Um Potiguar na “Cabeça do cachorro”

Sentindo um forte anseio, nas palavras de Cristo e da Igreja, parti! E desde outrora a um pouco mais de um mês desembarquei na região do Brasil conhecida como “Cabeça do cachorro”. Observando o mapa do Estado do Amazonas, se pode notar no extremo noroeste um desenho de um focinho, com sua boca e duas orelhas. Pertencentes aos povos indígenas do alto do Rio Negro, é possível dizer que o Município de São Gabriel da Cachoeira é o mais indígena do País, com suas vinte e duas etnias, responsáveis por 95% da população. Exceto alguns militares, religiosos, antropólogos e pouquíssimos comerciantes, quase todos são índios ou descendentes. Uma imensa extensão de terras para pouca gente, mas que não estamos tratando de qualquer povo e sim de um punhado de seres humanos que não obstante os séculos de subordinação ao dito “homem branco” e massacres dos quais hoje ainda continuam (em outros contextos diferentes), sobrevivem ao mundo moderno, dando testemunho de vida e singularidade humana já há muito perdida numa sociedade dita ‘civilizada’.

Quando falamos de São Gabriel da Cachoeira ou de qualquer um dos três municípios amazonenses que estão às margens do Rio Negro, não podemos deixar de lado a imensa extensão desses municípios e a impressionante riqueza do ecossistema presente neles. Além do citado, descendo o Rio Negro em direção a Manaus, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos (antiga capital amazonense) fazem parte da lista dos maiores municípios do mundo. Para ter uma ideia, Barcelos é o segundo maior município em extensão de terras do globo, perdendo apenas para um na Rússia. Com seus por volta de 122 mil Km2, fazendo divisa com a Colômbia e Venezuela ao norte, e Roraima ao leste, esta cidade que fora séculos atrás capital do Amazonas possui incalculável número de ilhas presentes no Rio Negro e é um dos maiores exportadores de peixes ornamentais do Brasil.

A cidade entre São Gabriel e Barcelos abriga o maior pico do Brasil e parte principal da reserva indígena Yanomami, uma das etnias do alto e médio Rio Negro que guarda com maior originalidade sua cultura e tradições. Além da reserva o parque florestal Pico da Neblina complementa a realidade presente nessa fantástica região. Graças ao Bondoso Criador esses três municípios ainda estão muito distantes das gananciosas madeireiras, do agronegócio de capitalismo selvagem e das mineradoras que outrora já passaram por aqui. As lutas e reivindicações de índios e grupos de cidadãos comprometidos com sua causa há anos batalhando pela dignidade dos primeiros habitantes dessas terras de Santa Cruz, puderam garantir que essa parte do patrimônio da humanidade mantivesse intocável – ao menos até agora.

O primeiro passo está dado para se compreender um pouco mais dessa região palco de uma reportagem no Jornal Nacional mês passado. Durante uma semana o JN mostrou para todo o Brasil alguns dos aspectos importantes e hodiernos da região do Alto Rio Negro. Ao longo das semanas, mostraremos um ponto-de-vista sobre diversos aspectos dessa realidade e contextos tão diferentes do restante do nosso País. Uma compreensão ainda superficial diante do tempo presente em meio a natureza selvagem e bela e aos habitantes primeiros dessas terras. A Amazônia – ou parte dela – está mais perto do RN a partir de agora!