modificações ou somente aquelas inespecíficas encontradas nos estados comatosos. Certos doentes, durante a hipoglicemia, apresentam outros achados relativamente inespecíficos, lentificação disrítmica ou aumento da atividade de base e surtos de ondas teta generalizadas.

Epilepsia “idiopática”, tumor cerebral, alcoolismo, intoxicação barbitúrica, coma hepático, acidente vascular encefálico, histeria e manifestações psicóticas podem-se confundir com crises hipoglicêmicas. Uma história bem feita, um exame físico minucioso e um exame neurológico detalhado, usualmente, permitem afastar tais hipóteses diagnósticas. Como já frisamos acima é de grande importância o diagnóstico diferencial entre hipoglicemia funcional e hipoglicemia orgânica. Nesta, geralmente devida a tumores pancreáticos funcionantes, os ataques são mais severos, mais freqüentes em jejum e menos dependentes da ingestão de carboidratos.

O tratamento da crise deve-se realizar tão logo se faça o diagnóstico, de vez que hipoglicemias intensas e prolongadas podem deixar lesões irreparáveis no sistema nervoso central . Se o paciente está consciente, o quadro clínico costuma desaparecer com a ingestão de alimentos açucarados. Se encontra-se comatoso, a terapêutica de escolha é a glicose por via endovenosa (20 a 50 cc de solução a 50% ). Uma noção de fundamental importância é não forçar a ingestão de alimentos em um doente inconsciente. Nos casos em que não é possível a via venosa, pode-se administrar a glicose por via retal. Em certas eventualidades, torna-se necessária a administração de Glucagon (5 mg por via intramuscular ou endovenosa) e/ou de adrenalina (1 mg da solução milesimal, por via subcutanea). Utilizam-se também, nos casos graves, os corticosteróides, por via endevenosa. Passa a fase crítica, costuma-se usar glicose por via endovenosa, gota a gota (12 g/hora). No caso de coma rebelde a toda terapêutica, alguns autores preconizam o uso de eletrochoque em voltagens inferiores as utilizadas habitualmente em Clínica Psiquiátrica.

As convulsões geralmente dispensam tratamento específico, pois costumam desaparecer com a normalização da glicemia. Aqueles pacientes que, durante a terapêutica de SAKELAKEL (para coma insulínico), apresentam freqüentes convulsões, costumam reagir bem a administração de fenobarbital (100 mg por via intramuscular), meia hora antes da aplicação da insulina.

3. UREMIA

A uremia (níveis de ureia sangüínea acima de 50 mg % ) é uma outra entidade mórbida que pode causar crises convulsivas. Manifesta-se clinicamente por sintomas e sinais que indicam disfunções renais, digestivas, cardiovasculares, respiratórias, hemáticas e neurológicas, entre outras.

Os sinais e sintomas neurológicos costumam ser variados. Pode haver alterações da personalidade que, por vezes, culminam com delirium. A atividade muscular costuma ser anormal e podem-se manifestar fasciculações, clonias, tiques, tetania e tremores do tipo flapping. Deficit neurólogicos focais (paresias, alterações da fala, incoordenação, amaurose, surdez) e sintomas e sinais de polineuropatia também fazem parte do quadro clínico. Convém salientar que o coma urêmico não é uma eventualidade rara. As convulsões ocorrem tanto na uremia crônica, como na aguda. São, em geral, primariamente generalizadas. As crises, de início localizado e de ulterior generalização, são menos freqüentes, como também o são as convulsões hemiclônicas e as mioclônicas. Os ataques se sucedem, às vezes, a custos intervalos, a ponto de constituir o status epilépticos.

As causas de uremia são pré-renais, renais ou pós-renais.

Citam-se entre as primeiras: aumento do catabolismo proteico, insuficiência cardíaca, doença de ADDISON, anestesia profunda, desidratação, estado de choque. As causas renais são doenças glomerulares ou tubulares. Cálculos ou estenoses ureterais bilaterais e certas doenças prostáticas são alguns exemplos de causas pós-renais.

