A Ordem, no "contexto" a Maçonaria

Qualquer candidato a entrar na Maçonaria tem de passar pela Câmara das Reflexões. É uma sala escura, com frases de ameaça pintadas na parede, onde pode esperar horas antes do início da cerimônia de iniciação. Mais famosa das sociedades secretas, a Maçonaria já foi descrita como religião, filosofia e centro de conspirações. Mas afinal o que é, quais os segredos e o que acontece nas sessões?

Vamos fazer um acordo: eu conto um segredo e você, leitor, promete não revelá-lo a ninguém. Antes de topar o trato, você precisa saber que os outros quase 3 milhões de pessoas que lerem esta revista conhecerão o mesmo segredo. Mas elas também se comprometerão a ficar de bico fechado. Agora cá entre nós: quais as chances de nenhum dos envolvidos quebrar o trato e contar o que ficou sabendo para a patroa, que por sua vez vai contar para a irmã, que vai dividir a novidade com as amigas do salão de beleza e daí para o mundo? Você apostaria na possibilidade de mantermos o tal segredo em sigilo?

Na cabeça de muita gente, a Maçonaria foi capaz dessa proeza. Uma tarefa árdua. Os integrantes da mais conhecida entre as organizações secretas guardariam um grande segredo bombástico, revelado somente para quem concorda em ser iniciado numa sessão cercada de mistério. Em nome da honestidade jornalística, é preciso dizer logo no início da reportagem que, se os maçons escondem uma informação dessas capazes de mudar o rumo do mundo, este repórter – e os estudiosos mais influentes do tema – foram incapazes de descobrir do que se trata. Por outro lado, são vários os rituais, símbolos e conchavos políticos que deveriam fica restritos a quatro paredes (obrigatoriamente sem janelas) de um templo maçônico, mas que estão descritos nas próximas páginas. Segredos e histórias que foram revelados a gente graúda como Benjamin Franklin, Simón Bolívar, pelo menos dezessete presidentes americanos e D. Pedro I – que entre os maçons brasileiros atendia pelo exótico apelido de Guatimozim. Nas próximas páginas, você se juntará a eles.

ROBERT LANGDON VEM AÍ

Para quem adora escrever sobre os cavaleiros templários, teorias da conspiração e Vaticano, a Maçonaria é um prato cheio. Não chega a ser surpresa, portanto, que o escritor Dan Brown tenha prometido voltar os olhos para a organização secreta em seu próximo livro. O autor de O Código da Vinci afirmou que a obra deve se chamar The Solomon key (“A chave de Salomão”) e ter a ação em solo americano. O ponto de partida para o professor Robert Langdon, especula-se, seria Washington e sua arquitetura supostamente repleta de símbolos maçônicos. Veja abaixo onde a trama de Brown pode passar.

Washington Family Portrait

O quadro de Edward Savage mostra três integrantes da família Washington reunidos ao redor de um mapa da cidade. Todos apontam para o plano, formando com os dedos uma misteriosa área triangular. No canto da imagem, o neto de Washington segura um compasso – símbolo maçônico – sobre o globo terrestre. Dá até para imaginar Langdon observando o quadro, exposto na National Gallery of Art.

Monumento a Washington

A idéia original era colocar aqui os restos mortais de George Washington, mas a família do ex-presidente vetou o plano. A pedra fundamental do monumento foi lançada pelo grão-mestre da Maçonaria na cidade, em 1848. A história do obelisco está, indiretamente, ligada ao Vaticano: uma pedra de mármore foi doada pelo Papa Pio 9 para sua construção. Mas o bloco foi roubado e sua localização até hoje é desconhecida.

Avenida Pennsylvania

Alguns especialistas afirmam existir um alinhamento da avenida, no trecho entre a Casa Branca e o Capitólio, com a estrela Sirius, que é associada à deusa Ísis, do Egito antigo. Pode estar aí um dos elementos do sagrado feminino de que Brown tanto falou em O Código da Vinci.

Compasso entre Capitólio, Casa Branca e Memorial a Jefferson

Muita gente vê no mapa da cidade um compasso com a cabeça no Capitólio içada uma das pernas na direção da Casa Branca e do Memorial a Jefferson. “É possível aplicar esse desenho triangular a qualquer mapa e faze-lo funcionar. O que não quer dizer que ele estava previsto no plano original da cidade”, diz Paul Dolinsky, chefe do órgão do governo americano responsável pelo patrimônio arquitetônico do país.

