A ETNOMATEMÁTICA E OS DISCURSOS DOS PROFESSORES DE UMA ESCOLA DE CASEARA: UM OLHAR SOBRE O PARQUE ESTADUAL DO CANTÃO (PEC)

W.J. SOUSA¹; M.F.R.MEDINA²; M.VISINTAINER³

¹ Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade do Tocantins, Licenciado em Letras com habilitação em Língua Portuguesa pela Universidade Luterana do Brasil, Especialista em Docência do Ensino Superior e acadêmico do curso de Letras com habilitação em Língua Inglesa da Universidade Federal do Tocantins E-mail: woltoney@hotmail.com

2 Doutora em Filologia hispânica, professora e coordenadora do Curso de Letras do CEULP/ULBRA.

³ Mestre em Educação, professor e coordenador do Curso de Matemática do CEULP/ULBRA.

IX JORNADA CIENTÍFICA DO CEULP/ULBRA

RESUMO: Este projeto tem como objetivo principal analisar até que ponto nos discursos dos professores e no ensino da matemática aparecem a realidade como prática pedagógica em uma escola, segundo os princípios de Freire (1987). Objetiva-se também descrever, analisar e atribuir sentido aos discursos proferidos em sala de aula que abordem a realidade onde está inserida a escola, incluindo de modo especial o Parque Estadual do Cantão. O PEC é uma região rica em biodiversidade e recursos naturais o que o torna valorizado por investidores, turistas, governo e pelos próprios pesquisadores, razão pela qual surgiu a curiosidade por parte da equipe em pesquisar como a população local observa e reage diante das várias vozes externas que aparecem em torno do projeto Cantão. Desenvolvida em uma escola de Caseara como estudo de caso, esta investigação qualitativo-descritiva, a partir de análise documental e de observação não participante, está em processo de realização. Ela pretende colaborar com o despertar da consciência da comunidade escolar, no sentido de defender o direito de usufruto dos recursos da região do PEC de maneira sustentável.

Palavras-chave: discursos, etnomatemática, Parque Estadual do Cantão (PEC).

INTRODUÇÃO: Segundo os estudos de alguns pedagogos, o ensino deve iniciar a partir da condição real dos educandos. Para o processo de ensino e aprendizagem ocorrer de modo produtivo, é necessário considerar os aspectos comuns à localidade dos discentes, especialmente, àqueles fatores os quais estão diretamente ligados à cultura, ao ambiente, à ideologia, entre outras características que formam o lugar em que eles vivem. Freire (1987) afirma que o aprendizado é alcançado por meio de um ensino libertador cujo método visa valorizar o conhecimento prévio dos educandos como uma forma de incentivar a busca própria do conhecimento, de forma a aumentar a autonomia diante da construção do saber. Nesse sentido, os PCN (1997, p. 48) propõem transformar a sala de aula em um espaço reflexivo para os alunos pensarem o ensino de forma ampla, por meio do contato com as diferentes pessoas e opiniões. A escola como um todo deve se constituir “um espaço em que o diferente não seja nem melhor nem pior, mas apenas diferente, e que, por isso mesmo, precise ser considerado pelas possibilidades de reinterpretação do real que apresenta”. O objetivo principal desta pesquisa, ainda em andamento, é o de apresentar uma análise sobre a etnomatemática e os discursos dos professores de um colégio no município de Caseara. Tal investigação tem como meta constatar se há relação entre o ensino e a realidade local, de modo especial, o Parque Estadual do Cantão. O PEC é uma região conhecida no Brasil e até mesmo no mundo e é valorizada por causa dos recursos naturais que possui ao contar com uma rica biodiversidade capaz de despertar o interesse de pesquisadores, turistas, como também do governo e de investidores nacionais e internacionais. Diante do grande desafio que é trabalhar o ensino a partir da realidade dos educandos, questiona-se: como os educadores de Caseara veem o PEC? Que grau de consciência eles têm sobre esse lugar cobiçado por outrem? De que maneira a realidade do parque aparece nas manifestações discursivas (textos) e na prática da etnomatemática? Até que ponto há preocupação, por parte de educadores e educandos, em defender tão importante patrimônio? Esses e outros questionamentos vêm intrigando a equipe de pesquisa que tem se empenhado na busca de respostas para tais indagações. Dessa forma, este estudo tem a proposta de verificar, entre outros aspectos, a maneira como são os discursos dos professores em relação ao PEC, nas aulas, e se aparecem elementos regionais nas práticas pedagógicas. A partir de uma escola tratada como unidade de análise ou como marco referencial de relações educacionais complexas, esta pesquisa propõe apresentar aspectos pedagógicos significativos que devem ser considerados em todas as escolas do entorno do PEC. Freire (1998) afirma que o ensino deve surgir a partir do contato do sujeito com o mundo, ou seja, a fala do autor remete à idéia de que antes de o indivíduo se propor a estudar formalmente, ele já adquiriu uma grande bagagem de conhecimentos e, por sua vez, irá colaborar para a sistematização de novos aprendizados. Freire (1987, p. 86) aponta que o educador deve elaborar o conteúdo programático “a partir da situação presente, existencial, concreta, baseado nas aspirações do povo”. A partir da concepção de se formar educandos conscientes de si e do local onde habitam, surgiram os questionamentos envolvendo a formação escolar e o Parque Estadual do Cantão. Dessa forma, apareceram algumas dúvidas que despertaram o interesse dos pesquisadores em estudar a relação ensino versus realidade local/PEC. Tendo em vista o grande interesse dos pesquisadores, dos investidores e dos turistas pelo PEC, surgiu a curiosidade de saber se esse local está sendo valorizado pelos moradores do entorno do Parque, e se a comunidade escolar que colabora diretamente com a formação educacional e ideológica aborda sobre o PEC nos seus discursos dentro da escola. Assim, a importância deste projeto está relacionada, sobretudo, ao fato de, tanto pesquisadores quanto informantes, serem sujeitos historicamente localizados, o que torna o trabalho dialogicamente instigante ao aprendizado de ambas as partes.