Além de aumento dos níveis sangüíneos da uréia, múltiplos fatores metabólicos, hídricos e eletrolíticos entram em ação no desencadear do quadro clínico. No surgimento das convulsões parecem ter grande importância a hiperidratação e os surtos hipertensivos. Lesões cerebrais preexistentes são importantes ao aparecimento dos ataques.

As alterações neuropatológicas não são exuberantes. Nos casos de rápida evolução, há edema encefálico e cromatolise neuronal.

Os casos crônicos costumam apresentar desmielinização difusa e perivascular.

A confirmação diagnóstica faz-se pela dosagem da uréia sangüínea. A solicitação de outros exames complementares varia de caso para caso. Podem permitir, tais exames, o diagnóstico da causa, bem como a avaliação da eficácia terapêutica.

As alterações eletrencefalográficas são inespecíficas e de pouca valia diagnóstica. Em alguns pacientes, o líquor mostra-se hipertenso, traduzindo, possivelmente, um edema cerebral. A uremia acompanha-se, eventualmente, de meningite asséptica, com rigidez de nuca e outros sinais série meningo-radicular, associados a uma pleocitose liquórica (até 250 linfáticos e polimorfonucleares). A barreira hemoliquórica encontra-se mais permeável, permitindo uma ascensão dos níveis uréicos no líquido céfalo-raquiano. Pode haver também aumento da taxa liquórica da creatinina, do ácido úrico, do fósforo e das proteínas.

É importante diferenciar a uremia, em virtude das variadas alterações que acarreta, de uma série de doenças que acometem muitos dos órgãos da economia. Lembrando apenas que o coma urêmico deve ser distinguido da intoxicação aquosa aguda, da encefalopatia hipertensiva e de outras causas de acidose metabólica aguda (diabete sacarino, intoxicações exogenas).

A terapêutica sintomática (resinas de troca catiôntica, insulina, dieta hipoprotéica, ingestão controlada de líquidos etc.) acompanha--se, sempre que possível, do combate a causa da uremia. Em alguns casos, a diálise peritoneal é um recurso heróico.

O tratamento das convulsões consiste no uso de benzodiazepínicos ou de hidantoinatos por via endovenosa. É desaconselhavel o emprego do sulfato de magnésio.

O prognóstico varia de acordo com a causa da uremia. De um modo geral, é mais sombrio nos casos de doenças primáriamente renais.

4. INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA

A insuficiência hepática, quando bastante grave, costuma produzir alterações no sistema nervoso central. Estas, no seu conjunto, constituem a encefalopatia porto-sistêmica, cujo estado mais avançado é representado pelo coma hepático.

A princípio, o doente mostra-se extremamente sonolento, letárgico. Ao ser estimulado, torna-se vígil e assim permanece durante algum tempo, mas logo, em seguida, volta ao estado de sonolência. Surgem modificações no seu modo de ser. Seu olhar é vago e algo distante.

Com o progredir do processo, a letargia acentua-se e surge o característico flapping. Este consiste em movimentos rítmicos, de flexão-extensão, ao nível do punho.

A prova dos braços estendidos é a posição ideal para a sua pesquisa. A dorsiflexão do punho e o afastamento máximo do quirodáctilos sensibilizam a prova, tornando os movimentos bem mais perceptíveis. Estes podem também ser observados ao nível das articulações metacarpo-falángicas, bem como nos pés, na mandíbula e na língua. Convém salientar que, apesar de muito sugestivo de complicação encefálica decorrente de patologia hepática, o flapping não é sinal patognomônico. As vezes, surge em outras alterações bioquímicas como, por exemplo, na uremia.

Nesta fase, o paciente pode mostrar fasciculações.