A tese pode soar frustrante. Mas, para alguns estudiosos, o grande segredo guardado pela Maçonaria ao longo da história é um só: não existe segredo algum.

A história

Para quem gosta tanto de segredos, nada melhor do que começar a própria história com um relato misterioso e que não pode ser comprovado. A origem da palavra maçom está no inglês, mason, que quer dizer pedreiro. Por isso, é forte a crença de que os primeiros integrantes da organização davam duro em canteiros de obras do passado. A lenda mais famosa conta que a origem da Maçonaria está na construção do grande templo de Salomão, em Jerusalém, narrada no Velho Testamento. Durante a obra, Hiram Abiff, o engenheiro-chefe, foi assassinado por três de seus pupilos. O motivo do crime é nebuloso, mas envolveria segredos de engenharia guardados por Hiram e uma disputa por promoções de cargo. O fato é que Hiram foi para o túmulo, mas não revelou o que sabia. Além de mártir, virou exemplo de bom comportamento maçônico. Para muitos maçons, é aí que começa a sua história, apesar de existir quem defenda que Moisés, os construtores da Torre de Babel e até Deus são maçons – afinal, o todo-poderoso não “construiu” o mundo em seis dias?

Outra tese, defendida também sem comprovação, é defendida por historiadores maçônicos como Christopher Knight e Robert Lomas e aponta a Maçonaria como herdeira direta dos poucos cavaleiros templários que não foram trucidados por ordem do papa e do rei da França entre 1307 e 1314. Pesquisadores independentes, porém, acreditam que a origem da Maçonaria moderna estaria nas corporações do ofício, espécie de sindicatos da Idade Média. Especificamente na corporação dos pedreiros, que reunia alguns trabalhadores mais qualificados da Europa - gente que construía catedrais gigantescas como a belíssima Abadia de Westminster na Inglaterra, que recebe fiéis até hoje. Como esses truques profissionais significavam bons salários, era natural que os masons cultivassem o hábito de mantê-los em segredo. Ficou conhecida como “maçonaria operativa” esse período em que os integrantes da ordem colocavam a mão na massa.

Entre os séculos 16 e 17, as técnicas de construção começaram a perder valor e as corporações mudaram o tom das reuniões. Especialmente na Grã Bretanha, elas ganharam traços de alquimia e rituais simbólicos. Também se abriram para quem não trabalhasse com construção, mas topasse guardar segredo sobre o que acontecia nos encontros. Começou a fase da “Maçonaria especulativa”, voltada para o conhecimento filosófico – que dura até hoje.

O crescimento atraiu nobres. Era chique participar daqueles encontros com ar de sarau secreto. Os antigos trabalhadores, por sua vez, adoravam estar ao lado da nobreza. Em cidades da Inglaterra, surgiram lojas (como são chamados os grupos de reunião) e, em 1717, quatro delas se reuniram para fundar a Grande Loja de Londres, o “Vaticano da Maçonaria”, até hoje a mais importante instituição mundial da ordem. Cinco anos mais tarde foi escrita a Constituição de Anderson, texto redigido pelo maçom James Anderson que colocava no papel todas as normas e rituais transmitidos oralmente. As lojas escolheram também seu primeiro grão-mestre, um sujeito chamado Anthony Sayer, que estava longe do glamour que o cargo teria no futuro, quando seria ocupado até por herdeiros do trono inglês. Quando morreu, Sayer era um simples vendedor de livros em Covent Garden, região de Londres que até hoje é sede de uma feirinha dessas com jeito alternativo.

