Morte e vida Michael Jackson

Não sei quantos perceberam toda onda que engendrou a moda “Morte de Michael Jackson”.

Que me perdoem os pudicos em relação à Morte e aos mortos. Não zombo dela ou deles. Nem da Vida. Tenho respeito pelos mortos e pelos vivos. E está bem se tenho um pouco mais de respeito pelos vivos.

Compreendi que a Vida é contínua e detesto ver as pessoas sofrendo desnecessariamente, tanto quanto detesto estar sofrendo, quer graças a minha ignorância ou a perversidade alheia. Mas há muitas razões para o sofrimento e muitos meios de se livrar dele, embora nem sempre os melhores caminhos sejam opção da maioria. Mesmo porque somos preguiçosos. Imagine só: se não conseguimos cumprir míseros dez mandamentos, o que dizer de seguir Buda, que apontou oitenta e quatro mil ações (sic) que não devemos fazer para não sofrermos e para não causar sofrimento a outros?

Que me perdoem os que condenam os suicidas. Guardo meus respeitos por eles, por sua coragem de engendrarem sua memória de “covardes” pelo resto de suas mortes. Compreendo que viver se tornou difícil, mas, entre potenciais suicidas, muitos tentam permanecer vivos. Se possível, eternamente, com orações tanto quanto com cirurgias plásticas. Mas, a despeito de que eu não vá mais a igrejas, descobri que a Vida é mesmo eterna, embora talvez não seja de fato um deus. Mas, nas múltiplas expressões de Sua potência, não posso deixar de reconhecer Sua inteligência cósmica.

Assim, como não podemos escapar da morte, não podemos escapar da Vida (como não escapamos), de Seu impulso à Criação e as expressões de Sua fantástica existência. Por isso estamos aqui, como tantos estiveram e não estão mais. Como, logo, não mais também nós estaremos. É só lembrar os bilhões de bilhões de seres que viveram antes de nós, quer das primeiras famílias que nos formaram, quer de “nossa” espécie, quer de outras. Aqui e em outros planetas. Pense nos muitos e muitos que viverão depois de nós. Neste e em outros mundos. Porque, de fato, há muitos outros céus e terras por aí.

Assim, a despeito de que o mundo possa acabar amanhã, “a Vida continua” – como diz a sabedoria popular. Mas, considerando homenagens e desprestígios, a despeito do fuzuê que fizeram com a “morte” de Michael Jackson – como de outros tantos celebridades que jazem sob a terra – indiferenças mundiais à morte dos muitos anônimos abundaram, aqueles que, ao redor do mundo, morreram junto com o ídolo todo poderoso “black and white” sem nunca terem sido notados, sequer quando vivos.

Mas, depois da Morte, de Adão a Michel Jackson, estamos todos (ainda) por aqui a tentar descobrir os sentidos da Vida ou, melhor dizendo, os sentidos que podemos (e devemos) Lhe atribuir ao reconhecer em nós a realização de Seu maior sentido: viver e manter-Se viva.

As aspas que podem referendar “pouco caso” na palavra “morte” no caso Michael Jackson têm a ver com a lembrança das palavras do pintor espanhol surrealista Salvador Dali, quando perguntado se tinha medo da morte: “Sou um gênio” – disse ele – “e os gênios não morrem jamais”.

Há um tanto de verdade nisso, e o gênio criativo de Michael Jackson veio à tona quando ele tinha ainda cinco anos. Como Mozart, Michael começara cedo a expressar-se com a Música, que também deveria ter percebido formar-se do silêncio ao som, da imobilidade à dança. E a despeito de, como tantos, ele ter feito fartos exercícios de altruísmo, demonstrado sua generosidade, Michael Jackson foi alguém que descobriu e desenvolveu sua capacidade de “semear a Terra”, tornar-se partícipe da Criação.

Entre crises familiares e a vontade de expressar Deus – meta suprema de toda potencial estrela – Michael Jackson inventou passos de dança, escreveu belos poemas que vieram de seu coração gracioso a fazer baterem mais puros outros tantos corações duros.

Em sua pureza de intenções, acusado de “pedófilo”, Michael Jackson não teve apenas que sofrer os equívocos perversos daqueles que, para extorqui-lo, “não entenderam” seu amor pelas crianças e nos fizeram confundi-lo com um bicho-papão. Vencendo crises existenciais de todos os tipos, Michael Jackson usou sua imaginação, seu carisma, seu poder criativo e financeiro para forjar os sons e as formas por onde ele nos contaria saber sobre nossas vinculações essenciais com a Natureza, com todas as coisas vivas, sobre nossa condição de resultados de misturas que nos permitiu fazer a Vida na tentativa de escrever Sua história Humana.

Num clip considerado “uma expressão de sua megalomania”, onde aparece uma estátua sua tão grande quanto a Estátua da Liberdade, mostrou seu poder de nos levar a idolatrar sua imagem. Porque, para muitos, “Michael foi um deus encarnado num artista completo”. Para lembrar nossa vaidade e nossa fragilidade, entretanto, com o clip Trhiller – que bancou do próprio bolso – ele nos relembrou nossas relações com a Morte e a condição dos muitos morto-vivos, dos muitos vampiros dos quais ele mesmo fora vítima ao longo de sua carreira profissional.