Quando as perturbações metabólicas se agravam, há serias alterações mentais. O paciente torna-se barulhento e anti-social. Realiza atos pouco adequados ao ambiente em que se encontra. Nesta fase, não são raras as internações em hospitais psiquiátricos. Se o tratamento não se inicia, tais perturbações costumam evoluir para o coma e, eventualmente, para o óbito.

Outras alterações, indicativas de sofrimento do sistema nervoso central, costumam fazer parte do quadro clínico. Assim, surgem modificações dos reflexos miotáticos (osteotendinosos) que se mostram em regime de hiperatividade, com clônus de pé e de patela. Acompanham-se, na maioria das vezes, de sinal de BABINSKI, bilateralmente. É, importante lembrar que podem surgir sinais de localização neurológica. Estes costumam se manifestar por paresias ou plegias que acometem ora um só membro, ora os membros de um hemicorpo, ora os membros inferiores. Em certos casos, o déficit motor acomete as quatro extremidades. É interessante lembrar que tais sinais motores podem ser flutuantes, isto é, surgem e desaparecem no decorrer de horas. Em certas ocasiões, entretanto, manifestam-se apenas em um hemicorpo (hemi-convulsões). Casos há em que o paciente apresenta a sintomatologia convulsiva de modo alternante, ora no domídio corporal direito, ora no esquerdo, constituindo as hemiconvulsões em bascula. As crises, seja generalizadas, seja localizadas, padem ocorrer de modo tão freqüente que conduzem ao estado de mal.

Várias entidades mórbidas (infecções, tumores, tóxicos etc.) levam a insuficiência hepática. Entretanto, para que esta acarrete a encefalopatia são, usualmente, necessários alguns fatores desencadeantes. Destes, merecem citação as hemorragias de um modo geral e, em particular, os sangramentos digestivos (varizes esofágicas, úlceras gástricas, as infecções, mesmo as mais banais; o uso de morfina e de outros opiáceos; o uso de barbitúricos e, até mesmo, de sedativos suaves). Merecem especial citação as dietas hiperprotéicas como fatores desencadeantes de encefalopatia em portadores de insuficiência hepática grave.

Na encefalopatia porto-sistêmica, o eixo nervoso central sofre as conseqüências da falta da ação desintoxificante do fígado. Há dois mecanismos básicos no desenrolar da doença ou há um acometimento da própria célula hepática, como ocorre, por exemplo, nas hepatites, ou então há um curto circuito entre o sistema porta e a circulação sistémica. As anastomoses congênitas (anormais) porto-sistêmicas, através de veias umbilicais, e as anastomoses cirúrgicas porto-cava são alguns exemplos desta segunda eventualidade. Em algumas ocasiões os dois mecanismos se associam.

Tanto no primeiro (lesão da própria célula hepática) como no segundo caso (anastomoses porto-sistêmicas), o sistema nervoso central sofre a falta da função hepática. Circulam, em nível elevado, substâncias que perturbam o metabolismo encefálico. Destas, merece especial realce a amônia que promove alterações no ciclo de KREBS em nível cerebral.

A amônia forma-se, normalmente, no intestino, graças à ação de bactérias sobre os aminoácidos da dieta. Absorvida, vai ao fígado, através do sistema porta. No hepatócito, através do ciclo de KREBS e HENSELIT, transforma-se em uréia. Um quarto desta se elimina pelo intestino; o restante, pelo rim.

Nos casos de lesão do hepatócito e/ou de curto circuito porto-sistêmico ocorre uma inadequada transformação de amônia em uréia, havendo, em conseqüência, uma hiperamoniemia. Este excesso exerce nefastos efeitos sobre o sistema nervoso central, pois altera o ciclo de KREBS em nível encefálico. Como resultado surge a vasta sintomatologia do pré-coma e do coma hepáticos.

Convém lembrar que, além das importantes modificações da amoniemia, muito provavelmente outras alterações metabólicas entram em jogo na encefalopatia porto-sistêmica. Níveis sangüíneos elevados de indóis, de compostos fenólicos, de aminoácidos livres, de ácido alfa-cetoglutírico e de ácido pirúvico são alguns exemplos.