Ideias

Mas o que esses homens faziam – e ainda fazem – em suas reuniões? Basicamente, discutem o caminho que o planeta deve tomar. E o rumo proposto é o da Luz, como eles se referem ao pensamento racional. A ideia é que se cada indivíduo refletir sobre suas atitudes e buscar sempre o caminho do bem e da perfeição, a sociedade vai caminhar naturalmente para o progresso. É uma filosofia, uma maneira de encarar o mundo, que foi um bocado revolucionária ao surgir no século 18, época em que reis controlavam o corpo e a Igreja, as mentes das pessoas. Para debater ideias, maçons criaram uma série de regras e tradições – o historiador inglês Eric Hobsbawn diz que o período do surgimento da Maçonaria especulativa foi especialmente rico no que chama de “invenção de tradições”, muito por causa das rápidas transformações que a sociedade vivia com mudanças nos costumes sociais e na divisão do poder. Foi nessa mesma época que surgiriam outras organizações do tipo como a Rosacruz e a Iluminati.

A Maçonaria, que acabaria sendo a mais forte e poderosa de todas, se desenvolveu como uma fraternidade que funciona como Estado, com hierarquias e legislação. E cada maçon tem liberdade de pensamento. No fundo, a Maçonaria não é uma, são várias. E ao contrário do que muitos pensam, a ordem não formou um grupo uniforme. Cada país teve a autonomia para definir seus rumos e caminhos, o que fez a ordem ter inclinações diferentes ao redor do globo: na Inglaterra e no Brasil, era ligada à aristocracia política, na França, anticlerical e pragmática, na Itália, revolucionária.

Diferenças entre as Maçonarias existem. Mas também há muita coisa em comum – em especial, as regras e os rituais. Ser admitido na Maçonaria, por exemplo, requer paciência em qualquer lugar do mundo. O candidato precisa ser convidado por um maçom, passar por entrevistas e ter a vida investigada por integrantes da ordem. São aceitos apenas homens que acreditam em Deus, têm pelo menos 21 anos e nenhuma deficiência física.

As sessões acontecem em templos cheios de simbologia. “Entrar num templo maçônico é mergulhar num espaço codificado”, diz o sociólogo José Rodorval, da Universidade Federal de Sergipe e autor de uma tese de doutorado sobre a Maçonaria. O templo não tem janelas e a entrada é voltada para o ocidente, onde a pintura é mais escura. No outro extremo, o oriente é mais claro – para a Maçonaria, é dali que vem o conhecimento. É nessa área também que fica o altar de onde a autoridade mais alta comanda a sessão. Nas paredes há 12 colunas, uma corda com 81 nós e outros símbolos como as pedras bruta e polida que representam os momentos pré e pós-iniciação.

Durante a iniciação, os homens vestem aventais para venerar o Grande Arquiteto do Universo, como eles se referem a Deus. Mas um Deus tratado dentro dos valores de tolerância religiosa do deísmo, tradição que recusa a ideia de que uma instituição tem o poder para fazer a ligação com o divino. E por isso um maçom pode ser judeu, católico, muçulmano. Nas sessões, Deus tem um nome específico. “Esse nome é um dos segredos mais bem guardados da maçonaria”, diz o historiador Jasper Ridley, que escreveu The Freemasons (“Os Maçons”, sem tradução em português), mas Ridley entrega o ouro; o criador é chamado de Jahbulon, uma corruptela que reúne os nomes sagrados de Jeová, Baal e Osíris.

Essas reuniões religiosas misteriosas, adivinhem só, colocaram a Maçonaria em rota de colisão com o Vaticano. Tanto que duas bulas papais condenando a ordem chegaram a ser emitidas por Clemente 12 e Bento 14. “Como outros governos, o Vaticano também se molestava com a atmosfera de segredo com a qual se cercava a Maçonaria”, diz o historiador espanhol Jose Benimeli no livro Maçonaria e Igreja Católica. A tensão hoje é menor, mas ainda existe. Em 1983, quando comandava a Congregação para a Doutrina da Fé, o hoje papa Bento 16 publicou a Declaração sobre as associações maçônicas. O texto não deixa dúvidas: “Os fiéis que pertencem às associações maçônicas estão em pecado grave”, escreveu.

Revoluções e conspirações

O Vaticano é apenas um dos desafetos da Maçonaria. Ao longo da história, a ordem colecionou inimigos com a mesma força que manteve seus segredos – as duas coisas, aliás, sempre estiveram diretamente ligadas. Pense na seguinte situação: sua vizinha está promovendo reuniões semanais na casa dela, mas não permite que você participe. Mais do que isso, ela se recusa a revelar o que está sendo discutido lá dentro. Se você tiver um mínimo “instinto de paranóia” – e a maioria de nós tem – vai achar que a dona está tramando contra você. A mesma lógica funciona para os maçons. Muitas das acusações contra a fraternidade começaram com perguntas do tipo “se é tudo boa gente, então por que raios eles não revelam o que estão fazendo?”

