REENCARNEI! E AGORA?

REENCARNEI! E AGORA?

Era tudo o que eu queria: Reencarnei!

Não vejo nada, está tudo escuro! Aí, percebo que estou no útero da minha mãe e que sou apenas um pequeno embrião recém gerado pelo cruzamento dos dois gametas fornecidos pelos meus pais.

A imensidão do espaço, meu campo de ação de há poucos instantes já ficaram longe! Tudo ficou tão reduzido que me sinto dentro de uma caixinha de força: minha visão que era de trezentos e sessenta graus foi reduzida a simplesmente nada!

Passaram-se aproximadamente duzentos e setenta dias dessa espetacular experiência e nesse período só dormi e alimentei meu corpo pelo tubo que me liga à minha mãe. Agora chegou o momento de sair deste local que mais parece uma piscina de água quentinha, só que a posição é meio incômoda, pois fiquei o tempo todo de cabeça para baixo. De repente começa uma movimentação intensa e tudo começa a tremer: sou comprimido de todos os lados e a impressão que tenho é que estão me expulsando daqui, que apesar de escuro e um tanto pequeno é até confortável.

Sou empurrado por um estreito corredor e de repente sinto que grandes mãos me agarram e me retiram de lá. Nossa! Está tudo tão claro e iluminado que nem consigo abrir os olhos e nem respirar, pois não há mais o líquido que estava habituado... Hum... Também está muito frio aqui! Quanto à posição, continuo de cabeça para baixo e alguém me sustenta pelos pés...

Aquele alguém que me segura deu-me um belo tapa no bumbum e começo a chorar enchendo os pulmões de ar; assim comecei a ouvir minha própria voz! Muito estranha esta situação! Nem acabei de nascer e alguém já me bateu! Continuei chorando bem alto ao que alguém me abraça e me comprime contra o peito com muito amor e carinho! Percebo que se trata de minha mãe, graças a Deus alguém me quer bem neste mundo!

E agora, que vou fazer? Fiz um grande projeto para esta vida e de repente me dou conta que sou um pequeno e frágil ser que depende cem por cento da mãe para sobreviver: não volito mais, não ando, não falo e não sou capaz de me alimentar sozinho; todos me olham curiosos e fazem barulhos estranhos que não entendo!

Muito tempo se passou desses acontecimentos iniciais da minha jornada reencarnatória na Terra. Agora tenho quinze anos de idade, minha família é muito interessante: são cinco maravilhosos seres, a começar pela minha querida mãe, a mais bondosa de todas as pessoas que conheço, que é professora do ensino primário; meu pai, meio durão mas muito inteligente, formado em engenharia química, trabalha em uma empresa da área; meu irmão mais velho faz o curso de Economia e nas horas de folga é surfista; o irmão do meio, também já cursando Economia, é baterista e a maninha mais nova, e acima de mim, faz dança clássica, estuda inglês e já foi aprovada no curso de Psicologia. Eu sou o quarto filho do casal, estou no ensino secundário e me preparando para o vestibular. Minha cabeça está muito confusa: meu pai força a situação me encaminhando para o ramo da engenharia, minha mãe me deixa mais à vontade, mas sinto que ela me vê como um professor universitário, pós-graduado, mestrado e coisa e tal; a maior parte dos meus amigos escolares segue as orientações dos pais quanto ao curso a realizar, então, o Juca vai fazer Medicina porque o pai é médico e rico e ele pretende ganhar muito dinheiro exercendo a Medicina no Brasil; como ele tenho mais meia dúzia de amigos que também irão tentar a Medicina pelos mesmos propósitos, ou seja, motivos financeiros e pelas exigências dos pais; porém, um outro, o Jefferson, este sim tem uma forte vocação para a Medicina e disse que dedicará toda a sua vida para conseguir esse objetivo; tem como maior dificuldade a origem humilde da sua família, que mora no interior de Santa Catarina e que não pode custear seus estudos. Então, planeja passar no vestibular da Universidade Federal. Bem, e eu? No fundo, no fundo mesmo, não quero ser engenheiro, como quer meu pai e nem professor como aspira delicadamente minha mãe. O problema é que não sei bem o que quero, pelo menos sei o que não quero. O tempo está avançando e tenho que fazer uma opção de carreira profissional.