As alterações anatomo-patológicas da encefalopatia porto-sistêmica, são freqüentes. Encontram-se, no cortex cerebral, nos núcleos nasais do telencéfalo, no tálamo óptico, no tronco encefálico e no cerebelo. Consistem em aumento do número e do tamanho dos astrócitos protoplasmáticos, degeneração neuronal inespecífica e também desmielinização.

O diagnóstico da encefalopatia porto-sistêmica não oferece dificuldades quando há indícios de doença hepática grave (“foetor hepaticus”, ictericia, “spider nevi”, eritema palmar, ascite, circulação colateral abdominal, hepato-esplenomegalia etc.). Nos casos em que os sinais são discretos, torna-se necessária uma pesquisa clínico-laboratorial mais aprofundada.

O eletrencefalograma mostra-se alterado, porém de modo inespecífico. Há uma progressiva lentificação que começa, simetricamente, em áreas frontais e que se espalha para áreas posteriores, a medida que a inconsciência se aprofunda. No estado comatoso, as ondas são lentas e de alta voltagem ( 1 a 3/seg) e sobrepostas a outras relativamente normais.

O líquor, usualmente, é límpido e incolor. Não apresenta células e seu conteúdo protéico é normal. Não é freqüente a detecção de bilirrubinas, a não ser que os seus níveis sangüíneos estejam acima de 4 a 6 mg% .

No diagnóstico diferencial é importante ter em mente que pacientes portadores de doença hepática não estão isentos de comas devidos a outras causas. Nos etilistas crônicos, o delirium tremens e a encefalopatia de WENICKE podem simular os estádios iniciais do coma hepático. Nesses pacientes, há também a possibilidade de um hematoma subdural crônico. Estados demenciais ou tóxico-confusionais podem ser confundidos com casos de demorada evolução pré-comatos Nos estágios avançados de insuficiência hepática, ocorrem, às vezes, hipoglicemia, hiponatremia, choque e insuficiência renal. Estas alterações mimetizam a encefalopatia porto-sistêmica.

O combate a hiperamoniemia e o esteio sobre o qual se apoia o tratamento da encefalopatia em estudo. Utilizam-se, geralmente, uma ou mais das seguintes medidas terapêuticas:

1. Dieta hipo ou aprotéica.

2. Combate a flora bacteriana entérica

3. Combate às infecções

4. Combate às hemorragias digestivas

5. Cuidados gerais comuns aos estados comatosos.

Os opiáceos e os barbitúricos não se devem utilizar nestes pacientes. Os diuréticos, se necessário, usam-se com parcimônia. O emprego da arginina, aconselhável do ponto de vista teórico, não parece dar os resultados que seria de se esperar. Em certos casos de hepatite, tem indicação os corticosteróides em elevadas doses.

O tratamento das convulsões efetua-se com os benzodiazepínicos ou os hidantoinatos, por via endovenosa. Estas substâncias devem--se utilizar com precaução, pois podem agravar um pré-coma ou um estado comatoso já instalado.

O curso clínico da encefalopatia porto-sistêmica varia de acordo com a natureza da doença básica e com os fatores precipitantes. De um modo geral, o prognóstico é melhor nos casos de curto circuito porto--cava e naqueles em que uma dieta hiperprotéica e o fator desencadeante. Nestas eventualidades pode haver, até mesmo, remissão espontânea. Usualmente, os pacientes que tem lesão da própria célula hepática apresentam prognóstico mais sombrio.

5. TROXEMIA GRAVÍDICA

A toxemia gravídica caracteriza-se, fundamentalmente, por hipertensão arterial, ganho excessivo de peso e proteinúria. Esta tríade constitui a pré-eclâmpsia, que se pode agravar, com o aparecimento de convulsões e coma, e constituir a eclâmpsia.