A começar pelos abusos sofridos pelo pai.

Mas, superando rancores, na esperança de também fazer-nos superá-lo, com auxílio das artes, Michael Jackson nos mostrou também as muitas faces brancas, amarelas, vermelhas... preto-multicores das capas de um “deus” chamado Vida, a que consideramos nós mesmos em nossas guerras exclusivas. Porque, como na face de Krishna vista por Arjuna, a Vida tem todos os rostos e faz-Se viver em todas as espécies de seres de todas as raças, das quais, em Seu carnaval transcendental, Se fantasiou e Se fantasia para forjar realidades onde pode demonstrar a Si mesma Seus poderes de Ser e estar - às vezes temporariamente, embora sempre para sempre.

Como artista, sei que a função de deformar coisas ruins para formar algo melhor é quase uma obsessão. E que me perdoem críticos do maniqueísmo, mas quando artistas não gostam de algo em suas obras é porque reconhecem os abismos entre o feio e o Belo, o mal e o Bem. Considerando o Bem uma expressão plena da Ética, então, não o vêem nas ações de indivíduos, de grupo deles e dos tipos de mundos que promovem nas relações que engendram. Naturalmente, quer combatê-los, e suas armas principais são a coragem, a ousadia e a Beleza.

Para tanto, para que exerçam o poder de mudar realidades postas, ou aquilo que nelas há de desconfortável, de desnecessário – sejamos bons artistas ou apenas homens e mulheres de boas vontades – será preciso compreender necessário, primeiro, mudar o que temos de incômodo, de errado, de desnecessário em nós mesmos.

Como artista, Michael Jackson levou as últimas conseqüências a consciência de seu poder de provocar mudanças. Com sua criatividade, seus talentos e seu dinheiro, ele mostrou ao mundo, em sua música e em seu próprio corpo, o que significa poder mudar. “Viveu ‘várias encarnações’ numa única”, observou certa vez um amigo espírita.

Pensei em quais conseqüências isso traz para um indivíduo, como influencia a sociedade onde viveu, e cheguei a concluir que, diante do que o artista Michael Jackson “foi” capaz de fazer “em vida”, já não posso ter certeza de que ele esteja mesmo morto!

Está bem: aprendi que “os gênios não morrem”, como observou Salvador Dali. Mas, quanto à versão de que “Michael morreu de fato”, o que vimos de seu corpo deitado em seu “caixão de ouro” me faz pensar provável que sua morte pode não ter passado de mais uma de suas ricas performances, mais um dos muitos “embustes” que as artes nos promovem realizar – quer quando para a objetivação de formas ao “puro divertimento” ou a formação de explícitos objetos conceituais, muitos deles, infelizmente, sempre menos esclarecedores do que pretendem os artistas que sejam.

Não é certo que “a morte de Michael Jackson” tenha sido sua última performance – como dizem ter sido a morte de Elvis Presley, que, acreditam, “ainda está vivo por aí, escondido em algum lugar”. Talvez a morte de Michael Jackson, influenciado pela crenças nas pseudomortes de seu ex-sogro, de Jimi Hendrix e Janis Jopplin, entre outros, tenha sido apenas mais um produto da mente brilhante de um homem criativo, economicamente abastado que, bem assessorado, influenciado pelo que fazem os brâmanes indianos (que abnegam de sua vida familiar, de seus problemas mundanos, para comungar melhor com os deuses e preparar-se para ensinar outros a viver e morrer), Michael Jackson pode muito bem ter forjado sua própria morte.

Ainda vivo em alguma parte do planeta, assim – talvez agora entre remanescentes civilizações intraterrenas (sic) – é possível que Michael Jackson tenha se afastado do burburinho e do glamour simplesmente porque não agüentava mais ser aplaudido, bajulado e perseguido. “Tudo na vida cansa”, disse-me uma vez certo maratonista. Para Michael Jackson, uma maratona de dezenas de outros shows, realizados para pagar e realizar outros débitos de milhões de dólares, lhe seria extenuante – dado seu estado de “fragilidade” orgânica, conquistada com o uso das drogas que usava para manter sua mudança, além de sempre ativo. E pensando em negócios, inteligente e ousado, Michael Jackson bem pôde ter chegado à conclusão de que fazer os shows não seria mais rentável que forjar sua própria morte.

Agora, sendo eu também um fã de Michael Jackson, fico pensando como será e quando ele produzirá sua ressurreição.

Parafraseando o livro “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto, ando pensando em escrever um chamado “Morte e Vida Michael Jackson”. Talvez alguém já ande a escrevê-lo por aí, ou fazendo um filme, que, como pretendo em meu romance, narrará toda a trama de Michel, junto aos seus bem pagos assessores, para forjar a própria morte e, finalmente, viver em paz, bem longe do caloroso desgastante assédio dos fãs e dos perigos de bandidos invejosos, contando os lucros do espetáculo daquilo que pensamos ter sido sua morte.

“Michael Jackson está vivo”. Fato ou ficção?

A bem da Verdade, ainda que esteja morto, o certo é que Michael Jackson viveu e viverá sempre mais que a maioria de nós.