MATERIAL E MÉTODOS: Antes de partir para a ação da pesquisa propriamente dita, os pesquisadores envolvidos leram e discutiram as teorias fundamentadoras do projeto. Tais leituras foram importantes para a equipe como um todo, visto a necessidade de convalidar a investigação por meio dos outros estudos teóricos e científicos já existentes. Assim, as obras Pedagogia do oprimido (1987), Pedagogia da autonomia (1998), os PCN (1997), Pesquisa em educação: abordagens qualitativas (1986) e outras serviram de base para fundamentar teoricamente este trabalho. Foram adotadas posturas de caráter qualitativo-descritivas nesta investigação, cujo delineamento é o estudo de caso instrumental. Os pesquisadores deste projeto consideram o estudo de caso como procedimento adequado, sobretudo pela importância que o contexto tem na ocorrência dos fenômenos do âmbito educativo, em ambiente natural, que tem a pergunta COMO os professores falam do PEC na escola? Lüdke e André (1986, p. 18) afirmam que “o estudo de caso qualitativo é o que se desenvolve numa situação natural, é rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada” o que está de acordo com as prerrogativas do trabalho proposto. Este projeto adotou o estudo de caso instrumental, “desenvolvido com o propósito de auxiliar no conhecimento ou redefinição de determinado problema”. Isso significa que a descrição de como os educadores abordam a realidade do parque de preservação ambiental nos seus discursos na escola pode instigar tanto os envolvidos como também outros professores do entorno a repensarem a prática pedagógica. Como amostragem foi escolhida uma escola da cidade de Caseara, porque é a instituição da rede estadual de ensino de maior porte do município e atende alunos desde os primeiros anos do ensino básico até os últimos anos do ensino médio e da Educação de Jovens e Adultos - EJA. Além de acolher os estudantes da cidade, a unidade escolar recebe também estudantes dos assentamentos circunvizinhos o que exige uma atenção especial dos educadores. Para coletas de dados foram propostas fontes secundárias e primárias, utilizando-se para isso as observações estruturadas não participantes; as entrevistas semiestruturadas e a análise de documentos, tais como: arquivos da escola, projeto pedagógico, planos de ensino, diários de classe e os planos de aula. Desses procedimentos adotados foram realizados, até o momento, parte das observações e parte da análise dos diários de classe, sendo que os outros instrumentos serão desenvolvidos ao longo da pesquisa. Após reunião para a apresentação do projeto, seguida do pedido de autorização com a assinatura do protocolo por parte da direção e de um número expressivo de docentes da escola, os pesquisadores iniciaram a coleta de dados. A observação não-participante foi a primeira atividade e consistiu em acompanhar os professores durante as aulas ministradas e sem a interferência dos observadores. Parte das observações foi realizada pela equipe nos dias: vinte e três e vinte e quatro de março e nos dias: vinte e vinte e um de maio de 2009, sendo que os pesquisadores se organizarão no sentido de realizar o número de observações necessário para validar a pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO: Dois aspectos foram considerados relevantes no desenvolvimento do trabalho: primeiramente, embora não tenha sido fácil o contato inicial, o apoio e a acolhida da direção da escola e também da Secretaria de Educação do Estado deixaram a equipe à vontade para realizar as atividades previstas. A cada nova visita realizada na unidade de ensino cresce a proximidade entre corpo docente e equipe de pesquisadores, o que sinaliza confiança recíproca, relevante na concretização da proposta. Outro fator significativo foi a reação dos professores frente à apresentação do projeto. O desafio de realizar uma metodologia pedagógica que parta da realidade dos educandos, conforme preconiza o pedagogo Paulo Freire, provocou tanto a direção quanto os coordenadores e os docentes da escola. Conversas informais sobre o Parque Estadual do Cantão vieram à tona, por meio das quais os professores reagiram tanto a favor quanto contra o PEC. No primeiro caso, alguns