Juventude eterna

Viver é ter consciência da vida, assim como amar é ter consciência do amor, e querer é consciência de vontade. Porém a forma de construção dessa consciência passa por meandros que quase sempre não estamos conscientes de suas particularidades, de modo que como de uma hora para outra ou como por encanto, nos descobrimos vivenciando as sensações próprias destes estados de consciências. Então descobrimos que temos vida, que amamos, que queremos, que pensamos, ou seja, que de fato temos uma vida e que esta estar se processando através de nossos sentimentos, que nos embalam vida afora pela estrada do tempo. E a efervescência desta vida se processa através dos hormônios, que parece ser a chave do enigma.

O engraçado de tudo isso é que já na antiguidade, na antiga Grécia, Hipócrates (460-377 a.C.), intuiu a existência de vapores dentro do corpo humano que surgiam de várias de suas partes: plexo celíaco; da região do sexo; coração; garganta e outras mais. Esses vapores – na intuição de Hipócrates – advinham de calores em função do aquecimento dessas partes, dessa forma os vapores subiam até o cérebro para determinar a forma do humor, dos sentimentos, a maneira de como se processam os pensamentos e mesmo a forma como interagimos perante a própria vida. Assim acabavam por ditar o ritmo de como a vida se desenrolava no tempo. Ou seja, a agressividade ou a passividade com que o ser humano gerenciava a própria vida dependia, segundo Hipócrates, basicamente desses vapores.

Vejam que só depois de muito tempo, com avanço das pesquisas científicas, é que se chegou a exata compreensão do conceito dos tais vapores imaginados por Hipócrates, ou seja, trata-se daquilo que hoje nós conhecemos como hormônios. Curioso é percebermos que no solo cognitivo, onde laboraram os sábios da antiga Grécia, não se consegue mais semear e nem colher nada de novo além do que já foi plantado e colhido em termos de conhecimentos.

Por outro lado, o tempo cujo presente nos chega é fascinante, sobretudo no que diz respeito a sua multiplicidade de formas, quer seja pelas várias possibilidades de vivenciá-lo ou simplesmente pela sua beleza surreal, que por intermédio de sua modernidade nos alcança. Tudo é tão moderno... Parece que estamos dentro de uma ficção, um artificialismo encantador que nos transporta para além dos limites ainda não imaginado. Assim sendo, como um rubi, que nos fascina pelo brilho vermelho de sua gema, assim também o tempo nos coloca em estado de encantamento, porém este encanto é singular, uma vez que ele esvai-se entre os dedos, tal qual da mesma forma a água também se esvai. Todavia, mais que a forma do tempo, o que nos fascina mesmo é a sua qualidade de eterno, e conquistar esta qualidade é se igualar a Deus. E a ciência vem trabalhando neste intuito. Só que na medida que avança um passo para Deus, Deus acaba se afastando pelo menos dez passos em relação à ciência, ou seja, a fronteira do conhecimento parece ser inalcançável, apenas nos chegam de seu longínquo horizonte impressões, que semelhantes aos efeitos dos raios da aurora boreal, acabam por impressionar de forma fascinante nossa visão, inspirando-nos quanto à possibilidade do “vir-a-ser”.

Assim a ciência caminha inspirada pela visão a priori de si mesma, trabalhando arduamente e sem descanso, porém no seu esmiuçar investigativo acaba adentrando no conceito do “sagrado”: regiões onde ciência se confunde com poesia, quando parece acabar o limite do campo da experiência empírica, entram em ações outras ferramentas mais apropriadas para o avanço nessas regiões extremas. A ciência se vale então de sua filosofia a fim de estruturar uma teoria que lhe possa servir de assento à sua experimentação. Mas, o ardor é ter que lidar com energias em suas formas mais puras e ao mesmo tempo tecer considerações lógicas quanto às suas naturezas. Imaginem com qual dificuldade não lida a ciência dentro da música produzida por uma sinfônica, tendo que separar a melodia da harmonia, os elementos constituintes dos acordes sonoros e identificar cada som individualmente, denotar sua natureza fundamental dentro da escala a que pertence, bem como as várias sucessões de harmônicos que surgem dentro do espectro das frequências, a maneira como o som expande-se pelas faixas do infrassom e do ultrassom para se perder da audição e, depois retornar como impressão de densidade que vai dar a ele qualidade de timbre (cor do som). Sem falar da métrica rítmica dos compassos, do surgimento de algumas funções trigonométricas em sequência à fuga e ao contraponto, dando ao ritmo o balanço especial singular da síncope, as várias formas de composição rítmica, que como as estrelas, em número muito grande, permitem quase que infinitas possibilidades de arranjos quanto à forma de observá-las, algo semelhante às várias possibilidades ditadas pela análise combinatória dos elementos de um conjunto gigantesco. Será que em momento algum a ciência não deixa escapar a explicação para simplesmente ouvir a música? Afinal diante do grande oceano de conhecimento, estupendo e maravilhoso – onde em última análise ela se reconhece, pelo menos em tese — será que a ciência também não busca recantos para descansar ou dormir, e daí sonhar com a perfeição? Porém é no cochilo da ciência onde a linha do tempo aproveita para embaralhar o jogo e se distanciar de sua análise cognitiva.