Assim, manter segredo mostrou-se uma ótima maneira de atrair desconfianças. Mas a verdade é que, para além do mistério, existe o fato de que as lojas maçônicas serviram, sim, de espaço para a agitação política. Seus ideais espelhados no iluminismo inspiraram – e muitos de seus integrantes se engajaram – em revoluções que chacoalharam o mundo, derrubaram governos e cortaram cabeças coroadas. “Ser maçom nos séculos 18 e 19 era um pouco como ser de esquerda no começo do século 20. Em geral, eram pessoas liberais, receptivas a novas ideologias e preocupadas em reorganizar a sociedade”, diz Andrew Prescott, diretor do Centro de Estudos da Maçonaria da Universidade de Sheffield, na Inglaterra. A consequência óbvia dessa atuação foi que a ordem frequentou os primeiros da lista de maiores inimigos das monarquias absolutistas. O efeito colateral indesejado foi que quanto mais a Maçonaria era acusada de conspiradora pelos líderes aristocratas, mais ela se fortalecia. É uma espécie de auto-profecia que se cumpre: “Se as lojas maçônicas eram apontadas pelos inimigos como o lugar em que revoluções eram planejadas, então era lá que os jovens revolucionários queriam estar”, afirma Jasper Ridley.

A Revolução Francesa, por exemplo, fez da visão de mundo maçônica (liberdade para adorar qualquer deus, igualdade entre nobres e plebeus e fraternidade entre os membros do mesmo grupo) o mote do novo país que pretendia construir. E transformou uma música originalmente composta e cantada na loja maçônica de Marselha, em hino nacional – rebatizado de La Marseillaise, “A Marselhesa”. Segundo Ridley, porém, são exageradas as afirmações de que a Maçonaria liderou a revolução. Marat, ideólogo de uma das alas mais radicais da revolução, e La Fayette, o militar aristocrata que aderiu ao movimento popular, eram maçons. Mas Danton e Robespierre, os dois mais importantes líderes da França após a revolução, não.

Mais ativa foi a influência na independência americana. Pelo menos nove das 55 assinaturas da declaração da Independência vinham da maçonaria, assim como um terço dos 39 homens que aprovaram a primeira Constituição do país. Benjamin Franklin, um dos principais articuladores da independência, era maçom até o último fio do pouco (mas longo) cabelo que tinha. E George Washington, líder dos rebelados, teria aparecido de avental maçônico na cerimônia de lançamento da pedra fundamental da cidade que leva o seu nome. Hoje, há quem afirme que durante sua construção a capital americana foi recheada de símbolos maçônicos e, no mercado editorial, especula-se que a arquitetura da cidade será o ponto de partida para o próximo filme de Dan “O Código da Vinci” Brown. Talvez o autor também dê nova explicação para as imagens que decoram a cédula de um dólar, com o olho que tudo vê e a pirâmide luminosa, que parecem inspiradas na Maçonaria – uma ligação que nunca foi admitida pelos desenhistas da nota.

