A Morte veste o manto da inveja

*Juarez Chagas

Tenho freqüentemente falado em meus artigos, seja no Jornal escrito, seja no blog sobre a mais conhecida e aceita imagem ou representação da morte, a do esqueleto envolto com sua capa preta, empunhando sua foice e montando seu sinistro cavalo que voa com o vento. É uma representação contida no imaginário individual e coletivo do ser humano, há séculos! Entretanto, é bom saber que a morte pode assumir qualquer representação momentânea ou situacional, pois ela é tão sagaz e sutil como nossa imaginação e pode muito bem escolher qualquer situação, qualquer coisa na qual possa se travestir, assumindo sua forma. Nesse sentido, podemos dizer também que a morte veste o manto da inveja.

A inveja, o segundo pecado capital (já tendo tido uma semelhança com o primeiro, a cobiça, que também significa invejar, mesmo que moderada e especificamente a mulher do próximo), tem embasamento teológico e antropológico em diferentes momentos da vida humana, compondo assim a coleção dos sete pecados capitais: cobiça, inveja, luxúria, ira, gula, orgulho e preguiça.

Na verdade, a inveja é tida como um dos mais vis dos sentimentos humanos que, pela sua capacidade de destruição, muitas vezes até do próprio invejoso, tem sido considerada uma patologia comportamental e por causa disso requer até tratamento psíquico. Etimologicamente é importante a noção da palavra “inveja-s.m. (Latim, invidiam). Misto de ódio e desgosto provocado pela propriedade ou alegria de outrem; desejo de possuir um bem que outrem possui ou desfruta”. Mas, não basta saber o que ela significa técnica e ortograficamente. É preciso entender o que realmente a inveja representa, o que pode causar e, melhor ainda, dela se livrar!

A questão aqui não é apontar discas ou receitas de como identificar um invejoso ou uma invejosa, porque isso compete a cada um de nós saber fazê-lo. Aliás, é vital, não apenas identificar, mas também se livrar do invejoso. Entretanto, para isso é muito importante que saibamos perceber os sinais. A propósito, estamos sempre recebendo sinais sobre tudo em nossas vidas, nós é que os negligenciamos. Saber entender, detectar e lê os sinais é uma obrigação vital, pois por essa razão possuímos percepções e delas depende nossa sobrevivência e sucesso. Infelizmente, negligenciamos tanto nossos sentidos e percepções quanto negligenciamos os sinais. Nosso soma e nossa psique existem para nos inteirar ao ambiente, tanto o ambiente que nos cerca quanto nosso ambiente subjetivo, emocional e mental. Sem esse entendimento, estamos fadados a tudo o que é negativo.

A inveja é tão importante em nossas vidas, do ponto de vista do conhecimento que a ciência, a exemplo da religião, resolveu também se preocupar com ela. A psicanálise, por exemplo, tem dedicado uma boa parte de seus estudos à inveja. Freud, Melanie Klein e outros estudiosos do comportamento humano deram sua grande contribuição a estudos sobre o assunto. A Psicologia também destina grande parte de sua atenção à essa questão.

Na verdade, podemos ver que a inveja pode estar dentro de cada um de nós e também dentro dos outros pecados capitais, além de ser ela própria. E é aí que reside a gravidade de todo o contexto, pois ela é altamente destrutiva, tanto para quem tem a inveja dentro de si,

como para quem é invejado e sofre suas mais desastrosas conseqüências.

Mas, deveríamos bem notar o invejoso de longe porque ele próprio se denuncia duma forma ou de outra. Muito embora suas características sejam diversas e ecléticas. E reside aí a importância dos sinais. Existe o invejoso aniquilador e esse diz logo a que veio: destruir você no primeiro round; existe o oposto desse, que ao contrário, se aproxima de você como uma hiena faminta. É gentil com você, rir de todas as bobagens que você fala, faz questão de ser seu “amigo”e elogiar as coisas mais absurdas que você possa praticar, enquanto afia as garras sem nenhum ruído para enfia-las em você, no momento certo e, normalmente, pelas costas. Existe aquele que surge de repente, muito embora já estivesse lhe sondando há séculos! É aquele que sabe tudo sobre você, se brincar, mais do que você sabe sobre você mesmo. Existe aquele com quem você cruza somente eventualmente, mas que lhe espreita à distancia e quando lhe vê imagina consigo mesmo “eu ainda chego lá também...” mesmo que, aonde você vá seja o pior lugar do mundo. O que ele quer é competir como você por uma questão de necessidade que vai além da inveja. Digamos que esse tipo possa até apresentar alguma grau de psicopatia. E aquele que quer ser você em tudo? Já se deparou com o tipo? Se ainda não, então se prepare que vai encontrar um dia. Se ele pudesse teria até o teu nome ao contrário para quando chamar repetidas vezes sem parar soar exatamente igual. Sabe aquela brincadeirinha boba de dizer “você amo...” repetidas vezes e terminar dizendo “amo você”? É exatamente isso. Esse tipo quer ser você de qualquer jeito e não mede distancia nem na retórica!

E o perigo reside em tudo que diz respeito a você. Ele se aproxima da tua família, dos teus amigos, procura um trabalho parecido só pra freqüentar o mesmo ambiente. Existe o sósia desse também, que quer ser você, mas não se aproxima. Ao contrário, ele tenta te personificar, usa o mesmo carro e o mesmo perfume. Freqüenta os mesmos ambientes. Tudo isso a uma certa distância. Faz amizade com os teus amigos até chegar o ponto que as pessoas começam a desconfiar que quem tem inveja dele é você. Aí já é tarde. Daqui que você consiga provar que é o contrário, irão achar você é a mais ridícula das pessoas. Você pode até parar na terapia pra poder justificar a você mesmo que você é você e não ele e, correr o risco de ouvir o terapeuta te dizer “Você sofre de inveja”.

É meu caro e minha cara...da inveja ninguém se livra. O importante é que tenhamos também uma proteção energética antagônica à inveja, que pode até ser uma capa protetora, para podermos enfrentar esse tipo de morte que também veste a capa da inveja, matando a dignidade do ser humano, pondo fim no seu sentimento mais nobre, o amor à vida e ao próximo, o que na verdade significa o oposto da morte.

* Psicólogo e Professor do Centro de Biociências da UFRN