Há alguns dias fui com uma amiga, que participa de um grupo de estudos em um Centro Espírita, e assisti a uma palestra muito interessante. O palestrante, que é um médium, falou num tal de projeto político pedagógico de vida ao qual se deve dar muita atenção, pois se constitui no grande objetivo da nossa vida. Voltei para casa muito pensativo sobre o que o palestrante havia falado. Daquele dia para cá, todas as noites antes de dormir fico refletindo sobre minha vida, meus objetivos, faço um exercício que ele recomendou chamado relaxação e logo após passo a refletir muito sobre minhas dúvidas. A coisa tem ficado muito interessante e ontem tive um belo sonho colorido no qual eu me via jogando futebol e uma grande torcida me aplaudindo de pé! O sonho veio se repetindo durante o último mês. Parece que é algo real, muito íntimo para mim, e confesso que estou gostando muito dessa idéia. Começo a perceber que sempre tive uma grande facilidade para brincar com a bola, o drible fácil, o raciocínio rápido, a visão da oportunidade e o gol! Meus amigos sempre me dizem que eu deveria partir para treinar em um grande time, pois terei muito futuro nesse esporte. Mas, se chegar a comentar com meu pai sobre esse interesse ele será capaz até de me expulsar de casa tal sua ojeriza pelo futebol, diz que se trata de uma área repleta de malandros e corruptos!

Então, está difícil, pois não tenho coragem de enfrentar meu pai e dizer-lhe que quero ser mesmo é um jogador de futebol, estou pensando mesmo é em fazer o vestibular para Engenharia, assim o agrado e minha mãe também ficará feliz, pois poderei ser até um grande professor universitário.

Dia seguinte, acordo com uma forte dor de cabeça, parece que minha consciência martelou meu cérebro a noite toda: “Você é um covarde! Tem medo de seguir seu projeto de vida! Você será um profissional frustrado e capacho dos seus pais! Cadê sua coragem, seu grande projeto idealizado para esta vida? Você irá morrer frustrado e derrotado com seus sucessos materialistas de ganhar dinheiro... na verdade essa voz da consciência, ou o que pode se chamar, está com toda a razão, pois minha vontade, minha motivação e vocação são bastante forte para o esporte, meu físico é próprio para o futebol: esguio, forte com estatura mediana o que dá muita agilidade na prática desportiva. Assisto a quase todos os jogos do time local, acompanho o campeonato brasileiro e sei tudo sobre as regras de futebol. Em todas as horas que não estou no colégio ou realizando alguma tarefa para o meu pai, estou lá no singelo campinho da vizinhança fazendo “peladas” com os amigos do bairro. Refletindo mais profundamente percebo que o problema não é meu pai ou minha mãe, o problema sou eu mesmo que me acomodei nas facilidades que minha família me concedeu: bom tênis, boas roupas, colégio particular, mesada ao final do mês e ainda a promessa de um carro novinho quando eu passar no vestibular...

Hoje, domingo, acordei novamente sobressaltado com aquela voz gritando comigo, de duas sentenças me lembro perfeitamente:

• “Ou você se determina e escolhe sua vida ou escolherão por você!”

• “Você é um homem ou um verme?”

Estes questionamentos agiram como um furacão na minha vida; fiquei mais uns dez minutos na cama e tive uma intuição sobre a questão, levantei-me, fui tomar o café. Lá estavam meus pais felizes e sorridentes sentados à mesa se deliciando com o belo café em família. Após cumprimentá-los e antes mesmo de me sentar á mesa já fui dizendo ao meu pai que tinha duas notícias importantes: “a primeira é que semana que vem vou fazer o vestibular de Engenharia e o senhor pode ir preparando o bolso para comprar o carro prometido”; “a segunda é que daqui a uns dez anos o senhor e a mamãe já estarão aposentados porque seu filho aqui estará jogando futebol num dos mais importantes times do mundo e, conseqüentemente, ganhando muito dinheiro!” Antes que eu terminasse meu pai engoliu em seco o seu gole de café, olhou fixamente para mim e disse: “se você fizer isso, arrume suas malas e saia de casa agora mesmo!”

“Calma meu pai”, tentei argumentar: “o senhor quer um engenheiro e terá um engenheiro, eu quero ser um grande jogador e tenho fé que conseguirei o feito...”

Minha mãe com sua astúcia e sabedoria entrou na conversa e disse: “Astolfo, querido, nosso filho é muito jovem, deixa que ele dê vazão às suas aspirações infantis, depois de formado ele acabará se esquecendo dessa paixão pelo futebol.”

As palavras da minha mãe caíram como do céu, pois meu pai levantou-se e disse: “Vamos arrumar os equipamentos porque os amigos do clube já estão nos esperando para o churrasco que combinamos!”.

Dez anos se passaram. Após ser duas vezes campeão brasileiro defendendo o meu time, fui chamado para a Seleção Brasileira e logo depois contratado por um time europeu, onde jogo atualmente. Meus pais me telefonam quase todos os dias e já vieram me visitar mais de cinco vezes. Alguém poderá me perguntar: e a Engenharia no que deu? Concluí o curso, peguei o diploma e o pendurei na sala da casa dos meus pais, está lá satisfazendo o ego e o orgulho deles. Quem sabe, após me aposentar alguém me contratará como engenheiro futebolista?

Alvino Chiaramonti
Enviado por Alvino Chiaramonti em 08/12/2009
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