Ventos maçônicos também foram sentidos na América do Sul. Na Loja Lautaro, que tinha braços espalhados pelo continente (o nome é homenagem ao índio que liderou uma revolta contra os espanhóis no século 16), costumavam se reunir Simón Bolívar, José de San Martin e Bernardo O´Higgins, todos líderes da independência no continente. No Brasil, eram integrantes, entre outros, José Bonifácio de Andrada e Silva, o barão do Rio Branco e o príncipe regente – e depois imperador – Pedro I. Apelidado de Guatimozim, nome do último chefe asteca, D. Pedro teve ascensão metódica na fraternidade. Foi iniciado em 2 de agosto de 1822 e promovido a mestre três dias depois. Menos de dois meses mais tarde, já era grão-mestre da ordem no Brasil, cargo máximo que poderia atingir. Na mesma velocidade, passaram-se apenas dezessete dias até que, já imperador, ele proibisse as atividades maçônicas no Brasil. “A Maçonaria é uma fraternidade e durante as sessões todos se tratam por irmãos e são iguais. Quando percebeu que nesse círculo ele poderia ter seu poder questionado e não seria apenas ‘o imperador’, D. Pedro deixou a ordem e proibiu seus trabalhos”, diz o historiador Marcos Morel, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Nada que tenha afastado os “irmãos” das atividades políticas. Pior para os sucessores de Guatimozim: legalizada em 1831, grande parte da Maçonaria se aliou ao movimento abolicionista, anti-clerical e mais tarde republicano para forçar a queda da monarquia no Brasil. Apesar de existirem muitos maçons monarquistas e escravocatas, a luta contra o poder da Igreja colocou a organização na linha da frente da defesa de um estado laico, como estabelecido em 1891 pela primeira Constituição republicana. Para os adversários, foi a comprovação do caráter conspirador da ordem. Os maçons diziam agir dentro de sua filosofia: lutavam por um país mais racional, e com ordem, que só assim chegaria ao progresso.

Os segredos

E o segredo, que você deve estar perguntando? Qual é o grande segredo da Maçonaria, aquele que aguçou séculos de curiosidade? “O segredo consiste de rituais e códigos. São apenas algumas palavras”, diz Andrew Prescott, da Univesidade de Sheffield. O negócio é que os maçons cultivam com cuidado o silêncio. Quem já viu um texto maçônico sabe disso. As frases têm abreviações aparentemente indecifráveis. Mas a coisa até que é simples. Algumas palavras são reduzidas a sílabas e acrescidas dos três pontos em forma de delta –o mesmo símbolo que aparece ao lado da assinatura de um maçom. Loj... é Loja; I... é irmão, como os maçons se referem uns aos outros; Prof... é profano, ou seja, quem não é da maçonaria. Há palavras reduzidas às iniciais e duplicadas em caso de plural. VVig... quer dizer vigilantes; AApr..., aprendizes. G...A...D...U... é o Grande Arquiteto do Universo. Também é comum ver inscrições que devem ser lidas da direita para a esquerda, numa referência o alfabeto hebraico. MOCAM, por exemplo, quer dizer “maçom”.

Existem ainda toques e sinais para quem é da Maçonaria. Esses são os mais secretos. No aperto de mãos, por exemplo, maçons se reconheceriam ao encostar o indicado no punho de quem está sendo cumprimentado, outro sinal para identificação fora dos templos seria passar a mão pelo cabelo, virando-a durante o movimento. E como durante as cerimônias os maçons devem estar sempre eretos, uma maneira de se comunicar em lugares públicos é endireitar a coluna e colocar os pés em forma de esquadro. O abraço maçônico, presente em vários rituais, consiste em colocar um braço por cima e outro por baixo, em “X”, bater três vezes nas costas e trocar de posição outras três vezes.

Outra corrente de pesquisadores afirma que o segredo maçônico é uma coisa íntima, que nasce no fundo do coração de cada maçom. Afinal, se para os que estão do lado de fora a Maçonaria é uma organização com forte inclinação para a política, para os que estão do lado de dentro tão ou mais importante é o conhecimento intelectual. “O segredo é uma espécie de viagem espiritual que o iniciado faz e que dificilmente poderia exprimir-se com palavras. É algo que o maçom guarda para si. Quanto mais velho, mais volumoso é o seu segredo, composto dos resquícios de suas experiências de vida”, diz Jesus Hortal, reitor da PUC-RJ, em seu livro Maçonaria e Igreja.

Tantas hipóteses para explicar qual seria o mistério maçônico fez surgir até o grupo de céticos. Gente como o filósofo John Locke, que sugeriu que o grande segredo guardado pela Maçonaria é que não existe segredo nenhum. O que, cá entre nós, seria uma revelação de proporções nada desprezíveis. “Mesmo que a inexistência de algum segredo seja o grande segredo maçônico, não é uma pequena proeza manter isso em segredo”, afirmou Locke.

A maçonaria manda no mundo?

