DIA DO PROFESSOR - SAUDADES DA PROFESSORINHA???

Que saudade da professorinha que me ensinou... !!!

Saudade da velha escola pública?

Claro!... Muito melhor... Bastava estudar e pronto...

Você estava aprovado para a vida...

Facérrimo!...

Orelha de burro nele!

Facílimo ou facilíssimo, segundo o Houaiss!...

Aritmética? Só decorar a tabuada...

Simples!

Você copiava uma, duas, três, quatro, cinco vezes seis, sete, oito, nove, dez vezes os números...

Saía falando sozinho pela rua os valores que resultavam.

Aí, na hora da aula, ficava com o rabinho gelado entre as pernas que tremiam...

Ai! Se esquecesse uma continha só.

Já para o milho!

Porque não podíamos carregar pedrinhas ou palitinhos, jogá-los no chão ou pegar o giz e riscar a lousa “xis vezes ene risquinhos” e contá-los?

Tinha que ser abstrato? Sempre gostei de poesia concreta...

Não sou da época de ajoelhar no milho, da orelha de burro e da palmatória, mas era uma “escutatória na orelha” da professora e da mãe que quase tinha que ajoelhar e pedir perdão pelo pecado de não haver aprendido que “seis vezes oito” não era igual a “sete vezes sete”...

Mas era quase!

Até hoje não entendi porque o Nenê não passou para a quarta série do Curso Primário... Diziam que não sabia tabuada... Justo ele que ajudava seus pais na vendinha; fazia as contas “de mais” das cadernetas nos dedos, ágil como um ábaco; não errava um troco; sabia quantas dúzias de garrafa de cerveja tinha no depósito; calculava “de cabeça” quanto custava um quarto de mortadela... Foi reprovado porque nunca aprendia que oito vezes sete era cinqüenta e quatro... Ou quase isso...

A vendinha deles cresceu e tornou-se um supermercado, administrado pelo Seu Nestor, um comerciante semi-analfabeto que, além das duas pequenas filiais do comércio, tem algumas casinhas de aluguel, um sítio e apartamento de cobertura na praia... Isso que se saiba... Às vezes, vejo o Nenê no caixa... Cabelos ralos, comentou-me, certa vez, que se orgulha de seus filhos estudarem na escola mais cara do bairro, porque não quer que eles terminem a vida num balcão.

Quanta tinta vermelha foi gasta pela professora no meu caderno de caligrafia porque a letra teimava em sair da linha. Ainda bem que não gastei todas as minhas tardes endireitando a letra e brinquei na rua, jogando bola, botão, et coetera...

A datilografia e a invenção do computador quebraram meu galho, assim posso escrever à vontade sem me preocupar com o alinhamento da letra...

Ah! Agradeço também o advento do xizinho no vestibular que me possibilitou ingressar na faculdade, porque duvido entendessem minha letra lá naquelas priscas eras e como não tinha dinheiro para pagar um escriba com caligrafia bonita estaria “frito”.

Assim meu Caminho foi mais Suave que o do Gera, um catador de papel que vaga pelo bairro... Gera era um craque no futebol... Nas aulas de Educação Física ou era o capitão do time ou o primeiro a ser escolhido... Um caso quase igual ao Nenê... Fazia tantos gols que perdia a conta... Não passou da primeira série do Gymnásio... Oriundo de família pobre limitou-se a ser trabalhador operacional, aposentou-se e complementa seu salário mínimo por trinta e cinco anos de serviço puxando sua carroça pela rua.

Já o Ivo não via a uva, mas viu a viúva...

E enriqueceu o danado.

Vivíssimo, vinte anos mais novo que a dona Vivi, contra tudo e contra todos, deu o “golpe do baú”, como se dizia naqueles tempos anteriores ao cartão de crédito.

De dia, anda de carro do ano carregando sua “velhinha” como ele gentilmente a chama.

Depois que a põe para dormir ainda tem tempo para sair, em “happy-hours” com amigos do “high-society” e usufruir a vida.

Recentemente, recebi recentemente um email da Carminha, uma colega de escola que andava perdida na memória... Achou-me na Internet... E olhe que ela era uma das mais bobinhas na brincadeira do esconde-esconde... Não achava ninguém...

Se me lembro e não estou enganado repetiu em Geografia...

Também pudera!

Não sabia o que eram ventos alísios e ao lhe perguntarem no exame oral de segunda época qual era a capital da Argentina, pensou, refletiu e disse:

Caracas! Putz! Não me lembro...

Seus pais foram chamados e ela foi suspensa por ofender a professora. Depois do estágio obrigatório como “repetente” foi jubilada, desta vez em Ciências, pois - acreditem - não sabia os 108 ossos do corpo humano que hoje são mais de 200.

O email dela veio como “carmencita@models.com.es”... Parece morar em Barcelona, cidade que venta muito e talvez pense seja a capital da Grécia...

Enfim, cada tempo ao seu tempo...

De um jeito ou de outro, aprende-se...

Como diria minha avó: se não for por bem, vai por mal... Engole aí, moleque!

O Nenê, o Gera, o Ivo e a Carminha são nomes fictícios de casos quase verídicos.

Exemplos que conheci, e muitos devem ter conhecido semelhantes, da condenação escolar que existia nos “Caminhos Suaves da Tabuada decorada com boa caligrafia”.

Se não aprendia, saía da escola para dar lugar a outro mais interessado e inteligente.

Os jubilados, condenados ao fracasso acadêmico, tinham que se virar para sobreviver.

Hoje a condenação é outra.

Os excluídos ficam vagando pela escola, mesmo que saiam dela sem aprender nada e condenados pelo carimbo “escola pública”...

Tanto naqueles rígidos anos dourados como no atual império da leniência escolar ninguém deveria ter o direito de dominar o saber, nem ser condenado por sua falta.

Nem poder, como ocorre por estes tempos modernos, de múltiplas inteligências, tudo ficar dominado...

Especialmente, pela omissão e proposital desinteresse do Estado numa educação, pautada pelo assistencialismo barato, onde se multiplica o desalinhamento social, condenando-se, por princípio, ao fracasso da ignorância quem tem, e busca, na escola pública sua esperança de aprendizado.

Não serão os condenáveis ardis das cotas ou PROUNI a iludirem aos pobres, que resolverão o problema de “ene vezes xizes” alunos de escola pública resultar em milhões de “cidadões” que não sabem sequer responder, nem alinhado, nem em desalinho que sete vezes nove não são o mesmo que oito vezes oito...

Sequer dirão quase, nem terão a capacidade do Nenê, a esperteza do Ivo, ou o voluntarismo da Carminha...

Estarão mais propensos a ser um Gera, sem a aposentadoria...

Ou quase...

Não é tão difícil resolver isso, mas interessa a quem?

Tia Professora, não é isso mesmo?...

Ou quase?

Pedro Galuchi
Enviado por Pedro Galuchi em 14/10/2009
Reeditado em 14/10/2009
Código do texto: T1866689
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