Honduras e os "pacotinhos vazios"

Sempre que a democracia procura fortalecer-se por meio de consulta popular, a elite conservadora sente-se ameaçada e, tendo chance, tira o pó dos canhões. A ambição desenfreada dos que nasceram para o coronelismo não aceita que o povo, que pra eles só presta manipulado, enxergue com seus próprios olhos.

Assim foi no recente golpe militar em Honduras e não duvido que na caserna ainda repouse o sonho dourado da extrema direita brasileira. Os que ontem apoiaram o chumbo e que hoje continuam no poder, espalhados pelo Congresso, até podem fingir apoiar a paz, mas essa máscara não lhes segura no rosto.

Contar com a ignorância do povo sempre foi ferramenta fundamental de opressão política. Júlio César já sabia disso. Aqui e em Honduras, a elite conservadora mantém isso em comum: a voz deles é a voz de Deus, portanto povo não tem voz.

Pergunte a um dos vários coronéis que hoje em dia andam batendo boca no Congresso brasileiro se quando ele olha para uma criança desnutrida no nordeste brasileiro ele enxerga alguma coisa além do voto que os pais dela poderão dar a ele nas próximas eleições; pergunte aos militares que tomaram o poder em Honduras se há alguma relação entre povo e democracia. Você nunca irá ouvir esses nãos, mas nem é preciso.

Contudo, eu ainda quero crer que o progresso na democracia das Américas seja sólido. Falo do Brasil, claro, que, apesar de ainda ter que conviver com uma corja de congressistas que parece saída dos porões da ditadura, conseguiu elevar à cadeira mais alta do planalto central um homem que luta pela paz. Falo da América do Sul – Bolívia, Colômbia, Equador, Paraguai, Venezuela – e ouso incluir os Estados Unidos, porque, se ainda não chegaram ao ideal, ao menos Barack Obama é infinitamente melhor que o neurótico militarista, George Bush. Quero acreditar, ainda, que estes avanços que têm sido vistos sejam, cada um, um grão de areia e que, juntos, possam significar um processo mundial lento, porém paulatino, que possa trazer a tendência de que as verdadeiras ditaduras caiam uma por uma, como já estão caindo para ameaça dos que duvidam do direito civil.

Reclamar seus direitos, cobrar deveres daqueles em quem bem mais que um voto, se depositou confiança. Quantos no mundo podem fazer isso e não fazem? Quantos não podem e nem sabem o porquê?

Naquele domingo em que a democracia foi apunhalada pelas costas em Honduras, com um presidente sendo deposto de pijama por homens encapuzados que lhe apontavam rifles, o que de fato o mundo fez? A OEA e outros órgãos internacionais até ensaiaram uma reação que, infelizmente, já não parece estar com o mesmo fogo depois de toda a palha queimada nos primeiros dias.

E como reage nessas horas a população mundial? A imprensa brinca com os fatos a seu bel prazer, principalmente em coberturas como essa, e boa parte do mundo assiste a tudo isso como se estivesse eternamente sentado num sofá com pipocas e uma aventura de Rambo na tela. Só que isso é vida real. Vidas têm sido perdidas e a omissão não está listada entre os famosos sete, mas talvez seja o pior dos pecados. Das muitas besteiras que eu já disse até hoje, não me arrependo por tê-las dito; arrependo-me muito mais pelas que deixei de dizer e, assim, deixei de descobrir se eram ou não besteiras.

Os homens nascem com total liberdade de pensamento. Podem e devem valer-se dela ao longo da vida. É natural que quem tem um pensamento conservador chie com a possibilidade do progresso; é natural e vital que os progressistas da esquerda chiem junto para defender as idéias em que acreditam; o que não é natural, ou não deveria ser, é o comodismo, a apatia, a inércia.

Só plantando paz é possível colhê-la. É humanizar e ser livre, ou autodestruir-se.

Mas, ainda que não seja regra geral, a tendência mundial são eleições livres e só elas podem fortalecer a democracia. Se mudanças são a única certeza que temos diante do futuro, não se pode deixar de acreditar que isso possa se tornar regra. Ainda que o apoio internacional a Zelaya seja tímido, eu não acredito que, num mundo globalizado como o nosso, em que, em maior ou menor escala, todos os países precisam de todos, Honduras vá conseguir sobreviver muito tempo como ditadura. Uma hora, a diplomacia vai ter que dar certo; uma hora, algum acordo vai ter que funcionar.

Tantos homens de gabinete jogando promessas ao vento à espera que o vento se reforme por si… Tanta diplomacia de factóide, tantos acordos de mãos vazias… Pra que servem mesmo, hein? Onde está a paz?

“Sei lá. O melhor é não procurar muito. Tragam pacotinhos vazios. A paz deve estar lá dentro.” Carlos Drummond de Andrade talvez respondesse isso. Talvez para nos lembrar que as mudanças da vida sempre seguem seu rumo e, às vezes, a paz é algo que chega quando a gente menos espera.

Ana Helena Tavares
Enviado por Ana Helena Tavares em 05/08/2009
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