A doença incide em uma em cada 500 ou 1.000 gravidezes. Ocorre, usualmente, em primíparas. Em 50% dos casos, aparece no último trimestre da gravidez, particularmente nos dias que precedem a provável data do parto. Em 25% dos casos surge durante o parto. Nos restantes 25% a sintomatolologia faz o seu aparecimento nas primeiras 24horas do puerpério. As assim chamadas “eclâmpsias tardias”, muito provavelmente, nada tem a ver com a entidade em estudo. Trata-se geralmente, de tromboflebites cerebrais ocorrendo no puerpério. É mais fregüente em prenhez. Associa-se, por vezes, a mola hidatiforme, a hidrâmnios, a diabetes ou a doença crônica, vascular ou renal.

A hipertensão arterial (máxima acima de 140 e mínima maior que 90 mm Hg) é fator sine qua non para o diagnóstico. Geralmente, o quadro clínico é tanto mais grave quanto mais elevados são os níveis tensionais. É interessante lembrar, no entanto, que algumas pacientes apresentam eclâmpsia com elevações apenas discretas dos níveis pressóricos.

O excessivo ganho de peso deve alertar o clínico para o desenvolvimento de uma possível toxemia, particularmente se há uma hipertensão arterial associada. Geralmente, com o evoluir do processo, surgem edemas nos membros inferiores. A face também pode-se edemaciar, dando um aspecto grosseiro aos traços fisionômicos da gestante.

A proteinúria completa o tripé clínico-laboratorial da toxemia, embora, em raros casos, possa estar ausente. Varia desde quantidades íntimas até as elevadas cifras de 8 a 10 g por litro.

Além da tríade clássica, outros sintomas e sinais costumam fazer parte da sintomatologia. As desordens visuais vão desde as moscas volantes até a amaurose, usualmente repentina e passageira. Em outros casos, há uma rápida e progressiva diminuição da acuidade visual, chegando quase a cegueira. O exame do fundo do olho costuma revelar um espasmo em segmentos das arteríolas, o que lhes dá um aspecto de salsichas.

A porção arteríolo-venosa (normalmente 2:3) só aumentar (1:2 ou mesmo 1:3). Nos casos graves, há edema retiniano que pode acarretar um deslocamento da túnica ocular interna. Hemorragias e exsudatos também fazem parte do quadro fundoscópico. É de boa norma, nos casos de eclampsia, o exame diário do fundo do olho, para uma avaliação da eficácia terapêutica. Náuseas, vômitos e cefaléias são outras queixas comuns.

O quadro neurológico da eclampsia. é relativamente pobre e pode-se constituir somente de obnubilação mental, associada as alterações visuais e as cefaléias, já citadas. Quando a doença se agrava (eclâmpsia) surgem, caracteristicamente, convulsões e coma.

As convulsões são, na maioria das vezes, generalizadas. Podem-se, no entanto, localizar em um hemicorpo ou em uma só extremidade. Por vezes, ocorrem de um modo abrupto, sem pródromos. Em outros casos, precedem-nas cefaléias, vômitos, sonolência e apatia. A dor epigástrica e sintoma pré-convulsivo bastante comum.

As crises podem ser isoladas, mas, por vezes, sucedem-se, com tal freqüencia que constituem verdadeiro estado de mal. São seguidas, em geral, de coma. Certas pacientes, no entanto, podem passar ao estado comatoso sem sofrer a fase convulsiva. Não obstante, julga-se que as convulsões são um elemento sine qua non para o diagnóstico da eclâmpsia.

O fundamento patogenético do toxemia gravídica é um vasoespasmo arteriolar generalizado, acarretando alterações anatomo-funcionais em vários orgãos da economia. O rim, o fígado, a placenta e o cérebro são as estruturas mais acometidas.