Não podemos negar que estamos sempre nos deixando seduzir pela vida. E a possibilidade de alongá-la nos atrai, afinal, a ciência vem respondendo de forma categórica aos nossos questionamentos. Por outro lado, as sociedades ocidentais capitalistas, que constitui boa parte da maioria das sociedades modernas, acabam por valorizar de sobremaneira o consumo exacerbado de sua produção, fazendo com que seus indivíduos se prendam mais à forma e ao interesse material de sua constituição. Sendo assim, o foco se volta mais para a riqueza da produção, deixando, subsequentemente, as questões de cunho filosófico, ético, moral, religioso e espiritual relegado a um plano secundário. Como consequência, o individuo social acaba perdendo seu referencial familiar que o liga à trajetória do tempo.

Não é forçoso entender que isso traz em si uma fonte de muita solidão, angustia, ansiedade, infelicidade e ausência de si mesmo, na medida em que essa riqueza não é distribuída de forma equânime entre os seus pares, essas fontes acabam por se transformar em fontes primárias de muitas patologias que acometem a alma, mas isto é uma outra história que poderemos nos ater numa outra oportunidade.

Todavia, no afã de conquistar o tempo e a longevidade da vida, o homem se volta para o conhecimento científico até agora acumulado, estudando-o de forma muita mais detalhada, chega-se ao então velho sábio Hipócrates. Já lá na antiguidade, Hipócrates dizia que a forma de nosso comportamento era ditada pelos tais “vapores”... “Vapores”!? Ah, sim os hormônios...

Pois bem, e o que são exatamente os hormônios? Segundo o bom “cientifiquês”: “os hormônios são substâncias químicas secretadas nos líquidos internos do corpo por uma célula ou por um grupo de células e que exerce efeito fisiológico de controle sobre outras células do corpo”. O sistema hormonal, geralmente, está envolvido, sobretudo, com o controle das funções metabólicas corporais, controlando a velocidade das reações químicas nas células, o transporte de substâncias através das membranas celulares ou outros aspectos do metabolismo celular, como o crescimento e a secreção. Alguns efeitos hormonais ocorrem quase que de forma instantânea, outros porém requerem vários dias para então ter início, continuando por semana ou mesmo meses.

Existem muitas inter-relações entre os sistemas hormonal e o nervoso. Pelo menos duas glândulas, as suprarrenais e a pituitária, só secretam seus hormônios em função de respostas a estímulos nervosos.

Assim, muitos cientistas chegaram à conclusão de que os nossos sentimentos, pensamentos, a forma como interagimos no dia a dia, o vigor físico, nossa aparência e a aparência externa do próprio aparelho sexual depende, basicamente, dos níveis hormonais secretados nos líquidos corporais.

Claro que a indústria do artificialismo não poderia deixar passar em branco esta oportunidade, assim, tratou logo de intentar esforços no sentido de trazer à tona a possibilidade de uma vida mais longa e plena, e, juntamente, com a indústria dos cosméticos, motivados pela possibilidade de auferirem grandes lucros econômicos, passaram jogar no centro do consumismo das modernas sociedades de consumo a ideia da juventude eterna. Dessa forma, foram de encontro ao anseio e ao sentimento geral da sociedade em termo de ideal de beleza, que ganhando sustentação no padrão helênico das formas e aliado a uma forte campanha de marketing, acabam por introjetar mecanismo psicológico pelo qual os indivíduos, inconscientemente, se apossam de um fato ou de características alheias, tornando-os parte de si mesmos, ou voltam contra si mesmos as hostilidades sentidas por outrem. Afinal, apesar de todo avanço científico e tecnológico, ainda assim é comum nas sociedades modernas a prática do deísmo. Assim, encontramos por todos os lados devotos de Apolo, Afrodite, Dionísio, Mercúrio e outras formas mais de deidades. Essa ideia perpetrada no seio das sociedades modernas cai como luva.

