BAÚ LINGUÍSTICO

Pelo simples gosto de armazenar miuçalhas, saio agarrando fragmentos de letras, aqui e ali. Um termo neológico, uma frase de viés, alguma figura de estilo, uma e outra quadrinha do patrimônio popular. Como todos sabem, já pela filosofia grega, coisa nenhuma se perde, mas tudo se transforma. “Panta rei”, conforme ainda ontem me lembrava um e-mail da conterrânea, amiga e “madrinha”, do “Recanto das Letras”, a poetisa Fernanda Xerez. Aí está, então, uma verdade muito absoluta: “tudo muda”.

Dito o que dito foi, de fato, em linguagem, tudo de mudanças e transformações vai para o baú do idioma, ainda que com fugacidade. Há gírias, por exemplo, que são como asteroides passageiros. Já rabisquei e apresentei, antes, uma miscelânea de sintagmas, ou expressões, locuções, como queiram tachar, para exprimir semanticamente o verbo m o r r e r. Não estou lembrado da cifra exata de tais sintagmas, mostrados no artiguinho marruá. Leve lembrança me é de que foram cinquenta e dois verbos idiomáticos.

Claro que eles foram apenas uma amostra miúda, um pinto, se comparados à imensidão de ocorrências com o verbinho chato. Caso se dê fôlego de busca, balanço meticuloso, a nossa modesta, mas riquíssima Língua Portuguesa nos fornecerá lista bem mais alentada. No eito da infinidade de ocorrências com o verbo fúnebre, por aí, já constatei após diversas novas dessas curiosas expressões.

Agora, em versão mais ‘light’ e nada funesta, como faz supor a semântica do verbo m o r r e r, inerente às coisas do outro mundo, hoje vou expor um mundéu de expressões, todas de conteúdo idiomático, que se traduzem como f u g i r. O novo rol de locuções, em sua maioria, é constituído de sintagmas – acredito nisto, piamente – totalmente desconhecidos do grande público constituinte do universo de usuários da língua pátria.

Algumas a representar apenas lusitanismos, outras somente conhecidas no Brasil, em contexto regional, todas, enfim, expressões saborosas que abonam bem a verdade de que riquíssimo é o idioma de Camões e de Seu Joãozinho Bilé, aquele nosso novel herói do sertãozinho de Catolé do Rocha, lá na Paraíba, bem aqui no abdômen do Nordeste. E falemos fácil, bonito, sem pilhérias de esnobação. Com a simplicidade de joias idiomáticas assim, contidas no bojo do camarada verbo f u g i r. Um verdadeiro baú linguístico, para apear do jegue da pedantia alguns classicoides, os idiomadiotas e os falastrões carentes do uso de barbas mais telúricas. Afinal, o listão que segue é o artista que lhes expõe outros significados para o verbo enfocado.

FUGIR – a b r i r (o) arco, abrir de / do chambre, abrir o chambre, abrir os panos, abrir (de) carreira, abrir o pala, abrir o pé; b a n c a r o veado; b a t e r a alheta, bater a asa, bater as asas, bater a coura, bater os chispes, bater em retirada, bater o nagueiro, bater a prancha, bater com os calcanhares no cu (que ninguém se assuste, palavrão não é: “bunda”, em Portugal), bater o napo, bater os escorrápios, bater patinhas, bater a linda plumagem; b o t a r de balão, botar de galão; c a g a r fogo; c a i r na tiguera, cair no mato, cair nas folhas, cair no mundo, cair no oco do mundo, cair no bredo; c h a m a r nas canelas; c o r r e r com a sela; d a n a r - s e no marmeleiro; d a r à canela, dar as costas, dar às de João das Penhas (Portugal), dar às de vila Diogo, dar às gâmbias, dar palanganas, dar às pernas, dar às trancas, dar aos calcanhares, dar com o pau, dar costa, dar no pé, dar o esquinaço, dar o expiante, dar o foguete, dar o fora, dar o pincho (Univ. de Coimbra), dar o pinote, dar o pira / piro, dar o rasca, dar o salto, dar o sebo nas canelas, dar o cavanço, dar o suíte, dar terra para feijão / feijões; d e s a t a r o punho da rede; e n f i a r a cara no mundo; e n s e b a r as canelas; e n t r a r no bredo; f a z e r a pista, fazer chão; g a n h a r o bredo, ganhar o mato, ganhar o mororó (Ceará); m e t e r o arco, meter o pé no mundo; m o s t r a r as costas; p e g a r a reta; p ô r - s e a panos, pôr-se no bredo..

Depois, não me deixem mentir... Muita gente fala repetindo muito, demais, e não seja porque goste. Opções para diversificar-se, oralmente e por escrito, existem aos carrosséis, enquanto simplesmente montões de pessoas ainda indagam como aquela normalista da piada: “– Neguinha, pra que a gente estudar português, se nós já sabe?”

Fort., 29/12/2009.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 30/12/2009
Código do texto: T2002373
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