O espasmo arteriolar, em nível encefálico, acarreta hipóxia, com conseqüente hemorragias e edema. As hemorragias cerebrais são um achado comum nos casos que vão à necropsia. Podem ser corticais, pequenas e múltiplas ou intracerebrais, maciças. Em alguns casos o estudo anátomo-patológico revela apenas um foco hemorrágico cortical.

Apesar destes achados, é interessante salientar que aproximadamente um terço das pacientes que vão à necropsia não apresenta alterações encefálicas detectáveis.

A etiologia da toxemia gravídica é desconhecida. O espasmo arteriolar generalizado seria conseqüentemente a um fator vasopressor circulante, provavelmente de origem placentária. O esvaziamento uterino acarreta uma dramática melhora da sintomatologia em 24 a 48 horas.

O diagnóstico de toxemia da gravidez baseia-se, fundamentalmente, na tríade hipertensão, excessivo aumento de peso e proteinúria. É de suma importância o diagnóstico precoce (pré-eclâmpsia), de vez que o agravamento do quatro (convulsões, coma) pode conduzir ao êxito letal materno ou sérias alterações fetais.

O quadro clínico-laboratorial da toxemia gravídica (particularmente de eclâmpsia) deve ser diferenciado de várias entidades mórbidas. Entre estas merecem citar: epilepsia indiopática, hiperternsão arterial preexistente ou coinscidente, nefropatia preexistente ou coincidente, feocromocitoma, tromboflebite cerebral e profiria aguda intermitente. Assume, pois, grande importância para o diagnóstico diferencial, uma anamnese cuidadosa.

O tratamento da toxemia gravídica consiste no uso de anti-hipertensivos, diuréticos e sedativos. O repouso é outra medida terapêutica aconselhável. Nos casos graves (eclâmpsia), impõem-se os anticonvulsivantes e os cuidados gerais para os estados comatosos. As drogras anticonvulsivas de escolha são os benzodiazepínicos e a difenil-hidantoína por via endovenosa.

Assumem grande importância profilática os exames pré-natais, pois, por vezes, a pré-eclampsia se manifesta de modo insidioso. Nestes casos, somente uma pesquisa orientada permitira o diagnóstico e evitará, assim, os resultados, por vezes catastróficos, da eclampsia.

A mortalidade materna, na toxemia gravídica, varia de 5 a 15%.

6. PORFIRIA

As porfirias são doenças em que há transtornos no metabolismo das porfírinas. Classificam-se em:

PORFIRIAS HEREDITÁRIAS

1. Hepática (hepatogênica).

2. Porfiria aguda intermitente.

3. Porfiria cutânea tardia.

4. Eritropoética (congênita).

PORFIRINÚRIAS ADQUIRIDAS

A porfiria aguda intermitente é uma doença hereditária, com transmissão mendeliana dominante. Há, entretanto, na literatura, casos isolados e também outros em que não há história familiar. Incide, predominantemente, em mulheres, na segunda e terceira década da vida. Vários são os seus fatores precipitantes: uso de barbitúricos, sulfonamidas, álcool, griseofulvina; exposição a nitrobenzol, chumbo, solventes de gorduras. Infecções, gravidez (primeiro trimestre), parto e stress emocional parecem ser outros fatores precipitantes.

Clinicamente, a porfiria aguda intermitente caracteriza-se por sintomas digestivos e neuropsiquiátricos. A doença ocorre em crises, de freqüência variável e de duração quase nunca inferior a 48 horas.

O sintoma mais comum e mais característico é a dor abdominal. E, geralmente, intensa, do tipo cólica, localizada ou generalizada, com ou sem irritação para o dorso. Confunde-se muito com cólica biliar, cólica nefrética e apenscite aguda e não são raras as intervenções cirúrgicas erroneamente indicadas. Vômitos, diarreia e/ou obstipação intestinal, além de moderada distensão abdominal, podem fazer parte do quadro clínico.

Os sintomas neuropsiquiátricos são múltiplos e variados, pois todos os níveis do sistema nervoso central (cérebro, cerebelo, tronco encefálico, medula espinal), bem como o sistema nervoso periférico e o sistema neurovegetativo podem ser acometidos.

