Precisamos dos símbolos

Chegamos a mais uma virada de ano, e, embora o dia seguinte ao Revéillon seja apenas mais um dia, dentro de cada um ganha um significado diferente. Tal sensação nada mais é do que a força do símbolo, a mesma presente no culto às imagens de santos, anjos e deuses de outras tantas religiões, capaz de materializar uma evocação presente apenas no plano espiritual.

Não dá para imaginar a evolução humana sem a presença dos símbolos, em seus mais variados formatos e significados. Os primeiros passos que deram nossos ancestrais, ainda nos tempos em que eram nômades e viviam em cavernas, foram marcados pela necessidade de simbolizar a sua vida como uma maneira de buscar parâmetros de entendimento do mundo e de si mesmos. A natureza sempre foi uma rica referência para isto e emprestou aos povos primitivos o sol, a lua, o vento, a água, o fogo para representarem forças superiores capazes de explicar os fenômenos visíveis e mesmo os inexplicáveis.

Uma cena do filme “2001 – uma Odisséia no Espaço” é um forte exemplo de como o simbolismo é capaz de sintetizar visões de mundo amplas e complexas. Nela o diretor Stanley Kubrick disse tudo o que uma biblioteca inteira possa ter esmiuçado sobre a busca do poder em nossa história. Dois grupos de hominídeos disputam, num ambiente hostil, o que seria uma pequena reserva de água e alimentos. Dois líderes os representam, e a vitória de um deles significará o domínio do local.

É travada a luta num certo patamar de igualdade até que um deles apanha no chão um grande osso de animal e percebe que aquele objeto, na verdade, pode ser uma arma e o diferencial para o fim daquela peleja. A disputa realmente chega ao fim com uma pancada certeira na cabeça do adversário. O osso, símbolo deste algo mais, é lançado ao ar e, numa fusão de imagens no filme, transforma-se numa nave espacial com toda a tecnologia ainda inexistente até para os dias de hoje.

Kubrick desconsiderou toda a história da humanidade entre o osso e a nave, pois o osso-enquanto-arma foi o bastante para simbolizar que a evolução do poderio humano sobre seu semelhante e os demais seres nada mais é do que a evolução tecnológica das armas em si. Afinal, não é assim até hoje? O osso virou machado de pedra, que virou lança de madeira, que virou espada de metal, que virou arma de fogo, que virou arma nuclear e assim por diante.

O certo é que os símbolos nos ajudam a organizar e a materializar nossas ideias e ideais. Em um de seus textos, o poeta Carlos Drummond de Andrade disse o seguinte sobre o simbolismo do Ano Novo: "quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para adiante vai ser diferente."

De fato, a recontagem ininterrupta dos anos num ciclo de 365 dias objetiva sustentar uma série de símbolos de valor social, a exemplo de datas como o Carnaval, Dia das Mães, Dia dos Pais, Dia da Padroeira, Natal... Isto repercute individual e coletivamente nas pessoas, pois elas terminam absorvendo a cultura do que deve ter início, meio e fim. Em vez de dizer que estamos vivendo, por exemplo, o dia 365 do ano 2009 d.C., dizemos que estamos no último dia de dezembro de 2009. Esta é uma forma simbólica de minimizar a sensação de cansaço que vai além do que realmente estamos sentindo.

A vida de cada um é, talvez, o maior de todos os ciclos, embora poucos procurem entendê-la com tal dimensão. Os dias, meses, anos, décadas podem até ser úteis como medidas palpáveis do que ela representa, mas apenas têm sentido se forem vistos como parte de um simbolismo que extrapola a si mesmo, ou seja, algo que deveria ser traduzido na grande dádiva divina que é viver.

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 31/12/2009
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