PENSANDO PARA NINGUÉM

PENSANDO PARA NINGUÉM

Na nova linha pedagógica que encontramos hoje em nossos sistemas de ensino, um grande valor é dado ao desenvolvimento de habilidades e competências. Formar um cidadão apto a criticar e refletir sobre a realidade à sua  volta tornou-se a palavra de ordem no âmbito escolar, em todas os segmentos, que vão desde a educação infantil aos bancos das universidades, sobretudo nos sistemas públicos de ensino.

Refletir sobre a realidade significa ter a capacidade de emitir juízo de valor sobre as estruturas sociais a que pertence, tendo condições de tomar posição diante delas, modificando assim as escolhas e o comportamento a respeito das questões práticas da vida.

Para que este objetivo seja alcançado por parte da escola, sendo um objetivo de longo prazo que abrange toda a formação da pessoa, faz-se necessário uma nova formulação pedagógica, orientada para estes propósitos. É uma forma diferente de ensinar, que convida à reflexão constante, que abre-se ao debate e que percebe a educação não mais como uma reprodução mas como um processo dialético de troca.
Fica claro o caráter ideológico deste contexto educacional, diferenciando-se do modelo tradicional apenas pelo fato de assumir esta faceta do ensino e procurar usá-la como meio de capacitar as pessoas a pensar por si mesmas. O sistema tradicional, cujo caráter era revestido de uma aura de imparcialidade e neutralidade era, na verdade, a maneira mais curta de se reproduzir o sistema vigente, sem precisar admitir isso. Ideológico, portanto, como qualquer outro modelo de Educação.

Entretanto, apesar dos sistemas públicos de educação tenderem cada vez mais a formar cidadãos críticos, observa-se um planejamento voltado exacerbadamente para o debate, para as discussões, para os trabalhos em grupo, priorizando o desenvolvimento da consciência cidadã, fazendo com que o aprendizado sistematizado e conceitual se dilua. Quando o aluno advindo do sistema público chega a um concurso público ou às provas vestibulares das universidades federais, no entanto, não é convidado a criticar coisa alguma, mas sim, obrigado a demonstrar conteúdos memorizados e habilidades práticas das disciplinas. Deste modo, vemos a contradição entre o que é ensinado e o que é avaliado no sistema público de nosso país.

Enquanto o aluno de uma escola estadual, por exemplo, está no meio de uma discussão filosófica ou política em sala de aula, o aluno de escola particular está concentrado em aprender aquilo que será pedido nas provas públicas, cuja vaga será tirada daquele aluno formado para criticar o mundo que o cerca.

Podemos constatar, portanto, que o mesmo sistema que forma o cidadão crítico-reflexivo é aquele que o excluirá ali adiante.
Necessário é notar que de nada adianta um batalhão de pessoas conscientes politicamente, altamente críticas e bem informadas, se estas estiverem fora do mercado de trabalho, fora das universidades, sem acesso às posições em que poderão usar sua capacidade de julgamento para fazer a diferença. O discurso da escola pública torna-se, portanto, vazio.

Sendo assim, aqueles que ingressam no ensino superior gratuito em nosso país são justamente os que poderiam pagar por ele, condenando as classes menos favorecidas a trabalhar como “escravas” para pagar sua formação ou engrossar as filas por financiamento educativo. É um paradoxo no mínimo cruel.

Somente a junção entre o tradicional e o renovado, onde senso político e conhecimento sistematizado são aliados, podem fazer diferença efetiva no quadro social. Capacitado criticamente e munido de conhecimentos específicos, o aluno pode sair dos bancos escolares apto a intervir na sociedade em que vive, preparado para ocupar um lugar onde sua voz será ouvida. Do contrário, o discurso crítico-reflexivo fica jogado aos cães. Vemos aí a necessidade de uma reformulação tanto dos sistemas públicos quanto dos particulares, bem como dos processos avaliativos que, não é de hoje, procuram apenas medir o acúmulo de informações de cada candidato.

Fica evidente, portanto, o cuidado que deve ser tomado por parte dos educadores com todos os tipos de extremo. Cada novo olhar sobre a educação não representa a anulação total do anterior, mas algo novo a se agregar ao conjunto de teorias já existentes. Ao longo da história os radicalismos demonstraram ser a maneira menos eficiente de se alcançar objetivos sociais consistentes.