Andrew Prescott e Jasper Ridley integram o time de historiadores que defendem a tese de que a influência da Maçonaria nos rumos da história foi superestimada ao longo dos tempos. Do outro lado, a lista dos que apontaram o dedo para a Maçonaria é grande. Inclui praticamente todos os papas que passaram no Vaticano nos últimos 300 anos; o general Franco, ditador da Espanha, escreveu um livro sob o pseudônimo de J. Boor em que acusava os maçons de serem responsáveis pela decadência da sociedade espanhola; e Adolf Hitler, que promoveu exposições de “arte antimaçônica” e afirmou que a ordem secreta sucumbira aos interesses judaicos – a fonte de acusação pode estar nos Protocolos dos Sábios de Sião, livro sagrado do anti-semitismo no século 20, que usou documentos falsos para “comprovar” a existência de uma conspiração judaica e afirmar que a Maçonaria era um dos instrumentos à disposição dos judeus.

Desde a virada do século 20, no entanto, é proibido em sessões maçônicas falar de política e religião (futebol vale). Como a Maçonaria não tem um corpo único – cada país é autônomo e existem diversas dissidências – a decisão não vale para todas as pessoas que se dizem maçons. Mas, na prática, a mudança deixou os encontros maçônicos bem menos agitados do que nos tempos em que reunia revolucionários como Símón Bolívar. Coincidência ou não, desde a proibição as histórias (e os boatos) envolvendo a Maçonaria rarearam – a última vez que alguém lembrou de citar a ordem como possível culpada em algum grande mistério foi na morte de João Paulo I, em 1978, que supostamente teria descoberto ramificações da fraternidade dentro do Vaticano e por isso acabou assassinado após 33 dias de pontificado. Em outros tempos, certamente alguém afirmaria que eventos como a Guerra do Iraque, os atentados em Londres ou a convulsão do Ronaldinho às vésperas da final na Copa da França haviam sido tramados pela Maçonaria. Seria esse ocaso da ordem na lista de grandes conspiradores mundiais um sinal de que a poderosa organização secreta está perdendo a força? Muitos estudiosos acreditam que sim. “Atualmente, a Maçonaria mais parece uma tentativa por parte de homens bem-intencionados, na maioria brancos e velhos, de entender o sentido da vida”, afirma o historiador americano H. Paul Jeffers, autor de Freemasons (maçons”, sem versão brasileira).

O que não quer dizer que seus integrantes tenham se afastado do poder. Muitos maçons brasileiros adoram listar pessoas importantes que integram a ordem. São empresários, policiais de alta patente, políticos, juízes. Todos unidos pelo compromisso de ajuda mútua – irmão que é irmão nunca deixa outro na mão. Atualmente, por exemplo, circula entre os maçons paulistas a história de um julgamento recente, parte de um escândalo nacional, que caminhava para a condenação do réu e mudou de rumo após telefonemas entre altos membros do tribunal. Advogados, juízes e o acusado eram iniciados da ordem.

Casos assim são frequentemene ouvidos, ainda que na maioria das vezes em tom de boato. E preocupam muita gente. Por mais que os integrantes da Maçonaria sejam gente da mais fina estirpe e dotados das melhores intenções, será que têm condições de abandonar os valores e pactos de fraternidade na hora de exercer cargos na sociedade pública? Entre os que acham que não estão os líderes da campanha britânica, encampada por setores do Partido Trabalhista, para que todos os maçons sejam obrigados a se revelar como tal – e eventualmente proibidos de trabalhar na polícia e na Justiça. Assim, evitariam ter a chance de auxiliar amigos em situação delicada. “Os críticos fazem acusações como se integrar a Maçonaria fosse muito diferente de ser sócio de um clube de golfe”, diz Andrew Prescott, da Universidade de Sheffield, para quem a campanha é um exagero. Pode até ser. Mas será que há mesmo um clube de golfe metido em tantas histórias, revoluções e rituais misteriosos? Se existir, vive em segredo.

MAÇONS QUE FIZERAM HISTÓRIA

Mozart

O compositor era bastante ativo numa das lojas de Viena. Compôs pelo menos oito canções para a ordem e colocou tantos símbolos maçônicos em A Flauta Mágica que a ópera chegou a ser descrita como um “livreto de propaganda pró Maçonaria”.

