TODO O ENCANTO DA FLOR - Do Oiapoque ao "Feng Shuí" um turbilhão de amor e cores daqui

"A minha pátria é minha língua

idolatrada obra-prima te faço imortal”

Fragmento do samba-enredo da Mangueira

para o Carnaval de 2007

Conexão multinacional intercontinental televisiva levou a todo o Mundo, no domingo (18) e segunda-feira (19) “gordos” do Carnaval 2007, um espetáculo deslumbrante, extasiante mesmo, daquele que já é considerado pelos órgãos internacionais de verificação como “o maior espetáculo da Terra”, o desfile oficial das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro. As imagens do Carnaval brasileiro foram levadas a mais de 60 países, localizados em todos os continentes, com uma estimativa fantástica de cerca de três bilhões de telespectadores, ou seja, a metade da população atual de nosso planeta, número só comparável ao alcançado na retransmissão dos principais jogos da Copa do Mundo.

E esse fato é especialmente auspicioso para os brasileiros, que somos os principais protagonistas desses dois grandes eventos de expressão mundial, o Carnaval e o Futebol. No desfile desse ano, como sempre levado a efeito em clima de grande vibração e inteira entrega corporal dos brincantes aos acordes do ritmo afro-brasileiro dos sambas-enredo, as escolas esmeraram-se ainda mais no quesito alegorias e adereços, apresentando carros gigantescos, de grande beleza visual e criatividade inigualável, para simbolizar ou teatralizar os diversos temas de enredo, a maioria trazendo ao público espectador ensinamentos e/ou proposições de acendrado apelo social e cultural que a todos contagiou. Talento, emoção, criatividade, foram a tônica marcante do desfile desse ano no Sambódromo da Marquês de Sapucaí, de grande impacto visual.

Mas queremos ressaltar aqui, nomeadamente, um ponto que em nós despertara particular atenção e sensibilidade: o da escolha da Língua Portuguesa para tema da Escola de Samba da Estação Primeira de Mangueira, uma das mais antigas e tradicionais do Rio de Janeiro. O título, já por si assaz expressivo é, por inteiro: “Minha Pátria é minha língua, Mangueira meu grande amor. Meu samba vai ao Lácio colher a última flor”.

Ficamos fascinado, primeiro com a felicidade da eleição do tema, uma iniciativa das mais oportunas e justas, visto ser a língua de Camões, que adotamos, uma das mais belas, sonorosas, importantes e correntes em todo o Mundo, utilizada hoje por cerca de 300 milhões de terrícolas, a terceira mais falada no Ocidente, mas, sobretudo, com a exata e histórica mensagem que a letra do samba passa para os que a ouvem, de uma exatidão quase curricular, com encadeamento perfeito dos fatos evolutivos ocorridos através dos tempos com o idioma luso, pelo encanto e vibração da música, a harmonia dos diversos segmentos e, também, porque apresenta trechos quase maestrinos, de grande significância, como é o caso do notável neologismo “tupinambrasileirou”, obediente à mais genuína e consagrada alquimia neologística de Mestre Guimarães Rosa, o malabarista da lusa língua, bem como os dois refrões que são perfeitos, irretorquíveis.

Ficamos a imaginar a empolgação que terá causado “a mais querida escola de samba do Planeta”, como se autodenomina a escola verde e rosa, com o impacto de suas cores, a esfuziante vibração de seus 4.500 componentes, sua afamada bateria “nota dez”, sua vibrante torcida a empunhar flâmulas e dísticos mangueirenses, ao público que a esteve assistindo no sambódromo carioca assim como aos três bilhões de terráqueos espalhados por “este rotundo Globo”, de todas as raças, etnias e formas de expressão. Terá sido, não temos dúvida, o mais efetivo e eficaz trabalho de divulgação e propagação da língua portuguesa que se terá feito nos últimos tempos, inclusive contribuindo para que o nosso povo tome consciência da grandeza e imponência que tem nossa “mais bela maneira de expressar” dentre todos os idiomas e derivados dialetais em utilização nos dias correntes.

Vale repetir aqui o que já assentamos alhures: O brasileiro via de regra desconhece ou não sabe aquilatar em sua integral extensão a riqueza que nos foi legada pelos nossos descobridores e colonizadores, por isso que não valoriza fatos e feitos notáveis que realiza ou propicia. Para além da extensão territorial, de proporções continentais, herdamos um riquíssimo patrimônio cultural e populacional difícil de encontrados em outros Estados soberanos, em que se há de ressaltar o harmonioso polimorfismo étnico, com seus múltiplos dizeres, saberes e fazeres, de par com a unicidade lingüística. Bem precioso do cabedal sócio-cultural de nossa gente, a língua portuguesa deve ser conservada, preservada, exalçada, com o máximo de orgulho e zelo, pois um dos elementos responsáveis pela unidade de nosso povo, de nossa terra, de nossa cultura, de nosso “jeito de ser”, conquanto disso muitos não se apercebam.

Os responsáveis pela escola mangueirense e, em especial, os autores do samba-enredo, parecem ter percebido bem esse importante aspecto ao registrarem: “Caravelas ao mar partiram/ Por destino encontraram o Brasil/ Nos trazendo a maior riqueza/ A nossa língua portuguesa” e acentuam: “Se misturou com o tupi/ tupinambrasileirou”. A participação dos negros africanos que para cá vieram e os afrodescendentes, outra parcela de magna influência na conformação atual da língua, vai assinalada nos versos: “Mais tarde o canto do negro ecoou/ E assim a língua se modificou”. Em outro trecho, ressaltam: “Eu vou dos versos de Camões às folhas secas caídas de Mangueira./ É chama eterna, dom da criação/ Que fala ao pulsar do coração”; noutro lanço, lembram: “Meu idioma tem o dom de transformar”. Concluem com os versos: “Ó meu Brasil/Dos filhos deste solo és mãe gentil/ Hoje a herança portuguesa nos conduz/ À Estação da Luz”, referência direta, perpassando pelo Hino Nacional, ao Museu da Língua Portuguesa (que os brasileiros não devem deixar de conhecer!), única instituição do gênero na totalidade do universo lusoparlante, que conserva e repassa todo o conhecimento auferido ao longo dos séculos, das remotas origens aos dias correntes, do idioma camoniano, instalado há um ano no majestoso e histórico prédio da Estação da Luz (gare ferroviária central, no bairro homônimo), na capital paulista.

Somos mangueirense de coração e simpatia desde que, pela primeira vez – já lá se vão quatro décadas –, assistimos a um desfile da Estação Primeira com aquelas cores que se impregnam na memória e na afeição para sempre, o verde e rosa que Mestre Cartola sabiamente escolheu para a Escola. Foi amor à primeira vista! Desta feita tivemos a reafirmação de nossa condição de adepto fervoroso da Mangueira, por sua justíssima homenagem e reconhecimento à “última flor do Lácio”, levando-a de forma triunfal, excelsa, exuberante, aos povos assim desta banda ocidental como da oriental do planeta azul, onde nossos antípodas chineses, mestres da arte do feng shuí, a terão recebido com as benéficas influências da Natureza.

A Língua Portuguesa recebeu régio presente de nossa querida e tradicional Estação Primeira de Mangueira, e a escola se engrandeceu ao proclamar a riqueza, os encantos e os préstimos da lusofonia.

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*Médico e Escritor – ABRAMES/SOBRAMES

E-mail: serpan@amazon.com.br

Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 08/06/2009
Reeditado em 09/06/2009
Código do texto: T1639202
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