SALVE, SALVE, BELÉM, A ATALAIA DO NORTE

Sérgio Martins PANDOLFO*

"E queles que por obras valerosas

Se vão da lei da Morte libertando”

Camões, Os Lusíadas, I - 2

Comemora-se aos 12 de janeiro o aniversário de fundação da capital deste extraordinário e dadivoso Estado do Pará. Desta feita Belém completa 394 anos desde que o intrépido capitão-mor Francisco Caldeira de Castelo Branco, contando com o auxílio de seus liderados e «mais do que prometia a força humana» fundou, num ponto elevado e algo avançado às margens da Baía do Guajará, local estrategicamente ideal, privilegiado para a defesa e incolumidade da região, até então desguarnecida, uma fortaleza por ele chamada de Forte do Presépio, batizando toda a área que lhe ficava em volta de Feliz Lusitânia.

Castelo Branco e seus homens vinham de participar da expulsão dos franceses do Maranhão e aqui contou com a simpatia e ajuda dos tupinambás, que habitavam estas plagas, para a ereção do fortim de pau-a-pique e cercado de paliçada de madeira colhida de árvores da redondeza. No interior do forte erigiram uma pequena capela, igualmente de enchimento e cobertura de palha, sob a invocação de N. Sra. das Graças. Nascia, assim, nossa Santa Maria da Graça de Belém do Grão-Pará como a primitiva atalaia do Norte. Um ano mais tarde transferiu-se a capela para o local onde hoje se apresenta, imponente e preciosa, nossa catedral (Sé).

A cidade teve crescimento rápido e progressivo, com a abertura de ruas que demandavam o fortim centrifugamente, como raios de uma roda, em várias direções, dando formação ao núcleo urbano primordial e constituição da malha urbanística futura. Intensa miscigenação indígeno-europeia foi o amálgama formador da população citadina desse bravo núcleo parauara que já em 1655 era elevado à categoria de cidade.

Na segunda metade do século XVIII viveu entre nós um notável arquiteto bolonhês, para cá mandado pela Corte portuguesa compondo equipe multiprofissional de ilustrada gente e alta qualificação em vários segmentos do humano engenho, a fim de demarcar as terras pertencentes aos reinos ibéricos de Portugal e Espanha. Aqui chegado e extasiado com a beleza e os desafios da terra o mestre italiano constituiu família e nunca mais se foi de seu novo torrão. Seu nome: Antônio Giuseppe Landi ou simplesmente Antônio Landi, como ficou conhecido e respeitado. Esse homem de magna capacitação acadêmica nos legou, como arquiteto régio, um conjunto de obras monumentais, assim na esfera civil como na da edificação sacra, onde pontuou como o pioneiro no Brasil do estilo neoclássico que ele imprimiu às suas obras.

São do engenho e da traça de Mestre Landi, na área civil o Palácio dos Governadores (atualmente Museu do Estado do Pará), ao tempo a maior edificação em solo brasileiro nesse campo; o à época Hospital Real (hoje Casa das Onze Janelas); o “Palacinho”, a “casa rosada” e outras de menor opulência, mas de grande beleza e apuro estilístico; na arquitetura sacra avultam as igrejas de Santana, de São João, a Sé, do Carmo, das Mercês, do Rosário dos Homens Pretos (Campina), e capelas Pombo, da Ordem Terceira de São Francisco, e N. Sra. da Conceição, no Engenho do Murutucu, de que só subsistem ruínas; interveio com obras adventícias na igreja de São Francisco Xavier (atual Sto. Alexandre), na capela do convento de Sto. Antônio. Fora de Belém projetou as igrejas de Santana, em Igarapé-Miri, as matrizes de Cametá e Gurupá e a “de pedra”, na Vigia. Homem de cultura polimorfa foi também naturalista, produzindo inúmeros trabalhos sobre a fauna e a flora da região, dono de engenhos e canaviais, sendo que no Murutucu, onde viveu os últimos anos de sua vida, plantou as primeiras mudas de mangueiras, que ele fez vir da Bahia e que aqui se aclimataram notável e fartamente, disseminando-se por toda a região.

Mais proximamente, nas décadas finissecular do XIX e inicial do XX, outra grande figura marcou sua passagem por esta cidade (era maranhense) com a efetivação de obras que ainda nos dias correntes assinalam o vigor de sua personalidade e capacidade realizadora. Trata-se do maior e mais empreendedor de todos os intendentes (prefeitos) que esta cidade já teve a dirigi-la, o Dr. Antônio Lemos, que nos deixou trabalhos no campo da urbanização (abertura de ruas, praças – ressalta a Batista Campos -, calçamento, iluminação pública, linhas de bondes); prédios públicos (mercados – o do Ver-o-Peso é o de maior realce e principal cartão-postal, verdadeiro ex-libris belenense -, escolas, internatos, forno crematório, asilos, bosques – o Rodrigues Alves é o principal –, hospitais, necrotérios, cemitérios, monumentos, etc.); edificações particulares (de seu jornal A Província do Pará, atual IEP, a casa onde residiu e a chácara Moema, próxima a Santa Isabel); modernizou a administração municipal e embelezou a cidade a ponto de, em seu tempo, Belém ser conhecida como a “Petit Paris”. Mas talvez o traço mais característico deixado por esse notável homem público tenha sido a arborização que ele implantou em toda a cidade, valendo-se das mangueiras que Landi houvera trazido para cá havia mais de um século, e que hoje lhe dão a graça, a faceirice e a feição especialíssima que todos que aqui aportam logo percebem e que lhe valeu o carinhoso e evocativo apelido de “Cidade das Mangueiras”.

Belém é hoje a Metrópole da Amazônia, mas para o apaixonado autor destas notas continua sendo a “cidade que recende a aroma de mato e a sortilégios de puçanga”, como a caracterizou seu historiador Leandro Tocantins, por isso que, em seus 394 anos de viçosa e fertilizadora existência, nada nos resta senão seguir a sentença do Príncipe Perpétuo dos Poetas da Língua Portuguesa:

“Se me passam os dias passo a passo.

Vai-se-me, enfim, a idade e fica a pena." (Camões)

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(*) Médico e Escritor. ABRAMES/SOBRAMES

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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 01/01/2010
Reeditado em 12/01/2010
Código do texto: T2005977
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