Voltando, então, à juventude eterna. Bom, basicamente, a ideia é bastante simples: se são os hormônios que regulam o ritmo de nossas atividades cotidianas e a intensidade de nossas sensações, então, é natural que numa pessoa mais jovem entre 18 a 25 anos, esses níveis hormonais devam se encontrar em situação próxima do ideal, consequentemente, partindo dessa premissa, os cientistas (descompromissados com interesse capitalista) começaram a fazer experimentos a partir da reposição constante desses níveis hormonais nos líquidos corporais. Assim, segundo a teoria, poderia se retardar os ponteiros do relógio do envelhecimento natural, “o telômero” - que consiste em sequências repetidas de seis nucleotídeos, situado no fim do cromossomo, e que tem como função garantir que cada replicação do DNA tenha sido completada, sendo que, a cada divisão de uma célula, algumas sequências do telômero são descartadas. O telômero é quem determina a quantidade de vezes que uma célula pode se dividir, destarte, quando é completamente descartado, após sucessivas divisões, chega, então, ao seu final, não existindo mais a possibilidade de divisão a célula acaba morrendo, ou seja, ele é em última análise o marcador do tempo da vida, e ao nascermos já o trazemos impresso no nosso código genético. Consequentemente, se a reposição hormonal atuar de forma incisiva na reconstituição da parte do telômero descartada, no processo de divisão celular, acredita-se, então, que se poderá criar o “Elixir da longa vida” ( V. alquimia.).

Claro que a ideia de se chegar aos setenta anos com o vigor físico e a aparência de uma pessoa de vinte anos seduz qualquer um. Já pensou poder ter a experiência de setenta anos bem vividos, aliado ao frescor da juventude dos vinte... Na verdade, era tudo o que queria o Capitalista para expandir sua indústria de sonho.

Porém, por outro lado, uma parte da comunidade científica, preocupada apenas com avanço da pesquisa científica, tem se voltado para as implicações que a reposição hormonal pode acarretar dentro do mundo biológico. É sabido que cada organismo tem um biorritmo peculiar, que determina a característica própria e íntima dos indivíduos. Assim, considerando a constituição do conjunto celular do corpo humano, e se imaginarmos que cada célula desse corpo sofre a influência de enzimas especiais que lhe serve de metrônomo, ditando-lhe o ritmo de seu metabolismo. Então, é bem possível que uma alteração dos níveis hormonais num corpo envelhecido por cinquenta, sessenta ou setenta anos em níveis para quando este dispunha de vinte, vinte cinco e trinta anos, possa alterar de forma significativa a característica particular dessas enzimas especiais, passando, por conseguinte, alterar de forma também significativa todo sistema metabólica da célula.

Tudo ainda é “Cogito”. Porém neste ponto surge a questão: como será que células até então bem-comportadas podem se portar diante deste novo ritmo? Na verdade, podem surgir muitas motivações marginais comportamentais para célula. Como membro obediente de um ser multicelular humano, a célula tem apenas de executar a função específica que lhe é destinada, e que serve para assegurar a sobrevivência do organismo maior. Num dado instante, porém, pode certa célula ser forçada a começar a cumprir a pouca atraente função duma outra. Durante bastante tempo ela de fato faz isso. No entanto, num determinado ponto o organismo maior deixa de se interessar pelo contexto do desenvolvimento daquela célula em si. A célula passa ficar sem uma função específica dentro do corpo, e, particularmente, dentro órgão a que estava recrutada, passando a ficar livre e independente; pode fazer o que bem entender, pode até se iludir com a possibilidade de se tornar imortal propagando-se ao infinito. Por outro lado, a célula como pertencente a um conjunto a serviço de um determinado órgão torna-se mortal e contingenciada em função do próprio papel que exerce dentro do órgão. Então, por que motivo causaria espanto se ela resolver resgatar sua velha liberdade, passando a ter outra orientação diferenciada na sua vida, e a partir daí mudar a natureza da antiga função que exercia dentro do órgão, tornando-se, então, uma unidade isolada a fim de concretizar seu ideal de imortalidade através de esforços individuais? Ela poderá subordinar sua antiga comunidade de células aos seus próprios interesses e, com seu comportamento irresponsável começa a conquista a própria liberdade, transformando-a em uma mera anfitriã a fim de apenas se banquetear e regorjear de uma liberdade sem pátria, conquistada em circunstâncias no mínimo artificial.

Bem... A consequência imediata deste comportamento celular é o câncer. Tomemos como, por exemplo, uma célula recrutada ao serviço dos rins. Imaginem se uma destas enzimas especiais, que dita o ritmo metabólico da atividade celular, inspiradas pelos novos níveis hormonais, repostos de forma artificial, resolva de uma hora para outra dar uma nova orientação particular a uma determinada célula, e de repente esta, influenciada pelo novo comando, não se sinta de maneira alguma motivada e obrigada a realizar a enfadonha tarefa de filtrar o sangue, e resolva simplesmente se debruçar sobre os braços para curtir de forma irresponsável o sol de sua existência. Vejam que tal procedimento, além de irresponsável é também motivacional para as demais células que até então se preocupavam apenas com a função dos rins. E se de repente boa parte das células resolva também ficar à toa sem cuidar dos seus afazeres. Veja que a função renal de filtração do sangue vai ficar comprometida, podendo ocasionar várias consequências ao corpo inclusive as letais. No final, o corpo vai ficar com uma baita tumoração sem função alguma que precisa se alimentada, e por lado, a função renal fica significativamente comprometida, podendo, como consequência, levar o corpo ao óbito e a reboque o próprio tumor.