deles reconheceram a importância do parque e expressaram a respeito da necessidade de abordá-lo nas aulas, como também lembraram certas experiências já realizadas para tal fim. No segundo caso, houve manifestação contra, no sentido de, ao ser estatizado, o acesso ao parque burocratizou-se, impedindo as pessoas de continuarem a pescar, caçar ou simplesmente se divertirem, tal qual elas faziam antes de ele ser decretado como área de preservação ambiental. Enfim, as conversas, inclusive as informais, têm contribuído na contextualização do parque e da prática dos professores no entorno. Quanto aos instrumentos de coletas de dados de fontes secundárias, foram verificados cento e trinta e um diários do Ensino Médio e trinta e nove diários do Ensino Fundamental, abrangendo todas as séries de estudo, provenientes dos três turnos em que o ensino é ofertado: matutino, vespertino e noturno. Tais diários contemplaram: Língua Portuguesa, Arte, Educação Física, Matemática, Física, Química, Biologia, História, Geografia, Sociologia, Língua Inglesa, Orientação Profissional, Filosofia e Redação Oficial, num total de quatorze disciplinas ministradas na escola. As observações, ainda em andamento consistem em verificar o discurso dos professores ao ministrarem as diversas disciplinas tais como ciências biológicas, geografia, história, língua portuguesa, língua inglesa e outras, no intuito de saber se eles abordam ou não o contexto onde vivem, principalmente questões relacionadas ao PEC. Durante esse período de observações notou-se a preocupação dos professores diante da presença dos observadores, verificando, assim, pequenas alterações no comportamento de alguns docentes, o que é considerado normal em tal situação, embora corra o risco de alterar o fenômeno. Na primeira etapa, para melhor estratificação da coletas dos dados, a equipe de pesquisa distribuiu as observações em dois dias, nos três turnos, da seguinte maneira: dia 23/3/2009, nos turnos vespertino e noturno, contabilizou dezoito observações; e no dia 24/3/2009, no turno matutino, com dez observações, totalizando nos dois dias vinte e oito observações. Foram assistidas às aulas tanto nas séries do ensino básico, como também do ensino médio, nas disciplinas de português, matemática, geografia, biologia (ciências) e inglês. No que diz respeito à organização e à distribuição dos dias e dos horários das observações, a segunda etapa ocorreu de forma semelhante à primeira: no dia 20/5/2009, foram acompanhadas as aulas nos turnos vespertino e noturno; e no dia 21/5/2009, as aulas nos turnos matutino e vespertino. Em termos quantitativos, a equipe observou dezoito aulas no primeiro dia e sete no segundo, correspondendo a um subtotal de vinte e cinco observações. Mais uma vez as observações abrangeram as séries do ensino básico e do ensino médio nas disciplinas de português, matemática, geografia, biologia (ciências) e inglês. É importante ressaltar que as etapas de observações ainda não se encerraram. Assim, o número de aulas acompanhadas pelos pesquisadores chegou um subtotal de cinqüenta e três observações. A equipe de pesquisa pretende ainda organizar outros dias para continuar o processo de acompanhamento das aulas dos professores. Segundo Lüdke e André (1986, p. 25), “para que se torne um instrumento válido e fidedigno de investigação científica, a observação precisa ser antes de tudo controlada e sistemática”. Dessa forma, as informações obtidas por meio das observações foram devidamente anotadas durante cada uma das aulas. Sendo que, em cada relatório, houve o cuidado de separar os fatos puramente descritivos da opinião pessoal do observador. Enquanto a primeira ocupou o lugar central, a segunda foi colocada sempre no último parágrafo, de forma separada da descrição verificada nas aulas. A diversificação dos dias e dos horários das observações é essencial para a catalogação coerente dos dados, pois as informações coletadas podem variar de acordo com o tempo da manifestação de cada fenômeno. Além disso, a distribuição dos dias das observações em diferentes meses torna-se fundamental para analisar e sistematizar a ocorrência ou recorrência dos fenômenos ou acontecimentos na sala de aula.

