Partida intempestiva

A morte é sempre um momento muito difícil para qualquer um, principalmente para nós, ocidentais, que nunca aprendemos a lidar com ela de maneira mais serena. Por mais que esta seja a nossa única certeza, ninguém está suficientemente preparado para encarar a partida desta vida.

A situação fica ainda mais complicada quando a morte chega em forma de tragédias, como o recente acidente com o avião da Air France ou os que envolveram a Gol e a TAM, também no Brasil. Além da dor dos parentes dos mortos e da comoção geral, fica sempre a grande interrogação sobre o exato momento da passagem simultânea de tantos espíritos para o outro lado.

Apesar de educado na religião Católica, que acredita na imortalidade da alma e na sua partida sem volta, aterroriza-me profundamente a simples hipótese da extrema dor sentida pelos que deixaram esta vida de forma tão violenta. Penso que nas mortes resultantes de acidentes aéreos ou automobilísticos cheguem do lado de lá espíritos fragmentados, que sequer têm tempo de entender o que aconteceu durante sua travessia.

Conforta-me imaginar que, diante de tamanha fratura, possa haver no pós-morte alguma espécie de pronto-socorro espiritual, onde espíritos preparados sejam designados para acompanhar os que chegam de forma tão abrupta. Como acredito na continuidade das jornadas individuais, ainda que em planos diferentes, esta tese me traz alento para lidar com o vazio que deixam os que partem.

Para muitos talvez seja besteira ou perda de tempo pensar sobre tais assuntos. No entanto, vida e morte seguem em fios tão tênues que o rompimento do primeiro pode significar um trilhar sobre o segundo. No mais, tomando como referência a tese dos que imaginam que tudo termina aqui, pouco ou quase nada faz sentido nesta existência.

O filósofo grego Platão (século 4 a.C.), embora não tivesse o foco de seu pensamento pautado em religião, defendia que o ser humano é uma alma encarnada. Ressaltava que, antes da sua encarnação, esta alma existia unida aos modelos primordiais, às ideias do Verdadeiro, do Bem e do Belo. Por ter se separado deles, encarnando, sente-se atormentada pelo desejo de voltar a suas origens.

Tanto na visão filosófica de Platão quanto nas bases do Cristianismo e de outras religiões, a morte é um renascimento. Passada a temporada da experiência da encarnação (frágil e fugidia) a vida se expande num plano mais elástico e elevado (provavelmente também mais consistente). Neste caso, a sequência deve ser a mesma para os que vão em consequência de doenças ou para os que morrem de forma intempestiva.

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 12/06/2009
Código do texto: T1645362