Jânio Quadros

É o único presidente na história do Brasil comprovadamente maçom, apesar de Fernando Henrique Cardoso também ser frequentemente apontado como membro da ordem. Fotos do maçom Jânio decoram a ante-sala do grão-mestre da principal loja de São Paulo.

Simón Bolívar

Ícone da independência sul-americana, o venezuelano frequentava a loja maçônica Lautaro, conhecida pelo discurso antiespanhol. Revolucionários como San Martin e Bernardo O’Higgins também participavam das sessões.

Harry Truman

Antes de ocupar a presidência americana durante a 2.a Guerra Mundial e autorizar o lançamento das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, foi grão-mestre da Maçonaria em Missouri, seu estado natal.

Dom Pedro I

O imperador teve uma relação e ódio com a Maçonaria. Sua passagem pela ordem durou três meses. Tempo suficiente para ele ser iniciado, ascender a grão-mestre e então proibir todas as atividades maçônicas no Brasil.

Benjamin Franklin

Cientista e ativista político americano, usou seus contatos nas Maçonarias da França e Inglaterra para conseguir apoio à causa da independência dos Estados Unidos, da qual foi um dos principais líderes.

PARA ENTRAR NO GRUPO

Conheça os principais momentos da cerimônia de iniciação no rito escocês antigo e aceito, o mais praticado no Brasil.

1. De peito aberto

Com os olhos vendados, o iniciado é levado ao templo por um maçom que vai acompanhá-lo durante toda a cerimônia. Ele deverá ter nus a perna direita até altura do joelho e também o lado esquerdo do peito – a origem desse costume seria uma tentativa de se certificar que não se trata de uma mulher.

2. 360 graus

Antes de começar a iniciação, o candidato é girado em torno de si para perder o senso de direção. A seguir, começa a cumprir provas que representam a passagem por fogo, água, ar e terra. Numa delas, ouve espadas tinindo ao redor do templo.

3. Montanha Russa

O iniciado encontrará obstáculos: uma gangorra onde sobe sem saber que está prestes a cair. Ou uma almofada de pregos em que é convidado a descansar – os metais serão retirados pouco antes de ele sentar. A ideia é testar sua confiança. Depois, é levado para uma pia, onde se purifica lavando as mãos e é incensado três vezes.

4. Batismo de sangue

O iniciado se compromete ao sacrifício pela pátria, pela humanidade e pela ordem. O venerável mestre então manda imprimir em seu peito uma marca que o tornará reconhecido para todos os maçons – na verdade, aproxima da pele um pedaço de ferro aquecido que transmite a sensação de calor.

5. Sim ou não

Após se comprometer a guardar em segredo tudo que escuta e a fazer caridade, o iniciado deixa o templo para os maçons decidirem se o aceitarão. Em caso positivo, o rito segue. Com um compasso numa mão e a outra sobre a Bíblia, o iniciado faz um juramento. O mestre diz: “De hoje em diante, estais ligado para sempre à nossa ordem”.

6. Faz-se a luz

Mais uma vez o iniciado sai da sala. Quando volta, encontra o templo às escuras e todas as espadas apontadas para ele. Só um sustinho. As luzes são acesas e, com uma espada sobre a cabeça, o iniciado recebe o avental de aprendiz e ouve a revelação dos segredos como toques, palavras e sinais. Está para sempre na maçonaria.

OS SÍMBOLOS

Compasso

O instrumento que desenha círculos perfeitos significa a busca pela perfeição. É o símbolo do raciocínio maçônico.

Esquadro

Seu ângulo reto mostra como o homem deve levar uma vida honesta. Ao lado do compasso, representa a união de ideias e ações.

Avental

Lembra que todo homem nasceu para o trabalho e que um maçom deve trabalhar insistentemente para a descoberta da verdade e melhora da humanidade.

Três pontos

Tem várias interpretações reconhecidas. Lembra o místico delta, faz referência ao tripé liberdade, igualdade e fraternidade e às qualidades indispensáveis ao maçom: amor, vontade e inteligência.

Colunas

Um templo dever ter doze, para lembrar os doze signos do zodíaco.

Sérgio Gwercman

Revista Superinteressante

Setembro de 2005

Josepedroso
Enviado por Josepedroso em 13/09/2009
Reeditado em 06/09/2023
Código do texto: T1807884
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