A CIDADE-AVIÃO E SUA PISTA DE POUSO

Sérgio Martins Pandolfo*

"Na Natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma". Lei de Lavoisier

“O JK de que recordaremos é, antes de tudo, o homem que foi capaz de antever, no silêncio do cerrado virgem, a cidade nova, capital de seu governo”. Folheto “Tributo a JK

Em evocativa revisita estivemos na capital federal a participar do CONGRESSO DA LÍNGUA PORTUGUESA EM BRASÍLIA (19 a 21 de nov.2009) e ficamos extasiado em constatar a grandiosidade, a beleza e as características únicas de seu traçado e malha urbanísticos.

Nascida da imaginação visionária do inesquecível Juscelino Kubitschek, um médico de formação e um estadista de escol, a capital da esperança irá completar, em 2010, cinquenta anos de fundação, inaugurada que foi a 21/04/1960. Brasília está consolidada, pujante, flamante.

JK, filho da barroca Diamantina, era médico e, como tal, foi um dos maiores de sua época na capital de seu estado natal, BH-MG, que havia, igualmente, sido recém-construída, projetada pelo grande urbanista parauara Aarão Reis, de linhas modernistas e grandiosas para uma região roceira que fora, até então, o Curral d’El-Rei. Essa grandiosidade da nova capital das Minas Gerais seguramente terá sido o primeiro elemento a impressionar e influenciar o espírito empreendedor e progressista do jovem médico.

Formado em Medicina pela recém-criada Faculdade de Medicina da UFMG, foi aluno destacado e mais tarde, por algum tempo, integrou seu quadro de professores, alcançando grande notoriedade na clínica privada e entre seus pares.

Almejando maiores conhecimentos viajou para Paris, então a meca das ciências e das luzes – a cidade-luz – a fim de especializar-se em sua área de atuação, a Urologia. Passou também por Viena e Berlim, voltando com imenso cabedal científico-cultural.

Foi certamente essa viagem de estudos – "une journée d’études", como se dizia então – que lhe abriu o espírito, a visão futurista e a gama alentada de conhecimentos para realizar suas obras maiores e de mais fecunda profundidade e futuridade: a construção de Brasília e seu corolário, a estrada Belém-Brasília. Foram ambos trabalhos hercúleos, só conseguidos em razão da determinação e força de vontade desse grande, quiçá o maior, estadista brasileiro.

Ao voltar dedicou-se com paixão e exclusividade à Medicina, refutando vantajosos convites para o exercício de outras atividades, máxime a política, até que sucumbiu às constantes picadas da mosca azul. Foi Secretário de Estado e depois Prefeito de BH, e no exercício desta função pôde mostrar todo seu dinamismo, determinação e tino administrativo.

Eleito presidente partiu para a realização de um rosário de obras vigorosas e marcantes, que o consagraram como o presidente das grandes e revolucionárias operações que mudaram o cariz conservador e até mesmo sonolento de nosso País.

Brasília é, sem ponta de dúvida, sua realização mais conhecida, decantada e aclamada, que mereceu o reconhecimento inclusive da UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade. Em suas próprias palavras: “Para quem contempla Brasília, as emoções são sempre diversas. Admira-se a grandiosidade do plano de Lúcio Costa, o gênio de Oscar Niemeyer e a obstinada confiança de um povo em seu destino nacional. Só assim tornou-se possível levantar no Planalto uma cidade que é, ao mesmo tempo, um poema e um compromisso com o futuro” (acresceríamos o paisagismo de Burle Marx). Todos pessoalmente escolhidos por JK, que a conceberam, em seu Plano Piloto, sob a forma hipotética de um avião.

Todavia, como nascente e vivente na Amazônia brasileira, essa tão falada quanto desconhecida região, que por sua portentosidade e riquezas de suas entranhas desperta a cobiça e a cupidez das grandes potências mundiais, posso afirmar, sem nenhum receio de incidir em impropriedade, que a construção da Belém-Brasília, hoje totalmente implantada e funcionante, e que de fato integrou a Amazônia ao Brasil, naquele então só cumprida por água e ar (barcos e aviões), foi sim obra da mesma enorme grandeza que a construção de Brasília, tendo em vista que a sua megaextensão de 2.200 km fora rasgada em mata virgem, densa, inóspita e caprichosa, atravessando áreas alagadas e volumosos cursos d’água, com todos os perigos (que incluía doenças novas, incertas ou não-sabidas) que isso representava, tocada por um outro médico, também mineiro e de excepcional capacidade empreendedora, o Dr. Waldir Bouhid, à época Superintendente da SPVEA.

Contrariando opiniões de técnicos abalizados e especialistas de grande nomeada, que após complexos e aprofundados estudos apresentados em relatórios afirmavam ser impossível a realização de tal obra, o grande JK, em memorável reunião havida no Palácio dos Leões, em São Luiz (MA), estupefaciou a todos com esta frase terminativa: “Muito bem, senhores, começaremos amanhã”. Pois bem: esse portentoso estradão integrador, que chegou a ser pejorativa e sarcasticamente apontada por um político da época como a “estrada para onça beber água” está a completar, igualmente, cinquenta anos, visto que sua picada original foi concluída dias antes da inauguração de Brasília.

Os nortistas, e em particular os parauaras e belenenses de mais de 50 anos sabem muito bem como eram as condições de abastecimento e de reciprocidade de locomoção com o restante do País naqueles já recuados entonces. Por isso que para nós JK se afigura como o maior mandatário que esta Nação já teve e como o Presidente que, indubitavelmente, uniu a Amazônia ao restante do Brasil. Se Brasília é a cidade-avião, a Belém-Brasília é sua pista de pouso. JK foi o mais patente confirmador da Lei de Lavoisier: transformou o cerrado planaltino na metrópole pujante e deslumbrante que é hoje Brasília e rasgou a Floresta Amazônica de alto a baixo para nela implantar um segundo eixo monumental ligando a histórica cidade de Belém, a primitiva atalaia do Norte, à recém-criada capital federal, a capital da esperança. Nada se perdeu, tudo se transformou. E mais, muito mais teria feito esse gigante, o “presidente bossa nova”, como o cantou Juca Chaves, o médico que curou o Brasil do marasmo e da sonolência de que estavam possuídos seu solo e seu povo, se o deixassem seguir em frente, trabalhando com denodo e afinco em prol de sua pátria e de sua gente.

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(*) Médico e Escritor. ABRAMES/SOBRAMES

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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 21/01/2010
Reeditado em 31/01/2010
Código do texto: T2043695
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