CONCLUSÕES: Por meio dessas observações iniciais, percebeu-se que os desafios encontrados no âmbito educacional ainda existem, especialmente, quando o objetivo é o de trabalhar o ensino levando-se em conta o contexto regional, tal como propõe Paulo Freire: a construção do conhecimento se concretiza a partir dos elementos constituintes do local. Até o ponto onde já se foi observado nesta pesquisa, entre os outros aspectos voltados para o ensino e a aprendizagem, os pesquisadores perceberam a necessidade de encontrar novos meios de despertar a consciência e a formação de opinião dentro do ambiente escolar. E da mesma forma, é preciso buscar mecanismos capazes de provocar a curiosidade e a preocupação tanto dos docentes quanto dos discentes no que diz respeito ao trabalho educativo por meio da problematização gerada a partir da realidade local. Nos diários das diversas disciplinas, do ano letivo de 2008, observados, poucos foram os conteúdos programáticos que se relacionaram, mesmo indiretamente, com a realidade local, isto é, com o PEC ou mesmo o entorno do parque. Em nenhum deles surgiu, de forma direta, a presença do PEC nos conteúdos expostos. Por outro lado, observou-se a possibilidade de se trabalhar o PEC em quase todas as disciplinas e seus respectivos conteúdos programáticos. Além disso, as observações nas salas de aula revelaram outra realidade presente no ensino, entre elas destaca-se a falta de atenção para o uso de metodologias que preconizam a construção do conhecimento a partir da realidade local. Mas esse aspecto não pode considerado como definitivo para a análise desta investigação. Como esta pesquisa ainda está em fase de construção, a equipe pretende dar continuidade ao processo de coleta de dados para, em seguida, elaborar um relatório descritivo-analítico a respeito dos discursos dos professores em relação ao Parque Estadual do Cantão. Ao (re)iniciar uma pedagogia atenta à realidade do entorno do PEC, além de promover a aproximação entre o parque e a comunidade, espera-se que os professores de Caseara possam contribuir com as mudanças de atitudes dos cidadãos, especialmente os alunos, frente ao meio ambiente, como o respeito aos recursos naturais e a atenção ao que ocorre na realidade onde estão inseridos. Possam, igualmente, desenvolver consciência crítica acerca da sustentabilidade e das razões que tornaram tal espaço como área de preservação ambiental. Os pesquisadores esperam contribuir, por meio de curso de extensão, com reflexões e assessorias pedagógicas, não somente com a escola selecionada para o estudo de caso, mas com outras unidades de ensino localizadas no entorno do PEC, ao colocar-se à disposição da SEDUC-TO para tal finalidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEF: MEC, 1997.

CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais. Petrópolis (RJ): Vozes, 2006.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.

_______, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

LÜDKE, Menga e ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

Wolney Jhákomo
Enviado por Wolney Jhákomo em 14/09/2009
Código do texto: T1810235
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