Memórias de uma célula

Antes de tudo façamos uma singela reverência à vida... Eterna poesia sem começo, meio e fim... Vento que carrega a nau do marinheiro pelo grande oceano do conhecimento.

Bom, dito isso, lembro-me de certa vez, quando assistia um desses canais televisivos de documentários, de ficar impressionado com a matéria que o programa exibia de a tal forma que resolvi escrever este artigo.

A matéria falava sobre memória de células. Situação que só pode ser agora constatada com avanço da medicina e com o desenvolvimento de técnica de tratamento para alguns males de natureza patológica. São os casos, hoje, que ocorrem quase que de maneira rotineira dentro dos vários centros cirúrgicos, os transplantes de órgãos.

Pois, bem, necessário neste momento abrir-se um parêntese: Lá nas cavernas, nossos ancestrais, por força dos instintos, fizeram sexo. Pronto... Este ato deflagrou uma correnteza de vida inexorável, que, por vezes contingenciada em si, não consegue avançar, mas tão logo vencido o limite desse represamento estorna-se para novamente encontrar o curso natural de seu grande destino: o oceano ilimitado de nossas vidas. Força irresistível que mesmo entre rochas consegue encontrar espaço para expandir-se e seguir no seu firme propósito evolucional.

Em outras palavras, sem entrar em questões teológicas ou religiosas, somos eternos pelo lado biológico. Fato esse que já faz parte de uma constatação cientifica, nosso código genético vem atravessando a muralha dos séculos, transmigrando de corpo em corpo, encontrando adaptações correta face às intempéries dos vários espaços-tempo relativo a cada processo de aperfeiçoamento por que passa dentro de seu curso evolucional. Nosso DNA é assim uma espécie de “Highlander”, um verdadeiro guerreiro imortal. Turbilhão psíquico que nasce e desenvolve-se cada vez mais poderoso; necessitando de veste de matéria sempre mais sutil; o pensamento menos denso torna-se cada vez mais transparente. Dentro desse processo é necessário reconstruir continuamente seus corpos, e só uma troca e um recâmbio constante pode sustentá-lo. Isto, que nos parece ser nossa maior imperfeição, constitui na verdade nosso maior poder: vida e morte. O que é o crepúsculo senão o anúncio de uma nova aurora?! Neste ritmo rápido temos que viver: juventude e velhice, sem jamais parar. Porém nessa corrida é necessário experimentar, provar, assimilar cada fase desse processo com suas delícias e com suas agruras: esta é a vida.

Porém, num determinado momento deste processo uma dúvida nos ocorre; a consciência dentro desse processo de vida e morte... Será que ela se conserva?! Este é o grande “porquê” para o qual ainda não se encontrou resposta satisfatória. A ciência vem, inutilmente, por vezes lavorando em campos errados em busca de resposta a este “porquê”. Porém surge no horizonte uma nova aurora, a recém descoberta das memórias celulares.

Então, fechando o nosso parêntese, com advento cada vez mais rotineiro dos transplantes. Percebeu-se que em alguns pacientes, logo após serem submetidos à cirurgia de transplante de órgão, como coração, pulmão, rins e etc, que estes passaram a relatar o surgimento de fatos estranhos, como por exemplo: de gosto por alimentos estranhos as suas dietas. Um exemplo: uma dessas pessoas, uma mulher que recebeu um coração de um jovem, que houvera, abruptamente, interrompido o curso de sua vida. Contava que logo após sair da sala de cirurgia e ao recobrar a consciência, sentiu uma vontade irresistível de comer esses tipos de salgadinhos à base de milho, do tipo Elma Chips, sendo que jamais gostou desses de tipos alimentos. Achou que tal desejo pudesse ser fruto da enorme pressão emocional pelo qual havia passado por ter visitado a tênue linha divisória entre a vida e morte.

Porém, com passar do tempo, sentiu que uma enorme jovialidade lhe invadia o espírito. A ponto que ao assistir uma propaganda de uma academia de artes marciais, sem que tivesse consciência precisa, lá já estava matriculada fazendo aulas de caratê. Começou a desenvolve gosto por música funk, “break dance”, enfim, comportamentos completamente estranhos aos que até então tinham, e que começaram a se manifestar pouco tempo logo após do transplante.

Desconfiada que tal atitude pudesse estar relacionada ao transplante a que fora submetida, passou a investigar no sentido de encontrar uma resposta. Começou a procurar a identidade de seu doador. Sobretudo, o que mais a incentivou nessa busca, era uma sensação recorrente de que estivesse como num sonho acordado, que, de repente, após um forte estalo na cabeça, tudo ficava escuro de uma hora para outra e, um vazio, como ausência de tudo, se instaurasse repentinamente, sendo que a última visão que lhe ficava guardada era imagem duma jovem negra com vestido de estampas alegres.