Os sintomas e sinais psiquiátricos, às vezes, simulam histeria ou, em outros casos, distúrbio bipolar do humor, esquizofrenias ou estados de delirium (durante as crises pode haver febrícula, com moderada leucocitose).

O quadro neurológico mais comum da porfiria aguda intermitente é a polineuropatia flácida e de predomínio motor. Costuma acarretar quadriplegias e, não infreqüentemente, produz paralisia respiratória, fator principal de mortalidades nesta doença.

As convulsões são outro achado clínico da porfiria aguda intermitente. Habitualmente, são tônico-clônicas generalizadas, mas podem ser do tipo focal, em geral em um hemicorpo. Costumam, paradoxalmente, não responder aos barbitúricos, havendo mesmo casos de piora quando da administração destes anticonvulsivantes. Há, na literatura, relato de um estado de mal epiléptico refratário à anestesia geral pós barbituratos. As convulsões acompanham, na maioria das vezes, a sintomatologia digestiva, mas casos há em que constituem a primeira manifestação isolada da doença.

Desconhece-se a patogenia da porfiria aguda intermitente. As lesões que se encontram no sistema nervoso independem, ao que parece, de uma ação direta das porfirinas.

Um quadro clínico, caracterizado por crises de dor abdominal e sintomas e sinais neurológicos e psiquiátricos, deve chamar a atenção do médico para uma porfiria aguda intermitente. O dado laboratorial mais importante e que confirma o diagnóstico é um excesso de porfibilinogênio urinário, durante as crises. Deve-se guardar a urina do paciente por algumas horas ou, de preferência, expô-la à luz solar. Ocorre, então, uma coloração urinária característica, por transformação do porfibilinogênio em porfirinas. Pode-se também demonstrar o excesso deste precursor das porfirinas através da reação de ERLICH que se mostra fortemente positiva nos casos de porfiria aguda intermitente.

O eletrencefalograma evidência alterações inespecíficas que, muitas vezes, ocorrem mesmo em paciente sem convulsões. Parece haver uma certa correlação entre os achados eletrencefalagráficos e o grau de acometimento cerebral e o curso do episódio agudo.

O líquor costuma ser normal, mas, em alguns casos, um aumento da taxa de proteinas, sem elevação paralela do número de leucócitos, associado a uma tetraplegia flácida, com acometimento da musculatura respiratória, torna difícil o diagnóstico diferencial com a sindrome de GUILLAIN-BARRÉ.

Várias doenças abdominais, neurológicas e psiquiátricas devem ser diferenciadas da porfiria aguda intermitente. Entre as primeiras merecem citação a cólica nefrética, a apendicite aguda, a cólica biliar e a úlcera gastroduodenal. Histeria, estados de delirium, distúrbios bipolar do humor, esquizofrenias, poliomielite, miastenia grave, botulismo, paralisia ascendente de LANDRY, síndrone de GUILLAIN-BARRÉ são outras tantas afecções que se pode confundir com a doença em estudo.

Não há tratamento específico para a porfiria aguda intermitente. A terapêutica é profilática e sintomática. Devem-se evitar as drogas desencadeantes das crises, particularmente os barbitúricos e as sulfonamidas. Vários ensaios se tem feito com cloropromazina, reserpina e meperidina para o controle das crises álgicas abdominais e das manifestações psiquiátricas. Os resultados parecem razoáveis. Outras subtâncias, como o BAL (BRISTISH Anti-LEWSITE), o ETTA (ácido etileno-diamino-tetra-acético) os corticos teróides e o ácido ademosino-5- monosférico, tem sido utilizadas mas sem efeitos benéficos comprovados.

PAULO ROBERTO SILVEIRA
Enviado por PAULO ROBERTO SILVEIRA em 26/05/2009
Reeditado em 07/09/2009
Código do texto: T1616036
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