O NARRADOR E O DETERMINISMO REALISTA NA OBRA O CRIME DO PADRE AMARO DE EÇA DE QUEIRÓS

O NARRADOR E O DETERMINISMO REALISTA NA OBRA O CRIME DO PADRE AMARO DE EÇA DE QUEIRÓS

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O crime do padre Amaro, escrito por Eça de Queirós, inaugura o Realismo / Naturalismo em língua portuguesa. Sua publicação foi marcada pelo escândalo. Considerou-se ousado o ataque à igreja e o Realismo de Eça chocou o público burguês de sua época.

Essa polêmica foi intencional da parte do escritor. A obra é marcada por uma análise minuciosa e aprofundada da sociedade e pela busca da verdade por trás das aparências. Seu estilo é preciso e irônico, o qual expressa uma visão de mundo altamente crítica, focalizando principalmente a igreja e o celibato clerical. Eça faz destas instituições seu ponto de partida para uma análise rigorosa da hipocrisia e do moralismo da sociedade portuguesa de seu tempo. Foi também o mais esquemático de seus romances, o mais enquadrado mecanicamente nas diretrizes teórico-ideológicas do Realismo / Naturalismo europeu.

A representação da realidade pretendida pelo Realismo / Naturalismo deveria ser neutra, objetiva. Os personagens e os ambientes deveriam ter existência concreta. Não caberia propriamente a invenção romanesca, mas a observação dos fatos. Neste sentido, o assunto deveria ser contemporâneo e, em sua caracterização, o escritor deveria posicionar-se em favor da reforma social. Eça de Queirós utiliza-se de forma enfática a onisciência do narrador, conscientizando o leitor dos problemas sociais. Não só a neutralidade não existe como o narrador é muito subjetivo, e sua subjetividade percorre todo o discurso na obra ganhando destaque para impor a atenção do leitor.

O narrador procura seu sistema de valores através de sua própria voz narrativa. Há uma descrença na capacidade de seus personagens desempenharem seus papéis. Para isto, ele os priva da autonomia. Suas falas e pensamentos vêm quase sempre circunscritos pelo seu discurso onisciente. O resultado deste efeito na história é o alto índice de explicitação de informações que poderia ficar implícitas, para uma maior densidade da narrativa. Aos personagens secundários, o narrador é ainda mais crítico. Utiliza-se, sobretudo, de adjetivos agressivos para caracterizá-los e criticá-los, tais como: “papudas”, “lascivos”, “glutões, de uma materialidade grosseira, revelando os valores de sua subjetividade.

O narrador nunca é, no entanto, impassível diante desses personagens. Ele se manifesta desprezando de forma reiterada. A voz do narrador funde-se com a do próprio Eça nas situações narrativas mais importantes, onde o narrador revela grande consciência técnica, procurando destacá-las de acordo com as perspectivas de cada personagem. As cenas são construídas através de indicadores cênicos e os diálogos através de monólogos interiores dos personagens. É importante frisar que as situações narrativas em que é focalizada a psicologia dos personagens, não são freqüentes. O narrador de forma intencional não parece querer correr o risco de ceder à perspectiva de personagens que não teriam condições de realizar a crítica social desenvolvida pela voz narrativa.

Por outro lado, a agressividade ideológica do narrador é mais desenvolvida na caracterização dos personagens mais próximos dos protagonistas. Estes são avaliados de forma individual e em sua participação coletiva. Dentre eles, podemos destacar dois grupos: os padres e as beatas. Outro grupo ainda aparece, mas de forma distante, o conjunto social de Leiria (cidade onde se desenvolve a narrativa). Diante desse mundo decadente, o narrador registra, com visão crítica, o reacionarismo burguês. Sua perspectiva de falsa consciência não lhe permite uma visão totalizadora da situação social concreta de Portugal.

O conflito da personagem é apenas passageiro. Ao descobrir que o que fizera, não era por demais pecaminoso, descobriu-se inserido num mundo em que para a sua condição, tudo é permitido. O status social e a representação máxima por ser um padre fazem com que o personagem supere o peso de sua consciência em relação ao crime que cometera. Nesse meio corrompido, em que impera a hipocrisia, acaba por dar vazão a seus piores instintos. Com isso, Eça discute o problema da ausência da vocação para o sacerdócio e o drama do celibato clerical.

Influenciado pelas teorias positivistas e deterministas, Eça tinha a intenção de corrigir os vícios da sociedade burguesa, por meio da crítica de costumes e da sátira. Amaro é hipócrita, corrompido, porque vive num meio em que não lhe permite desenvolver positivamente o caráter, o que o faz tornar-se um homem inescrupuloso. A desculpa fica clara quando observamos que a crítica direta de Eça não é dirigida ao próprio Amaro, e sim a sociedade que o criou e deformou.

Em O crime do padre Amaro, Eça de Queirós escreve um tipo de obra que estava em moda na época: o romance de tese, tendo como ponto de partida uma idéia, que deveria ser demonstrada pela ação dos personagens, e a influência do meio social sobre o indivíduo. Mas o pessimismo que estava no ar era resultado de profunda revolução cultural. No fim do século XIX, os ideais positivistas caem por terra, e o materialismo cede então lugar ao idealismo a cerca da dor e da inutilidade da existência (Arthur Schopenhauer).

ginaldo
Enviado por ginaldo em 25/10/2009
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