Atração misteriosa

Por agudeza de observações cotidianas da natureza humana, experiências reais absorvidas por intermédio de relatos, leituras de textos científicos, jornalísticos e obras literárias, acrescendo sábios conselhos dos pais, cheguei à conclusão ponderada de que uma interação íntima e habitual entre casais com amizades muito próximas, desencadeiam mecanismos inconscientes e subconscientes de atração emocional entrelaçada com a libido entre os envolvidos.

O gatilho psíquico responsável pela admiração, sob o comando da vinculação da convivência, desperta afetividade e é caracterizado por papeis desempenhados em cenários universalizados, ou seja, mudam-se as localidades, mas as atitudes humanas são efetivamente arquetípicas, similares e relativamente previsíveis, responsáveis por ações e reações tão peculiares, que as personalidades/índoles, valores e estima, ficam em xeque nos contextos em que "a ocasião faz o ladrão".

Não convém a um determinado homem casado trazer para o seio do seu lar o convívio íntimo de seu grande amigo e fazer de sua presença uma constante e conceder-lhe uma intimidade tal que, com o transcorrer do tempo, causar-lhe-á sérios problemas. Ainda que polêmica, essa argumentação ecoa em casos verídicos, os quais não são poucos...

A figura do velho amigo de um casal é decodificada por ambos, ou mesmo quando um novo amigo é apresentado ao cônjuge, como um índivíduo avalizado, aprovado, confiável, estimado, íntimo... todos esses "ingredientes" virtuosos, somados aos atributos mais individualizados, despertam sentimentos positivos internos numa pessoa e poderosamente desencadeia o mover da libido, ainda que só no âmbito inconsciente. Há casos, por exemplo, em que o esposo de uma mulher incauta foi sutilmente seduzido pela melhor amiga dela, isso pode ocorrer voluntária ou involuntariamente (partindo do princípio da ocorrência de atos falhos), da parte de ambos ou de um dos envolvidos.

Devido à gravidade da situação e à insegurança diante de uma hipotética reação da pessoa "desejada", e dos laços de amizade em questão, é comum se esconder ou disfarçar as trepidações emocionais e libidinosas até o ponto em que se detecta uma inicial correspondência, a qual propicia menos insegurança em externar a existência do "magnetismo" e "justificar" a possível consumação de ocorridos na esfera oculta da cumplicidade ilícita. O próximo passo é o adultério clássico e destruidor implacável dos laços que ainda detinham e resguardavam a ambos e preservava a integridade da inocência e ingenuidade que pudesse existir na geometria do "triângulo da amizade", isso ocorre normalmente precedido de encontros particulares induzidos e contatos calculistas.

Quem pensa que um dos mais geniais e qualificados escritores brasileiros simplesmente "inventou" toda a magnífica obra literária ficçional "Dom Casmurro", certamente desconhece a agudeza do pensamento analítico machadiano do social e da natureza humana. Quem já não fitou "olhos de cigana oblíqua e dissimulada" como os de Capitu? Ou teve amizades parecidas com a de Escobar? Ressalvo que, evidentemente, a articulação da estrutura narrativa engenhosa da obra literária supracitada, cria propositalmente uma instigante ambiguidade, ou seja, uma intricada rede de argumentos narrados em primeira pessoa, os quais são prováveis, mas nunca líquidos e certos.

Ainda no campo das letras, cito a novela fiorentina da parte incidental da monumental obra literária "Dom Quixote de la Mancha", intitulada "A novela do curioso impertinente", onde Anselmo, com pouco tempo de casado, escala seu melhor amigo para testar a fidelidade de sua esposa... fato é que ele procurou problemas e imprudentemente despertou na esposa os mecanismos femininos de atração pela ilicitude de um relacionamento com um homem, até então virtuoso, confiável, admirado, aprovado, dentre outras virtudes personificadas na figura do melhor amigo do esposo. Detalhe, no livro o adultério foi consumado...

Para ilustrar contemporaneamente a ameaça que representa um convívio intimista de terceiros na vida de um casal, cito os casos das empregadas domésticas... figuras tão renomadas das fantasias eróticas masculinas, alicerçadas em retumbantes ou anônimos casos de verídicos adultérios (sem citar as secretárias, estagiárias, enfermeiras...). A intimidade forçada dessas profissionais é um perigoso elemento desencadeador de emanações internas do psíquico-emocional, as quais desembocam na libido. Muitas vezes os atributos físicos dela são suplantados tão somente pela intimidade, pelo convívio puro e simples, pela admiração e aprovação...

Com efeito, cito também a propagação da liberalidade da sociedade moderna, que incita praticas ilícitas outrora abomináveis, e o Swing, ou seja, a troca de casais tem ganhado vulto, ora de forma escancarada em casas de Swing, ora nos subterfúgios das relações de amizade entre casais.

Volto a trazer à baila a questão das amizades entre casais que se frequentam além do que convém, ou "triângulos amigáveis" que terminam por se transmutarem em "triângulos amorosos"... Mesmo que, em atitudes práticas não suceda algo muito contundente, indevido e delicado entre os envolvidos em um contexto dessa natureza, muito possivelmente existam os desejos e paixões, mas encriptados pelos moderadores éticos do foro interior desses indivíduos, com isso, simplesmente continuam a habitar no plano das sutilezas.

Pode parecer estapafúrdia, desconcertante e inaceitável a ideia da atração causada pela gravitação de pares amorosos, satélites que formam trios ou quartetos, ou quaisquer "x" e "y" de uma misteriosa "equação" fruto dessa interação, entretanto, basta uma cosmovisão ampliada para constatar a sucessão de eventos e engrenagens oriundos da lógica da histórica falibilidade dessa mecânica da natureza humana.

Carlos Augusto de Matos Bernardo

Florianópolis - 2005

Post scriptum: pondero que não se trata de regras gerais, nem de um padrão rígido de comportamentos antevistos, mas de tendências.

Augusto Matos
Enviado por Augusto Matos em 01/09/2009
Reeditado em 11/07/2011
Código do texto: T1786186
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