Após sucessivas e incansáveis buscas aos arquivos documentados de seu transplante, enfim, conseguir fazer contato com a família de seu doador – um jovem negro de dezessete anos, que havia se suicidado com um tiro na cabeça em frente de sua namorada. Foi a partir daí que tudo passou a fazer sentido. O gosto por Elma Chips, caratê, “break,” funk, pois, segundo relato da própria família do doador, essas eram suas maiores paixões na vida, e, sobretudo, o sonho que lhe ocorria recorrentemente, a sensação de estalo dentro da cabeça e a visão da jovem negra. Foi dito também pela família que quando o doador houvera cometido suicido, ele estava em frente de sua namorada, esta vestia, naquele no momento, um vestido com estampas amarelas e motivos primaveris.

Uma outra situação bastante interessante, foi o caso de um operário da construção civil que tinha lá seus quarenta anos. Estava já desenganado, precisava urgentemente de um coração novo. Quando quase que na hora “H” recebeu a notícia de que havia um coração disponível para o seu transplante. Tratava-se de um coração de um jovem músico violinista que estudava música erudita, que fora assassinado quando se dirigia para o conservatório onde estudava violino.

Bom, algum tempo depois ao transplante, o operário retomou o curso normal de sua vida, voltou a trabalhar na construção civil. Porém, começou a notar certa predileção por música clássica e erudita. A ponto que na sua rotina ordinária de trabalho sempre havia alguma música erudita tocando como pano de fundo. E, nas horas vagas, começou a frequentar as salas de audições, teatros, congressos, enfim, começou a frequentar tudo o que se relacionava com música erudita, e a desenvolver um gosto refinado por música. Comprou um violão e começou estudá-lo. Cabe ressaltar que antes do transplante não demonstrava interesse algum sobre música além de um interesse normal que um operário de obras poderia ter por este assunto.

De todos os casos que ouvi na matéria do programa, um foi, realmente, o mais interessante, que me chamou atenção pela experiência profunda vivenciada pelas personagens envolvidas no caso. No relato da história, uma mulher, de aproximadamente trinta anos, que trabalhava na área de educação, teve o coração transplantado. Como nos demais relatos, ela começou também apresentar predileções estranhas por gostos e hábitos alheios aos que cultivava até então. Porém a especialidade deste caso, em particular, é que a receptora do órgão começou a sonhar com o seu doador. Segundo seu próprio relato, a partir daí estabeleceu-se de pronto um profundo elo entre eles. Sentia que dentro de seu corpo também vivia outra personalidade, e, que existia uma harmonia entre eles norteada por um sentimento de profundo amor. A experiência foi tão real e marcante para essa pessoa transplantada, que num de seus sonhos, o rapaz doador veio até ela, e apresentou-se com o seu nome completo. Relatou a forma como ele perdeu a vida (acidente de moto) e a aconselhou, em sonho, a procurar sua família. A experiência foi tão real que após acordar deste sonho, contava a mulher, que o quarto estava todo impregnado com forte aroma de perfume de sândalo.

No dia seguinte, curiosa com o que aconteceu, e baseada nas informações colhidas no sonho, começou a pesquisar. Sem que ninguém lhe dissesse nada conseguiu encontrar a família do doador e começou a estabelecer contato com os familiares de seu doador. Muitas coisas, que vivenciava e sentia, começaram então a fazer sentido. Coisas que antes de conhecer a família do seu doador não conseguia compreender. Gosto por nugget, motocicletas, literatura francesa, aroma de sândalo, corrida de aventuras, pois ficou sabendo que essas eram as atividades que ocupavam mais corriqueiramente o tempo de seu doador, que o mesmo faleceu em virtude de um acidente que sofreu quando viajava em uma motocicleta – a maior de suas paixões.

Contudo, aceitabilidade e o elo que se estabeleceu com seu doador foi algo tão impressionante, a tal ponto que muitas das experiências, vivenciadas por seu doador, conseguiram lhes serem transferidas. Porém com o passar do tempo, após dez anos de transplantada, sentiu que um ciclo havia se encerrado, ou seja, que, enfim, a doação havia realmente se completada em nível mais sutil, em dimensões de almas. Foi quando percebeu que aquele coração era agora só seu coração, aquela presença meio estranha já não era algo mais do seu dia-a-dia. Fazia parte agora de uma doce e leve lembrança. Então, por conta própria deixou de tomar as drogas imunossupressoras. Assumindo, sozinha o risco de um ataque por parte do sistema imunológico ao órgão transplantado, pois acreditava piamente que órgão estava perfeitamente integrado em seu corpo e em sua alma. Sabe-se por constatação científica que os índices de óbitos por rejeição é tão grande, que qualquer tentativa de interromper o tratamento com uso de drogas imunossupressoras é totalmente desaconselhada pelos médicos e pelos estudiosos da matéria. Em outras palavras, as pessoas que têm órgãos transplantados ficam obrigadas a fazer uso de drogas imunossupressoras para restos de suas vidas.