Trazendo esta analogia para o mundo externo, não fica difícil de vê a semelhança destas células com os indivíduos de uma determinada comunidade, que resolvem de uma hora para outra a não cooperar mais com o trabalho produtivo, largando suas ocupações laborativas para ficar às margens do sistema sem nenhuma função específica. Pode-se imaginar, por exemplo, desabastecimento do mercado, ou seja, mesas vazias, indústrias sem trabalhadores, campos sem lavradores, escolas sem professores e por aí vai...

Ou seja, o câncer é também uma doença d´alma uma vez que está insculpido no inconsciente coletivo das pessoas. Assim, de outra forma – pelo lado do espírito - o câncer é o amor num nível equivocado de si mesmo (amor falso). A perfeição e a unicidade só podem ser concretizadas na consciência, não na matéria – visto que ainda somos limitados no espaço terreno e a matéria ser apenas sombra da consciência. Todavia, no mundo transitório das formas o homem não consegue jamais concretizar aquilo que lhe habita no campo das ideias, pois pertence ao palácio do “amanhã”, ou seja, por mais que se esforce o palácio estará sempre numa perspectiva futura. Assim, nunca haverá um mundo perfeito, sem conflitos e sem problemas, sem atritos e sem lutas. Nunca haverá pessoas inteiramente sadias sem doenças ou mortes, nunca haverá o amor pleno, já que no mundo aparente das formas o amor vive em função de suas contingências. No entanto, é possível a concretização de boa parte deste objetivo – por cada um e a qualquer tempo – quando o individuo consegue se ver além das formas torna-se, então livre pensador. Sem perder do foco a visão de sua representatividade dentro do contexto da coletividade a que pertence. No mundo exteriorizado, o amor leva ao apego; na unidade ele leva ao transbordamento em função de sua própria natureza. O câncer, na linguagem d´alma, nada mais é do que amor mal compreendido. Na verdade, o câncer só sente respeito pelo amor verdadeiro. O símbolo do amor-perfeito é o coração, enquanto fonte permanente dos nossos sentimentos. Tanto assim, que o coração é o único órgão que não pode ser atacado pelo câncer!!!

Assim, galera, antes de sair desenfreadamente em busca de uma juventude eterna, lembre-se que envelhecer com dignidade também é uma dádiva. Já dizia Cícero (Marco Túlio Cícero, séc. I a.C.), orador e escritor latino: “...afinal sempre existe algum trabalho que pode ser feito por um velho... Um trabalho que exija discernimentos que os hormônios de um jovem sequer admitiria... a velhice é sem forças, porém ninguém exige dela ser forte”, quanto aos prazeres, dizia: “...a velhice poupa o que a adolescência tem de pior. Um velho se poupará da devassidão, se não for por sabedoria e bom senso, por pura velhice. Em vez de censurar a velhice, devemos nos felicitar que ela não nos faça lamentar demais os prazeres...”

De outra sorte, quando não se tem mais nenhuma função produtiva dentro do sistema, tendo em vista que as sociedades ocidentais costumam valorizar o jovem, o belo e o produtivo, sendo assim, aquilo que não encaixa no padrão é simplesmente descartado. Por conseguinte, quando estamos fora do padrão, ficamos livres, e é possível visitar os lugares que são tidos como marginais. E, aí, simplesmente, de mão nos bolsos, com passos lentos, absorto em pensamentos e a alma transbordada de poesia, som e rock 'n' roll, podemos então encontrar aquelas praias que estão fora do tempo, reservadas a quem está à margem (velhos, crianças, poetas, músicos...). E ao chegar lá se compreende o porquê do sonho dos loucos. É o lugar onde os vagabundos apenas contam estrelas; onde o poeta se enamora da poesia; onde músico possui a música num beijo frenético que o consome por inteiro; onde a ciência se declara em amor ao cientista; onde o sábio caminha, lentamente, e lado a lado com a sabedoria sob abóbada estrelada do universo; onde o santo encontra "Deus" e onde os demônios encontram redenção. É lá que se encontra a inspiração da criação, o fruto da árvore eternidade, bem como o sol da existência espiritual. Veja que não me refiro a nenhum tipo de encanto ou droga, mas a um estado alterado de consciência que se obtém pelo refinamento da sensibilidade espiritual.

(Fábio Omena)

Ohhdin
Enviado por Ohhdin em 02/01/2010
Reeditado em 20/04/2015
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