Cabe ressaltar, que no memento da exibição da matéria, ela estava sem tomar as drogas imunossupressoras já quase há um ano e meio. E, é exatamente este fato que faz desse último relato um Plus em termos de substrato para o estudo científico da matéria trazida à baila. Ou seja, será que a rejeição só acontece porque em determinado níveis de sensibilidade a doação ainda não se consolidou? Bem, resposta que fica para os estudiosos da matéria responder.

Agora olhando mais de perto o coração. Constata-se que esse órgão é formado por um número muito grande de células. Que são fibras lisas musculares, que se diferem das demais fibras musculares esqueléticas do organismo porque são como pequenas usinas geradoras de eletricidade. Eletricidade essa que viaja até o cérebro, e lá é traduzida como mensagem e comando que são enviadas até as partes mais extremas do organismo, a fim que este reaja de forma apropriada a determinado estímulos externo. Acontece que a eletricidade ao fluir por um determinado condutor gera também um espectro - onda eletromagnética, que vai também ao cérebro mais que também viaja à extremidade do corpo e à pele, que é o maior o órgão do corpo humano, e, daí ganha o espaço, tal qual ganha o espaço a transmissão feita por uma rádio em sistema de radiodifusão. Assim, após a primeira batida de nossos corações a energia gerada por esse pulso de vida é tão grande e intensa que impressões são gravadas e transmitidas de forma indestrutível pelo infinito do universo.

Assim como observamos o brilho de estrelas longínquas, que já deixaram de existir, porque morreram a muito tempo atrás, mas que por sua vez, sua luz ainda continua seguindo viagem pelo espaço infinito do universo. Também as nossas ondas eletromagnéticas, geradas pelo pulsar de nossos corações, seguem sua trajetória de forma inexorável nessa viagem fantástica pelo universo, e muito provavelmente vão continuar expandindo-se mesmo depois de nossas mortes físicas.

Por outro lado, em um nível muito sensível, esta energia eletromagnética quando permeada pelos fótons, que servem como substrato de impressão, pode ser captada, gravada e traduzida para outra dimensão através do fenômeno da bioluminescência. Desta forma, é possível estabelecer contato com essa forma de energia mais sutil, e, a compreensão vai depender do ajuste da frequência e comprimento dessas ondas.

De outra forma, é possível imaginar que se este pulso de vida tão forte, que é capaz expandir-se pelo espaço do universo e estabelecer contato em outra esfera de compreensão. Também seria razoável pensar que esta mesma energia seria perfeitamente apta a gravar impressões no espaço celular do próprio organismo. Senão, como explicar a inteligência de cada célula do organismo que sabe, por exemplo, o momento certo de se reproduzir, acelerar ou reduzir o seu ritmo metabólico, nascer, morrer e de clonar-se, copiando exatamente aquilo que é essencial à funcionalidade do exercício futuro de sua função dentro do organismo? Na verdade, tudo funciona como um grande baile coreografado, onde cada movimento do passo de dança é ditado pelo ritmo específico do pulsar elétrico do coração. Claro que esse comando não poderia ser obedecido se em cada célula não tivesse uma espécie de sistema de registro de memória, que fosse capaz de reconhecer e interagir de acordo com cada estímulo específico.

A vida fenomênica é realmente magnífica, segue inexoravelmente uma lei universal de autoconservação, mesmo no menor cristal lá está insculpida toda a codificação necessária a sua existência. De maneira que nós, no âmago de nossas limitações, não temos outra opção a não ser se deixar seduzir o tempo todo por ela...”vida”. E a própria vida se encarregou dessa tarefa. Quis a natureza fazer do sexo algo muito prazeroso, igualmente do alimento, assim como do abrigo e do aconchego. Então, são armadilhas que laboriosamente foram construídas pela vida para nos capturar dentro dela, ou seja, somos por assim dizer prisioneiros eternos da vida. Porque não nos resta opção. Senão, pelo que então nos seduziríamos? Pela “morte”? Definitivamente, esta não é uma opção sensata! Razão pela qual espalhar o nosso material genético pelo mundo afora é tão fundamental. Daí o porquê de fazer um filho é algo tão importante, pois garante pelo lado biológico a continuidade da vida de nosso “Highlander” (DNA), ou seja, nossa eternidade. Isso porque a vida é algo tão maravilho que não pode se encerrar só nesse espaço-tempo, é pouco demais...É necessário uma eternidade para sua realização.

Porém, agora começamos a ver que o espectro desta materialidade pode ser também o objeto de constatação científica, temos a evidência, ainda que empírica, das memórias celulares. Estamos presenciando, ainda que de maneira incipiente, o avanço no campo científico na investigação desta matéria. Afinal, os relatos estão aí, cabe a ciência decodificá-los e explicá-los sobre o ponto de vista de sua racionalidade. Porém, para aqueles que acreditam na vida após a morte, toda essa discussão é inútil.

(Fábio Omena)

Ohhdin
Enviado por Ohhdin em 02/01/2010
Reeditado em 28/01/2020
Código do texto: T2007828
Classificação de conteúdo: seguro